O paraíso perdido: Avião virou ônibus com asas?

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Por Fabio Steinberg

Quando foi mesmo que viajar de avião perdeu o charme? Não faz tanto tempo embarcar em aeroporto era um momento revestido de pompa, não raro testemunhado por amigos e familiares. Hoje, tornou-se mal necessário. Muitos passageiros, principalmente os da classe econômica, associam transporte aéreo ao pesadelo do tratamento de canal em dentista. Só que sem anestesia. 

O conforto das aeronaves sumiu. As poltronas encolheram na espessura, largura, reclino, e distância entre fileiras. As mesas de serviço também se reduziram na mesma proporção que a generosidade das refeições. Nos voos nacionais o padrão é agora pagar pela comida, e nos internacionais engolir tremendas gororobas que em outra época seriam consideradas ofensivas.

Atrasos nos voos também virou rotina. Em aeroportos em horários de pico formam-se filas de até dezenas de aeronaves aguardando em terra a vez para decolar, e no ar o momento de pousar.   

O golpe de misericórdia dos bons tempos aeronáuticos chegou também ao Brasil com a cobrança das bagagens. Se por um lado é compreensível taxar-se apenas quem leva carga, por outro soa como atitude mesquinha das companhias, inconcebível nos velhos tempos de vacas gordas.

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Somem-se aeroportos tumultuados e impessoais, repletos filas no check-in, segurança, compras, banheiros, embarque, desembarque, imigração, retirada de bagagens, transporte. Até os terminais estão em descompasso com o movimento crescente de usuários, mas isto é uma outra história.  

Quem é o responsável por este quadro de deterioração, que não é só um problema brasileiro, mas algo que aflige o transporte aéreo de todo o mundo? As companhias aéreas respondem, sem piscar: a culpa é do próprio consumidor!

Ao optar por preços reduzidos de aéreas low cost, em contrapartida a baixos padrões de conforto e serviço, o usuário sinalizou a sua preferência. Para se tornarem competitivas, as companhias tradicionais resolveram reduzir radicalmente custos e assim oferecer tickets mais baratos. Isto foi feito às custas de espremer espaço entre poltronas para mais gente caber no mesmo avião. Quanto ao serviço de bordo, tornou-se espartano.

Segundo o The New York Times, outro fator colaborou para esta triste situação: a pressão dos investidores de companhias aéreas sobre os gestores por mais lucros. Por exemplo, na American Airlines há cinco anos os salários dos executivos dependiam de itens como pontualidade dos voos, reduzidos índices de extravio de bagagem ou satisfação dos clientes. Hoje os bônus estão focados em resultados financeiros e custos baixos. A estratégia deu certo, pelo menos para os acionistas. Assim, se por um lado a ação e margens de lucro de empresas como a United deram um formidável salto, do outro foi o passageiro que pagou o pato. Todos conhecem o filme. O espaço para as pernas entre assentos encolheu. O overbooking aumentou. As bagagens, alimentação e entretenimento passaram a ser cobrados.

O Brasil acabou por acompanhar a tendência internacional. Recentemente a GOL passou a cobrar pela bagagem, ou, dito de outra maneira, dá desconto nas passagens para quem não despachar mala. Já a LATAM foi mais objetiva: lá o passageiro só ganha sorriso e água. O resto tem que ser pago.

Mas há uma questão maior. Não é razoável colocar no mesmo balaio o espaço e conforto mínimo a bordo – uma questão até de saúde – com a taxação de serviços agregados ao transporte aéreo, como bagagem, alimentação, internet e entretenimento. Como resolver esta questão? Através de melhores políticas públicas, que assegurem os direitos essenciais do consumidor de avião. Nem de brincadeira é possível aceitar propostas absurdas que de vez em quando surgem no mercado, como o fim dos banheiros nos aviões em troca de mais assentos, ou passagens baratas para quem viajar em pé.  

Neste interim, é preciso reconhecer o esforço dos ônibus interestaduais para melhorar seus níveis de conforto e serviço. Por isto, tornou-se até ofensa para eles serem comparados a aviões. Sinal dos tempos.

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