15 anos DIÁRIOS: gente fina, elegante e sincera, mas também mal-educadas

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Os bons executivos e as boas executivas e de franqueza fluorescente eram cuidadosos e lembravam: “in-off” e eu desligava o gravador

Por Paulo Atzingen – 15 ANOS DIÁRIOS (originalmente publicado dia 11 de março de 2018)


Os 13 anos de trabalho no jornal DIÁRIO DO TURISMO me proporcionaram alguns momentos impagáveis (no sentido literal mesmo, pois talvez não conseguiria pagar). Foram cruzeiros marítimos e fluviais, hospedagens em grandes hotéis nacionais e internacionais, viagens a lugares intraduzíveis e impalavráveis – como disse um filósofo amigo meu.

O que me tornou um pouco mais seguro na profissão – afinal vinha da área de Letras e Artes e, no fundo era um tímido disfarçado de comunicador – foram as entrevistas com os bambambãs da hotelaria, dos eventos e das companhias aéreas.

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Essa timidez se dava por dois motivos: primeiro porque meu figurino não ajudava e os entrevistados, em sua maioria, levavam a sério meus convites, vinham todos engravatados, socados em seus ternos italianos e com gumex no cabelo. Isto me deixava um pouco desconcertado, já que na maioria das vezes trajava-me com o básico do básico. Calça jeans, camisa branca com colarinho sem goma e punhos sem abotoaduras, sapato e blazer preto. Segundo porque achava os ambientes muito sofisticados para um jovem paulista que passara vinte anos às margens de rios e grotas amazônicos.

Das centenas de entrevistas que fiz, algumas dezenas delas guardo-as profundamente na memória, porque nelas aprendi muito sobre a natureza humana. Pessoas gentis, educadas em berço, outras também gentis, mas educadas em cursos rápidos de boas maneiras.

Pessoas completamente de bem com a vida, com sorriso largo e embora eu não fosse um best-seller – tratavam-me com amabilidade e transmitiam seu alto astral. Mesmo quando a pauta tratasse de índices de ocupação abaixo da meta, ou notícias desastrosas como bactéria salmonela que deixara todos os hóspedes com diarreia no resort.

Os bons executivos e as boas executivas e de franqueza fluorescente eram cuidadosos e lembravam: “in-off” e eu desligava o gravador. Alguns pareciam gente generosa, preocupados com o “espírito de grupo” ou corporativo. Outros olhavam apenas para o próprio umbigo.

Teve gente de todo jeito. Uns que olhavam fixos para mim enquanto falavam com postura aberta, sugerindo concentração máxima no que diziam, outros com gestos expressivos e com as mãos acompanhando a fala denotando veracidade no que expressavam.  Uns falavam lentamente, com calma e controle do tempo, outros falavam rápido como se fossem pegar o avião, talvez nervosos, ou entusiasmados com o tema.

O executivo parecia ser muito mais do que realmente era

Os entrevistados às vezes eram excepcionais, mas alguns tinham voz esganiçada e metade de suas ideias saíam pelo ralo, pois não foram entendidas na hora, quando ditas, nem  depois, no processo de degravação do áudio.

Os prolixos são um caso à parte. Não conseguem abstrair pensamentos e se delongam em grandes períodos descritivos, narrativos, prosopopaicos e … sonolentos.

Uma entrevista, lembro-me bem. O executivo parecia ser muito mais do que realmente era. Por hábito de ofício, antes de toda entrevista estudava minimamente o perfil do entrevistado. Sabia que ele vinha de uma outra empresa por ter superado o próprio diretor nas metas de vendas. Dali só tomando o lugar do diretor. Preferiu seguir carreira em outra empresa.

Tinha um perfil proativo, workaholic, persuasivo e do tipo que não tem papas na língua. Marquei a entrevista em um restaurante classudo de São Paulo e eu sempre chegava  pontualmente. O entrevistado chegou meia hora depois e nem se justificou. Ao se sentar, percebi que sua linguagem corporal denotava arrogância. Chamou o maitre (dispensou o garçon) para pedir que a persiana quebrasse a luz que iluminava a mesa. Esparramou-se na cadeira de forma altiva, com as pernas cruzadas e ao iniciar suas falas gesticulava de forma generosa como se estivesse sozinho no ambiente.

Escolhidos os pratos,  eu um talharim ao molho de ervas, ele um fettuccine ao molho de tomates exóticos o homem inseriu o guardanapo sobre o peito e passou a explicar porque foi o maior vendedor da empresa em que trabalhara. Iríamos começar de outro ponto, no entanto deixei-o à vontade. Me arrependi. Ele embebedou-se de si mesmo e começou a falar longamente. Parecia não me escutar quando tentava dissuadi-lo de mudar o rumo da conversa. Dava a impressão de que gostava do tom da própria voz. Amava-se como ninguém amou a si mesmo antes neste país.

Quando citei os excepcionais índices de empatia que uma suposta empresa concorrente havia obtido um mês antes, neste momento, mostrou seu lado de espadachim. Descruzou as pernas, uniu as duas mãos sobre a mesa,  disparou uma saraivada de tiros verbais contra a empresa. “São desonestos e praticam dumping”.

Perguntei se ele tinha provas concretas do que afirmara e que isso era muito forte para utilizar na entrevista. “Pode escrever isso. São desonestos e praticam dumping”.

É evidente que não considerei a afirmação porque estava fora do foco da entrevista, mas percebi como as pessoas – que trabalham no mesmo ramo há tantos anos – ora fingem que não se conhecem, ora demonstram como se odeiam. Pessoal e corporativamente.

*Paulo Atzingen é jornalista e fundador do DIÁRIO DO TURISMO

 

 

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