Texto e fotos: Wanderley Mattos Jr. (Repórter freelancer do DIÁRIO)
Só a chegada à sede da Valduga em Bento Golçalves já impressiona. As construções de pedras que nos recebem remetem a uma solidez de um negócio forjado por anos de trabalho e onde o tempo parece que dá as cartas. Um misto de grandeza e simplicidade. Logo à subida de uma escadaria que nos conduz a um pequeno parreiral encontramos um homem de sorriso fácil que nos recebe com simpatia. Usa um chapéu de palha, desses para fazer a colheita das uvas, nos saúda com a sinceridade dessa gente acostumada com a delicadeza das uvas e das parreiras.
Logo à frente um corredor de parreiras em arco inspira selfies e cliques por parte do grupo que integro. Vamos visitar o parreiral. E para lá seguimos guiados pelo homem de chapéu de palha que vai nos explicando sobre a safra, as dificuldades enfrentadas devido às questões climáticas do ano de 2015 que resultou numa safra menor e mais tardia neste ano.
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“Todo o ciclo da produção da uva é muito importante para nós, você trabalha o ano todo, você tem a preparação do solo, tratamento de solo e depois as mudas, o ano todo trabalhamos em cima disso, é quase um parto. Agora é o ápice, pois a expectativa foi muito grande, na hora que nasce o filho, a gente fica muito tenso, preocupado em cima de todas as variações climáticas e em tudo que o cerca. Desde janeiro ate o final de março a gente vivencia a vindima”, explica o homem do chapéu de palha enquanto nos leva ao parreiral.
Exército de prontidão
Saímos da sede da Famiglia Valduga num confortável reboque puxado por um trator e seguimos rumo às plantações. A poucos metros de distância, entramos no parreiral. A primeira impressão é a de sua grandiosidade. Fileira e mais fileiras de pés de uva se espalham pelo horizonte como se fosse um exército de prontidão a seguir as ordens de seu general: vencer a guerra contra o clima desafiador e produzir a maior e melhor quantidade de uvas possível para criar sabores, aromas, sensações e percepções que vão aguçar e inebriar os que sorverão o vinho cuidadosamente gerado.
É a vindima!
Após uma visão geral dos campos de parreiras, chegamos ao ponto onde o nosso transporte pára e somos recebidos por um coro de vozes maduras e de expressões acolhedoras nos presenteiam com música italiana, alegre e singela, entoadas com força. Nos emociona.
É a vindima! A alegria de colher o fruto da videira, de festejar o tempo da colheita, de parreiras que já passam dos seus 80 anos, conforme nos explica o homem do chapéu de palha que vinha nos acompanhando.
Descemos do transporte encantados com aquela recepção, rostos simpáticos cantando para nos receber. É como se todo o parreiral entoasse as antigas cantigas de tempos de outrora, das primeiras sementes trazidas pelos imigrantes italianos que chegaram àquela terra com promessas de fartura e boa vida que só se concretizaram muitos anos depois, graças à garra e persistência dessa “buona gente” trabalhadora e cheia de esperança.
“Nos vivenciamos dois momentos; o primeiro é o momento festivo, que é relembrar a colheita, o passado e integrar a participação de turistas à vindima, damos uma atenção especial a todo momento, desde a colheita até a pisada”, completa o nosso guia local.
Canções da Itália
Boa parte daquele parreiral seguia gerando uvas há 80 anos, num ciclo de renovação e perseverança, para não dizer, resiliência. Parreiras cujo tempo de vida é maior do que a grande maioria de nós, mas que mesmo em idade ainda avançada, produzem e geram alegria em todos os envolvidos nesse processo longo que vai desde a produção até o consumo do vinho.
Após nos deleitarmos com as canções de Itália que embelezam ainda mais o parreiral, notamos que no início de cada fileira de parreiras há uma roseira. “Prá que servem as roseiras?”, pergunto curioso ao homem que nos conduz. Ele me explica que as parreiras são muito sensíveis a pragas e doenças. E que a roseira é ainda mais sensível. Então, elas servem para sinalizar a ocorrência de quaisquer pragas ou doenças que possam atingir a plantação de uvas. As roseiras são examinadas diariamente e, ao menor sinal de problemas, ações preventivas já são tomadas para evitar o alastramento de alguma praga que comprometa o parreiral. Rosas bonitas, uvas saudáveis! Então, percebo que as rosas são guardiãs da vide. Com sua beleza e singeleza, garantem o bem-estar das uvas. Delicadas guardiãs!
No Parreiral
Entro no parreiral. Cada um de nós recebe um chapéu de palha e um avental para fazermos a colheita, repetindo simbolicamente a ação que há décadas acontece naqueles campos. Também recebemos um cesto plástico cujas alças circundam nossas costas e posicionam o cesto confortavelmente acima da cintura, para facilmente colhermos as uvas. O homem nos explica como colher. É fácil! Basta torcer levemente a ponta do caule do cacho de uvas. Se ela estiver no ponto, solta-se facilmente. Incrível Eu achava que era necessário envidar um esforço, semelhante ao que temos quando queremos cortar um cacho de uvas ao meio quando não queremos comer o cacho todo. Ou que seria necessário um instrumento próprio para realizar a colheita. Nada disso, basta uma leve torção no ponto em que o cacho se une à parreira e pronto! Realizo minha primeira vindima pessoal, colho meu primeiro cacho de uvas diretamente do imenso parreiral.
Há dois tipos de parreiral. Do lado direito da grande avenida de terra estão as latadas ou pérgola, na qual as parreiras crescem sendo sustentadas por uma estrutura e as uvas são produzidas a cerca de 1m80 do solo. O parreiral cobre as imensas fileiras formando um grande telhado debaixo do qual circulamos por entre suas ruas. Nosso guia nos explica que as uvas que colhemos são do tipo Isabel.
Do outro lado da avenida, o parreiral é diferente e utilizado sistema de condução chamado de espaldeira, no qual as uvas crescem formando enormes muros e são produzidas há cerca de um metro do solo. Ele nos explica que aquele parreiral produz as uvas merlot.
Avenidas de uvas
Descrever a primeira vez que se entra em um parreiral é difícil: a um homem urbano, acostumado com ruas e avenidas movimentadas, repletas de edifícios e barulho dos automóveis, chegar ao parreiral é se deparar com enormes avenidas que dividem gigantescos bairros de inúmeras ruas de parreiras que se perdem no horizonte. Ver a uva no pé, colhê-la, provar de seus grãos, apreciar o gosto da uva recém-colhida que resultará num vinho de excelente qualidade feito em nossa terra, por nossa gente, fruto de nossa história, permeada por sonhos, luta e conquistas é, sem dúvida, conceder ao vinho seu lugar de destaque no panteon da vida!
Após colher algumas uvas, nos despedimos do parreiral e seguimos em direção a um dos pontos de produção dos vinhos Valduga. Ao descer do veículo, agradeço ao homem simpático que nos levou e pergunto seu nome:
“Juarez”.
Anoto e pergunto o sobrenome, ele responde: “Juarez Valduga”.
A simplicidade das coisas da terra mais uma vez se mostra presente. Aquele trabalhador do parreiral, com sua sinceridade e profundidade em explicar as coisas que vive de forma intensa, era um membro da Famiglia Valduga, em pessoa! Essa capacidade em ser autêntico, sincero e direto é que faz a Valduga uma das maiores e mais respeitadas vinícolas do Brasil.
* O repórter viajou a convite da Secretaria Municipal de Turismo de Bento Gonçalves (RS)
Adorei Paulo/ Wanderlei!!
Fiquei com vontade de ler sobre pós vendima…que tal uma próxima reportagem? Abs