Wanderley Mattos Jr*
Há uma diferença significativa entre a interpretação de conferências e a interpretação em pesquisa de mercado. Na interpretação de conferências, o ambiente geralmente é mais formal, a linguagem é mais polida e o intérprete toma uma distância de algumas palavras do conferencista para poder entender bem o contexto, a ideia que este está transmitindo e, desse modo, entregar o exato conteúdo que foi falado de maneira retrabalhada, por vezes, reconstruindo a estrutura da narrativa para que esta soe o mais fluida e natural possível aos ouvintes, removendo apoios e vícios de linguagem, hesitações, tosses, etc.
Na pesquisa de mercado ocorre o oposto. O cliente que está ouvindo a tradução de um Grupo Focal (Focus Group), de uma entrevista em profundidade ou de uma pesquisa na casa do consumidor, precisa ter a noção exata e o mais próximo possível do momento da fala deste. Assim, o distanciamento usual de algumas palavras que o intérprete dá antes de fazer a tradução não deve existir. Pelo contrário, o intérprete deve “grudar” na fala do consumidor e traduzir exatamente tudo o que este diz sem editar nada, incluindo os apoios e vícios de linguagem, hesitações, frases incompletas, dando ao cliente que o está ouvindo todas as nuances de sua fala. Assim, o cliente que ouve o intérprete tem a exata noção de todo o conteúdo emocional que aquele consumidor expressa a respeito de um produto ou serviço.
O cliente que ouve o intérprete tem a exata noção de todo o conteúdo emocional que aquele consumidor expressa a respeito de um produto ou serviço
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E quando aparece um neologismo?!
Certa vez eu estava interpretando um Focus Group com 8 jovens discutindo sobre cerveja. Num dado momento, um dos jovens diz: “A gente gosta de se reunir pra um churrálcool!” – referindo-se ao costume de tomar cerveja durante um churrasco. O cliente que me ouvia era da Inglaterra. Eu estava interpretando na maior empolgação, tentando transmitir a animação do grupo para o cliente quando surgiu essa palavra. “E agora, como vou traduzir ‘churrálcool’?!” – pensei num lapso de segundo. E como que numa inspiração divina, criei um neologismo instantâneo, mandando um “beerbecue” (fusão de “beer>cerveja” e “barbecue/churrasco”). Ao final do grupo, o cliente, que além de inglês, falava um pouco de espanhol, me parabenizou e achou aquela solução fantástica e me perguntou qual era a palavra usada em português para aquela expressão nova, contudo totalmente compreensível para ele em inglês. Essa foi uma dessas ocasiões em que você ganha o dia ao encontrar uma solução criativa em menos de um segundo, num trabalho extremamente intenso, porém divertido interpretando para pesquisa de mercado.
*Wanderley Mattos Jr é tradutor e intérprete criativo