
Ninguém é profeta em sua terra, como dizem as escrituras, mas Caetano Veloso e Maria Bethânia o são na terra da Bahia. A Arena Fonte Nova, no último sábado (8), lotou (no olhômetro, talvez umas 30 mil pessoas) para ouvir, cantar e relembrar os sucessos dos irmãos de Santo Amaro da Purificação.
Por Paulo Atzingen, de Salvador*
Era (e foi) a apoteose de duas carreiras arrebatadoras, marcadas por música, poesia, senso crítico e posicionamento político. Caetano e Bethânia devolviam à Bahia o amor que esta terra tão generosamente ofertou a seus filhos legítimos.
Essa turnê dos irmãos, que começou no ano passado e termina no próximo dia 22 de março na Arena do Grêmio, em Porto Alegre, provavelmente é a última oportunidade de vermos essas duas estrelas da música popular brasileira antes do ocaso da maior constelação musical do país, composta por outras luzes como João Gilberto, Dorival Caymmi e Gilberto Gil, todos do céu da Bahia.
Caetano & Bethânia: um manifesto a favor do bom gosto
Sim, viajei à fonte da cultura baiana. Viajei à fonte da identidade brasileira e arrisco dizer que, quem não conhece a Bahia não conhece o Brasil.
E Caetano e Bethânia são a tradução mais autêntica deste estado. Irmãos de sangue, de arte e de sonhos trouxeram à Arena Fonte Nova mais que um show; um manifesto a favor do bom gosto, daquilo mais autêntico que a música popular brasileira perdeu.
Obrigado, Caetano por cantar Alegria, Alegria, por cantar Odara, hinos da Tropicália. Obrigado Bethânia por ser romântica sem ser brega ao cantar Explode Coração, de Gonzaguinha.
Este agradecimento se desdobra em um brado. Esse show também é um manifesto estético-político dentro de uma época de tanta polarização, congestionada de insensibilidade, amnésia histórica e negação da própria cultura. Ser brasileiro não é vestir camisa amarela da seleção, mas entender nossas raízes, nossa história, nossa cultura, a nossa riqueza e a nossa própria pobreza.
“Gente é pra brilhar
Não pra morrer de fome”


Senhora do Palco: o domínio de Maria Bethânia
A voz de Bethânia, expandida pela enorme aparelhagem de som, ecoou por toda a Fonte Nova e ela, ao final de uma das músicas colocou a mão na cintura e encarou o público: era o domínio total do palco, da cena, de sua força e da sua arte. Foi aplaudida com todas as forças de um estádio tomado pela emoção. ‘Explode Coração’.”
Caetano Veloso: um intelectual espiritual
Caetano é o cérebro sensível de onde brotaram e ainda brotam relâmpagos da arte musical. Um intelectual místico, um intelectual cristão, um intelectual espiritual quando faz reverência aos orixás africanos, ao evangelho de Cristo e a um Deus Universal traduzido pelos filhos de Gandhi.
“Deus cuida de mim, na sombra das Suas asas
Deus cuida de mim, eu amo a Sua casa
E não ando sozinho, não estou sozinho
Pois sei, Deus cuida de mim” musicou Caetano a letra do pastor Kleber Lucas e ofereceu até ao incrédulo, a sua mais profunda e caleidoscópica fé.
Entre tantos nomes e tempos e fases e cantos lembrados, a figura de Gal Costa não poderia faltar.
“Baby, baby, há quanto tempo…”
A nostalgia envolveu a Fonte Nova como um abraço coletivo, uma saudade compartilhada por gente jovem ou idosa, gerações que se identificam pela osmose que a arte maior oferece.
Caetano & Bethânia: um rito de passagem
Viajei à fonte da cultura baiana, brasileira e fui testemunha não de um espetáculo, não de um show, mas mais do que isso. Vi ali um rito de passagem, uma celebração daquilo que nunca deveria se perder: a grandeza da arte brasileira e o respeito por seus maiores artistas.
*Paulo Atzingen é jornalista e fundador do DIÁRIO DO TURISMO
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