Artigo: “Um Mundo Sertão”, por Thomas Bruno Oliveira

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Os encantos do sertão paraibano descritos com riqueza de detalhes

Por Thomas Bruno Oliveira

A condição humana nos impõe as vontades, os desejos, as quimeras. Triste aquele que não se comove nem é dependente das emoções. Pois bem, o atribulado fim de ano cheio de compromissos, prazos, fim de semestre, bancas, cadernetas e demais formalidades precisa de uma fuga, de nos respeitarmos e atendermos nossos gostos, de um bálsamo. Assim, resolvi ir para o Cariri. Os caririzeiros sabem bem do que estou falando.

Nas primeiras horas da manhã saí de Campina Grande, bem devagar. O sol estava prestes a nos tomar com seus primeiros raios, queria eu ver o Mundo-Sertão despertando, queria ver o tempo escorrer de mansinho, o estalar de folhas e galhos secos na presença do astro rei – mas como está ressequido meu mundo sertão! – e parti.

Amanhecer úmido e frio, comum em nossa Rainha da Borborema, nem frio, nem quente. Brisa que trazia cantos de pássaros sonoros e os cheiros pelo caminho: padaria anunciando sua fornada, bancos com frutas maduras de comerciantes que já as dispunham em suas calçadas… pois é, no subúrbio é assim! Passei fitando o Açude de Bodocongó e finalmente subi as dezenas de metros rumo ao Serrotão, até chegar à Pracinha do Amor e ter a dádiva de contemplar aquela bela paisagística serrana, Campina vai ficando para trás e ao nosso lado a cerração descortinava de leve as serras de Bodopitá, de Caturité e o morro Bodocongó. Mais ao longe a Serra de Carnoió e não tem quem me faça não pensar que aquele halo reluzente ao seu lado não seja o açude de Boqueirão. Mas ele está com tão pouca água? E brilha! Eu vejo.

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Essa observação me deixou em transe, me levando a “terras deserdadas, lugares despossuídos”, em busca de um paraíso incógnito n’um (re)prazer não sentido até então. E o burburinho do distrito de São José da Mata me traz de volta. Zona urbana, casas comerciais, carros de frete e o posto de gasolina entoam o movimento do lugar, terra da amiga Cibelle Jovem e do amigo tocador Carlos Perê. E logo seguimos ainda na BR 230, buscando a cota altimétrica mais alta do lugar, o ápice na pista, depois do aeroclube, na entrada para o Sítio Tambor da minha querida Judite onde marca 704m de altitude. Ali, daquele lugar, a visão é tão privilegiada que é atentar contra a natureza o não parar para contemplar. Nem os camarotes mais abastados dos teatros mais concorridos nos dá tanta regalia, e está ali, para todos. “O sol que nasce por aqui é o mesmo que você vê acolá? É não, é não senhora!” E o dia nascia no Mundo-Sertão. Descendo a rodagem se avista a Serra do Maracajá, cacheada de pedras, ao lado da Serra do Engenho e da Raposa, lugar ancestral onde existe uma necrópole que já foi relatada nesta coluna.

Até a Praça do Meio do Mundo é um pulo, lugar histórico, interligação das BRs 230 com a 412, esta última encerra seu destino lá em terras pernambucanas. Após a Praça tem início um conjunto de afloramentos que foi batizado de Muralha do Meio do Mundo. Ela segue por metros, se oculta na paisagem para aparecer em seguida, em um bailar místico que aguça nossa curiosidade. Estamos em dezembro e o no Mundo-Sertão ainda não choveu. Nem aquela chuvinha do caju e da manga, ainda não. As notícias para o próximo inverno são alvissareiras, mas, até o momento nos resta contemplar o cinza, a caatinga brava, a poeira que uiva no leito seco dos rios e riachos, a resistência dessa natureza inóspita e preciosamente bela.

Serra Branca

Passamos por Boa Vista e no caminho de travessia, encontramos a Craibeira de Daniel Duarte. Frondoso, galhado e seco; esperando as primeiras chuvas para flamejar seu verde exuberante em pleno acostamento da BR. Este feito junto ao DNIT preservando-o nunca vou esquecer viu amigo Daniel? E exatamente daquele outeiro, por onde a BR desfila, é o primeiro ponto visível da Serra do Jatobá, a Serra Branca, quanta magia! O dorso daquele gigante granítico rompe a monotonia do planalto, raios de sol ali refletem e cintilam o espaço. Ao chegar em São João do Cariri não me contive em comer bode torrado com cuscuz, e fui ao Roque Santeiro da minha amiga Terezinha, bode firme, bem temperado, dos que saltam dos lajedos, que delícia!

E fomos Cariri adentro. O destino era beijar os limites da Paraíba com Pernambuco, fitar a Serra das Porteiras, da Jararaca, voltar a Área de Preservação Ambiental das Onças, lugar lindo e de natureza intocada… mirei o horizonte, quanta beleza. E como “voltar é uma forma de renascer”, como diria José Américo de Almeida, fiz esse bem a minha alma pois “ninguém se perde na volta” e como toda ida tem volta, regressei. No caminho, ao passar por Camalaú, não poderia deixar de contemplar a bodega do Seu Aluízio Lucas, espaço em que ele não deixa o tempo passar. Prateleiras, balcão, tamboretes, gavetas, porta doces, placa de querosene, continua como um sortido comércio desde a década de 1940. Prosear um pouco, comer uma cocada de leite, beber água, sentir esse elo com o século passado, beleza que acontece em nossos olhos.

Contemplar esse Mundo-Sertão é ter a sensação de que não existimos à toa. A vida está ali, os caminhos e veredas prontos para nos receber, terras onde “operários da memória vivem horas finais, tecendo a vida com fiapos do tempo”, lugar onde a beleza não se revela a quem com pressa passa. Mundo-Sertão, Cariri do meu coração

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