Rede Bagelstein utiliza “humor” e causa polêmica com os brasileiros
RFI (Rádio França Internacional) –
A mineira Sinara Beguin, de 37 anos, comprou um café pra viagem, em Lille, no norte da França. Quando chegou em casa, reunida com a família à mesa, leu, estupefata, a seguinte frase, impressa no copo descartável: “Não dê ouvidos ao Bernard, não há apenas favelas, drogas e prostitutas no Brasil, há também um café muito bom”.
Sinara, que mora em Paris, estava visitando seus enteados em Lille, com seu marido, cunhada e filho de 7 anos, quando sentiu o gosto amargo do café da Bagelstein, rede francesa que estampa em sua página no Facebook: “ Eu sou responsável por aquilo que eu te digo, mas eu não sou responsável pelo que você entende”, assinada por Gab Bagelstein.
Sinara contou à RFI que ficou muito constrangida quando o seu marido, ao ver a palavra Brasil, começou a ler em voz alta, mas, ao perceber do que se tratava, logo parou a leitura. Seu filho, de 7 anos, que já sabe ler, chegou a ler a primeira frase e depois os pais tiveram de explicar a ele do que se tratava.
Veja também as mais lidas do DT
“Mamãe, o que foi?”, ele perguntou, ao perceber o constrangimento da mãe. “Ele começou a ler por conta própria e a gente tirou o copo. Daí, claro, queria saber o que estava escrito. Perguntava: “O que falou Bernard?”, conta a brasileira, que é casada com um belga e vive na França há 11 anos.
Fundada pelos franceses Thierry Veil et Gilles Abecassis, a Bagelstein abriu a sua primeira loja em Estrasburgo, também no norte da França, em janeiro de 2011.
Hoje a rede conta com mais de 75 franquias na França, em Luxemburgo, Alemanha, Suíça e Bélgica.
Rede é conhecida pelo gosto duvidoso
Numa pesquisa pela intenet, vê-se que a rede Bagelstein utiliza deste humor duvidoso para causar polêmica a ganhar visibilidade. O que se traduz, claro, em publicidade gratuita para a empresa.
O verbete sobre a rede na Wikipedia diz: “A empresa atraiu a atenção através da comunicação ‘off-the-wall’, que resultou em acusações de sexismo, homofobia e até mesmo apologia ao assédio sexual por parte de associações feministas e de parte da mídia francesa. O tribunal de ética de publicidade considera que uma das propagandas contraria a recomendação da Autoridade Reguladora Profissional para Publicidade na Imagem da Pessoa Humana”.
Segundo o site Buzzfeed e diversos blogs, em Rennes, no noroeste francês, quatro jovens mostraram sua indignação pelas piadas sexistas e homofóbicas, protestando em frente a uma loja da rede, e acabaram na prisão. Isso gerou comoção na cidade e nas redes sociais, com acusações de sexismo e racismo.
Isso se deu por causa de encartes da empresa, com “conselhos” e frases do tipo: “Não se deve brincar com os sentimentos de uma mulher, mas sim com os seus seios. Ela tem dois”, “Um homem apaixonado não partirá jamais o coração de uma mulher, mas talvez o seu traseiro” ou “Eu não aguento mais estes gays”.
A Bagelstein, que tem ficado conhecida pelas suas polêmicas, exibe em sua página na internet o slogan: “Pare de comer merda”.
“Liberdade de expressão não é sinônimo de discriminação”
“Eles têm direito a ter opinião e à liberdade de expressão, claro, mas neste caso é uma falta de respeito contra um país e contra mulheres, o que me soa machista também. Eu me senti muito constrangida, na frente da família do meu marido e de meu filho pequeno. É ofensivo para todas nós, brasileiras”, afirma Sinara.
Ela contou à RFI que considera a frase do copo machista, racista, discriminatória. “Na França, um país que se julga tão desenvolvido, ter este tipo de pensamento
Eles têm que entender que nós não somos só samba, não somos só favela – e mesmo que fôssemos, que não existem só pessoas más nas favelas. E outra, a França também tem favelas”, aponta.
“Eles têm que respeitar a cultura de um país e não generalizar e julgar as pessoas, as brasileiras. É discriminatório com todos os brasileiros”, acrescenta. A brasileira conta que aproveitou o episódio para falar com seu filho sobre preconceito e discriminação.
“Explicamos para o nosso filho que não é verdade, não é porque viemos de um país pobre que todos os brasileiros são assim (prostitutas e traficantes), que não é verdade que em favela só tem traficante. Eu não quero que meu filho cresça com preconceitos, então conversamos sobre isso”, disse ela, que considera consultar um advogado para tomar medidas jurídicas contra a divulgação da frase pela empresa.
Brasileiras na França se sentem ofendidas
Centenas de brasileiras de um grupo fechado no Facebook se manifestaram, planejando ações que vão desde boicote à rede a cartas à imprensa, passando por contatos com a empresa, avaliações negativas em sites como Trip Advisor e ação judicial.
As brasileiras redigiram uma carta a ser enviada para a imprensa brasileira e francesa. A seguir, alguns trechos.
“Formamos um grupo de brasileiras residentes em Paris, que se une em torno de questões e problemas comuns no nosso cotidiano e no cenário internacional. (…)
Não cabe, aqui, debater tais afirmações. Temos consciência dos graves problemas nacionais, do tráfico de drogas, da corrupção, da alta taxa de criminalidade e da exploração sexual de adolescentes. Mas acreditamos que estas tragédias não podem e não deveriam ser usadas como propaganda para vender um produto, qualquer que seja ele. (…) Aqui na França, viemos lutando, cotidianamente, contra os estereótipos ligados ao Brasil em geral, e à mulher brasileira, em especial. Porque, do “país do futebol e do carnaval”, começamos a ser vistos como o país das drogas, da violência e da prostituição. E foram estes os pontos realçados pela propaganda, que reforça a imagem negativa do Brasil e da sua população feminina.”
Contatada por e-mail e por telefone pela RFI, a rede Bagelstein não respondeu.