Esportista de sucesso, Daniel Alves é recordista em títulos oficiais de todos os tempos (43 títulos), e o jogador mais velho a atuar numa Copa do Mundo pela seleção brasileira.
A história no futebol é incontestável, mas além do esporte, também haverá o registro do envolvimento em algo grave que atinge diretamente uma jovem espanhola e indiretamente toda a sociedade e setores da economia, como o turismo e a hospitalidade. Para entendermos essa relação e seus impactos é essencial entendermos o caso Daniel Alves e a importância dos protocolos de gestão de crises nas nossas atividades.
Catalunha, Espanha. Dia 31 de dezembro de 2022, segundo relatos e informações da investigação, o jogador de futebol Daniel Alves se encontrava numa casa noturna de Barcelona com amigos e teria cometido o crime de estupro contra uma jovem que se divertia com amigas no mesmo estabelecimento. No primeiro momento o crime, ou qualquer contato com a mulher, teria sido negado pelo jogador, entretanto depois do surgimento de novas provas e algumas mudanças de versões no seu depoimento, Daniel Alves passou a declarar que havia feito sexo de maneira consensual, o que foi negado desde o princípio pela vítima.
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A situação extremamente sensível ainda se encontra em definição legal, o que, normalmente leva algum tempo para cumprimento dos tramites de forma adequada e responsável. E apesar dessa conhecida morosidade no âmbito judicial, que causa uma enorme frustração na vítima e na sociedade, no caso em questão, houve uma grande agilidade e assertividade nas providências desde os primeiros momentos do fato. E essa atuação adequada se deu, principalmente, pela existência de conhecimento difundido aos profissionais do setor de casas noturnas da região quanto a o que fazer em caso de uma agressão sexual num desses estabelecimentos.
O chamado protocolo No Callamos (espanhol) ou No Callem (catalão) criado pela administração da cidade de Barcelona em 2018, define conceitos e procedimentos claros para as casas de lazer da cidade, como casas noturnas, agirem de forma responsável, tanto na prevenção quanto na reação a casos de agressões sexuais.
A iniciativa se deu diante do mapeamento desse risco como uma ameaça relevante a partir, principalmente, do histórico de crimes do tipo nesses ambientes. E além do estudo e da definição técnica das ações, foi de suma importância a adesão em massa dos estabelecimentos na localidade, que assinaram e passaram por treinamentos específicos, demonstrando a consciência e responsabilidade do setor ao tratar com seriedade os casos de violência sexual.
A sociedade em geral, ao acatar os procedimentos desse protocolo, cria condições de lidar com essa vulnerabilidade social de maneira mais eficiente, humana e justa, já que as diretrizes apresentadas dão aos envolvidos a garantia de tratamento adequados às vítimas, ao focar na proteção e suporte irrestrito a quem sofre a violência, mas também aos acusados ao garantir o respeito aos seus direitos de defesa, presunção de inocência e contraditório resguardados em todo o processo desde a comunicação do fato, investigação, julgamento, até o cumprimento da pena.
No caso Daniel Alves o procedimento foi adotado assim que a vítima comunicou os funcionários da casa noturna e a partir dos seus princípios base, possibilitou que: 1) a vítima fosse protegida e amparada o tempo todo; 2)que as decisões pessoais da vítima fossem respeitadas durante toda a gestão da situação; 3)a ação integrada com as autoridades públicas sem restringir as providências ao moroso âmbito legal, demonstrando a vítima as demais possibilidades de tratamento e atendimento às demandas da pessoa atingida; 4)demonstração de solidariedade à vítima e seriedade e total repúdio a ação do agressor; 5) Tratamento adequado das informações do caso protegendo a intimidade da vítima e também a presunção de inocência do agressor, mas cumprindo adequadamente todas as demandas judiciais.
E assim como no caso do protocolo “No Callamos”, é fundamental que estabelecimentos que prestem serviços, recepcionando pessoas nas suas dependências tenham a iniciativa de se preparar para situações sensíveis que são, naturalmente, uma realidade em ambientes com fluxo de público considerável.
Casas noturnas, restaurantes, locais de eventos, hotéis, parques, meios de transportes e outros atrativos ao receber pessoas tem, na sua gestão, a responsabilidade de prevenir e conduzir corretamente casos que tragam danos a integridade física, moral e econômica do seu público, que, vale dizer, vão além dos seus clientes incluindo os colaboradores, parceiros, prestadores de serviços e outros.
Hoje existem diferentes modelos de protocolos que possibilitam as equipes das operações e suporte criarem o conhecimento necessário para evitar os erros que transformam e potencializam as situações sensíveis em crises de grandes impactos. Esses protocolos podem trazer informações sobre uma variedade de riscos sendo, normalmente, aplicada uma priorização das possibilidades mais relevantes, estabelecendo assim, o passo a passo para tomada de decisões diante das ocorrências.
E aqui vai a boa notícia em meio a um quadro tão sensível: a maioria dos erros cometidos na gestão de crises como a do caso exposto, são erros evitáveis e portanto, por mais óbvio que pareça, se são evitáveis significa que temos a chance de evita-los. Mas isso só será possível , com informações acessíveis e adequadas em mãos.
Nos casos de agressões sexuais, muito comuns nas operações turísticas, verificamos muitos erros de condução da situação que causam prejuízos humanos, financeiros e de imagem totalmente evitáveis, e os protocolos são a ferramenta fundamental, juntamente com a formação básica das pessoas que estão a frente desses atendimentos de alta sensibilidade.
Como exemplo, vale citar o primeiro mandamento dos protocolos implantados para a gestão de casos de agressão sexual : “Nunca duvidar da comunicação de uma agressão sexual”. Nessa instrução, em princípio simplória, está a diretriz fundamental quanto a forma como a situação será tratada desde o início, evitando boa parte das decorrentes possibilidades de erros e injustiças que podem ocorrer ( e ocorrem com frequência) por eventuais preconceitos ou outras convicções inoportunas.
Portanto, de modo geral, os protocolos são como cartilhas altamente recomendadas para todos aqueles que querem errar o mínimo possível e buscam resguardar as pessoas , os negócios e a imagem das organizações.
E cada uma das estruturas podem buscar protocolos que sejam adequados e preparem as suas equipes e atividades para o amadurecimento que as atividades turísticas exigem dos seus profissionais, seja em Barcelona ou qualquer outro lugar.
Otávio Novo é advogado, profissional de Gestão de Riscos e Crises, atuando, desde o ano 2000, em empresas líderes nos setores de serviços, educação e hospitalidade. Durante 6 anos foi responsável pelo Departamento de Segurança e Riscos da Accor Hotels na América Latina. Atualmente é consultor, membro da comissão de Direito do Turismo e Hospitalidade da OAB/SP 17/18, professor e desenvolvedor de materiais acadêmicos e facilitador na formação de profissionais e na organização de empresas do setor do turismo e hospitalidade. Coautor do livro “Gestão de Qualidade e de crises em negócios do turismo” – Ed. Senac. É criador e responsável pelo projeto Novo8 – www.novo8.com.br