(Entrevista publicada originalmente no dia 1 de setembro de 2022)
Chieko Aoki dispensa apresentações. Ela escreve seu tempo e seu espaço na hotelaria como um craque do futebol que marca sua época com belos gols e títulos conquistados. No entanto, a empresária nipo-brasileira extrapola o sentido da fotografia que a enquadra em um determinado período da história (os últimos anos do século XX e o início do Século XXI) e um determinado espaço no mundo (a hotelaria na América).
A Sra. Aoki é atemporal, pois trouxe o conceito da Omotenashi, a hospitalidade com sinceridade para o ocidente. Chieko é atemporal, pois implantou o conceito japonês Mottainai, que dá às coisas, objetos e pessoas seu devido valor e respeito.
Nós, do DIÁRIO, arriscamos dizer que Chieko Aoki plantou aqui no Brasil uma árvore permanente que é irrigada com a hospitalidade do brasileiro e o jeito genuíno do nosso povo e que atravessará o tempo. Chieko integra a série do DT, entrevistas presidenciais. Acompanhe:
DIÁRIO – Você nasceu em Fukuoka, Japão e veio para o Brasil antes de completar 7 anos. Houve choque cultural relevante ou nem tanto?
Não senti choque cultural, pois meus pais nos passaram tranquilidade. Ao mesmo tempo, o que senti foi uma enorme necessidade de ajudá-los com a comunicação. Assim, quando comecei as aulas, logo na primeira semana após chegar ao Brasil, decidi aprender rapidamente o português para ajudar meus pais. É padrão nas famílias japonesas os filhos terem foco nos estudos. E, por isso, não estranhei ser matriculada imediatamente na escola e ter a oportunidade de estudar o idioma local.
DIÁRIO – O que ficou da experiência como secretária da montadora Ford, aos 18 anos de idade?
Vivenciei na prática que ter diferencial competitivo e estar preparada são fatores importantes no trabalho. Naquela época, o idioma inglês já era uma qualificação especial e havia me preparado, fazendo curso técnico de secretariado durante cinco anos e, paralelamente, o curso clássico junto com a proficiência em inglês. Aprendi que além de plantar a semente é preciso cuidar dela continuamente para colher frutos melhores e de forma duradoura.
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DIÁRIO – Quando cursou Direito na Faculdade do Largo São Francisco (USP), você já flertava com a hotelaria ou isso aconteceu mais tarde?
Na faculdade, o meu pensamento era apenas me formar em advocacia.
DIÁRIO – Blue Tree: qual a gênese ou fonte de inspiração do nome da sua empresa?
O nome Blue Tree Hotels não foi inspiração, mas uma falta de opção. Havíamos contratado especialistas para que pudessem definir como a marca seria chamada, no entanto, após inúmeras conversas, não chegamos a uma definição que refletisse o meu jeito. Foi quando me lembrei que empresas japonesas traduziam o sobrenome de seus fundadores para o inglês. Seguimos nesta linha e, assim, surgiu a rede Blue Tree Hotels, cujo nome é a tradução de Aoki, que significa Árvore Azul.
DIÁRIO – O que mais marcante aconteceu nos períodos em que viveu nos EUA e no Japão?
Foram anos de muitos aprendizados sobre as diferenças culturais, que refletem nas pessoas, no estilo e qualidade do trabalho. Foi também um período em que pude conhecer diferentes tipos de hotéis, modelos de administração hoteleira e dos estilos de liderança.
DIÁRIO – A Blue Tree Hotels completa 25 anos em 2022. Está satisfeita com o andamento do projeto iniciado e tocado adiante por você?
Estou sempre em busca de ser a minha melhor versão. E busco isso todos os dias. Procuro estar à frente do meu tempo criando tendências, diferenciais e sempre aprendendo com tudo que é novo. A tecnologia segue trazendo muitas mudanças. E é um grande desafio aprender e aproveitar todos os benefícios provenientes desse universo cada vez mais tecnológico, pois estamos diante de uma avalanche de novidades a todo momento. Mas isso me desafia o tempo todo, me ajudando a buscar soluções diferentes.
DIÁRIO – Discreta, elegante e agregadora estão entre os valores atribuídos à sua pessoa. Considera-se uma mulher conservadora?
Não sou conservadora, muito pelo contrário, gosto de inovação, criatividade e fazer coisas diferentes. Nada é mais chato do que a rotina, você já sabe tudo, como será o novo capítulo, e isso não faz seus olhos brilharem e seu coração bater com paixão. Buscar o novo e abrir novas oportunidades faz a gente levantar da cama com entusiasmo. Agora, pós-pandemia, o que parecia ser, não é mais, exigindo readaptação e recomeço de muitas atividades, o que tem sido um desafio interessante de rever e de criar novos conceitos e práticas, por exemplo, em hospitalidade e em conceito de hospedagem.
Não sou conservadora, muito pelo contrário, gosto de inovação, criatividade e fazer coisas diferentes. Nada é mais chato do que a rotina, você já sabe tudo, como será o novo capítulo, e isso não faz seus olhos brilharem e seu coração bater com paixão.
DIÁRIO – O que significa “entender o perfil do cliente” e “entender a alma das pessoas”, para o jeito de produzir hospitalidade da Blue Tree Hotels?
Nosso negócio é servir e cuidar de pessoas e o cliente está em primeiro lugar. Conhecer bem o cliente, “entender o perfil do cliente” , é muito além de conhecer as preferências e, sim, de conhecer o seu comportamento e o jeito de ser. Assim como só toca o coração quem faz com o coração, o mesmo jeito acontece com a Alma. Só conhecemos a alma das pessoas, seus sentimentos e emoções com as nossas interações, quando interagimos com a nossa Alma, com sinceridade e responsabilidade.
DIÁRIO – “Inovar a partir da consulta à base – a equipe”. Como isso se dá?
Acredito que a empresa é resultado do trabalho de todos os colaboradores, que são liderados e orientados pelo plano de trabalho elaborado com a participação igualmente de todos os colaboradores, liderados pelos líderes responsáveis, profissionais e humanos. Os colaboradores são empoderados, têm autonomia nas ações com responsabilidade, fazendo parte também de suas atribuições propor inovações e melhorias, como profissionais especialistas em suas funções.
DIÁRIO – Tecnologia e fator humano são realidades conciliáveis, do ponto de vista da Blue Tree Hotels?
Sim, na Blue Tree acreditamos no High Tech, High Touch, como disse o John Naisbitt, criador do conceito. Mais tecnologia exige maior atenção ao fator humano porque a tecnologia é criada para beneficiar o homem, com velocidade, eficiência e soluções, mas somente seres humanos podem transmitir sentimentos e emoções que dão colorido à vida.
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DIÁRIO – Liderança e generosidade, você costuma salientar. Qual o significado desse binômio?
Já se foi o tempo em que o líder era colocado em um pedestal e não se discutiam suas ideias, consideradas absolutas e irrefutáveis. Cada vez mais os líderes são mentores, inclusivos e acolhedores, que ouvem suas equipes com respeito, dignidade, valorizando as ideias com generosidade.
DIÁRIO – Atender com estilo europeu, processos e procedimentos norte-americanos, jeito brasileiro de bem receber com alegria e a forma japonesa do Omotenashi. Fala um pouco dessa alquimia.
A hotelaria no Brasil começou importando excelentes profissionais estrangeiros, primeiro os europeus, seguido de americanos que trouxeram o conceito de hospitalidade moderna com gestão, processos e procedimentos, o controle de qualidade do Edward Deming, importante especialmente para o setor de serviços. O conceito de Omotenashi, tem como base a hospitalidade com sinceridade, alto padrão de qualidade e fazendo com o coração. Cada estilo contribuiu para uma hotelaria e hospitalidade ainda melhor. Na Blue Tree buscamos ir além, queremos fazer hospitalidade brasileira com foco na empatia e acolhimento dos brasileiros, em alinhamento com o alto padrão de profissionalismo e conhecimento técnico, que chamamos de Alma Blue Tree de bem-cuidar dos clientes.
DIÁRIO – “Encantar a todos”, enquanto ‘regra de ouro’ da BTH, exige quais atitudes e comportamentos indispensáveis?
Encantar a todos significa cuidar dos clientes com profissionalismo e atender às suas necessidades, entendendo a alma do cliente, ou seja, fazendo muito além de como ele próprio gostaria de ser cuidado. O bem-cuidar tem regras e uma das mais importantes é fazer muito além dos limites do seu uniforme, e sim o que o colaborador pode fazer como ser humano, uma pessoa cuidando de outra com o coração, fazendo o seu melhor.
DIÁRIO – Você costuma diferenciar administração de gestão. Quais os pontos divergentes e convergentes das referidas disciplinas?
Administrar é gerenciar recursos disponíveis com eficiência e eficácia. Gestão é gerenciar os recursos disponíveis para atingir os melhores resultados. São situações diferentes. Convergem que as duas atividades são necessárias nas empresas para atingir o máximo dos resultados planejados.
DIÁRIO – Você é participante do LIDE – Grupo de Líderes Empresariais e do Grupo Mulheres do Brasil. Qual o papel do homem na evolução da mulher empreendedora, no Brasil?
Os homens podem colaborar com as mulheres, sejam empreendedoras ou executivas, tratando-as com igualdade nas oportunidades e compreendendo que ambos têm percepções e jeitos diferentes e que unidos, eles se complementam e ampliam oportunidades de negócios e soluções para o mundo.
Os homens podem colaborar com as mulheres, sejam empreendedoras ou executivas, tratando-as com igualdade nas oportunidades e compreendendo que ambos têm percepções e jeitos diferentes
DIÁRIO – “Cada encontro é único e não replicável”, segundo preceito da lendária Cerimônia do Chá. Qual é a essência dessa singularidade?
O conceito de que “cada encontro é único e não replicável” é a verdade da vida. Precisamos valorizar cada momento, pois toda experiência – ou acontecimento – é única e diferente de qualquer outra. Mesmo que sejam situações com as mesmas pessoas e no mesmo lugar, nem todas as partes daquele momento serão iguais como o tempo, o vento, circunstâncias ao redor, entre outros fatores. Assim, o conceito nos chama para ter foco e atenção plena as coisas, principalmente, aquelas em que as pessoas fazem parte, afinal, seres humanos devem dar atenção e cuidar de outros seres humanos com toda atenção, como se fosse a última vez ou oportunidade que nunca mais se repetirá.
DIÁRIO – O conceito de ‘Mottainai’ pode ser considerado um traço distintivo da Blue Tree Hotels?
O Mottainai é um conceito japonês de valorizar as coisas, não descartar pessoas e objetos porque todos têm vida e valor. O Mottainai é intimamente ligado aos cuidados com a natureza, meio ambiente como também aos humanos e todos os seres vivos da natureza.
DIÁRIO – Acrescente, por gentileza, conteúdos que considere relevantes para os leitores do DIÁRIO DO TURISMO e que não foram alcançados pelas perguntas.
A hospitalidade começou com a generosidade das pessoas abrindo suas portas para acolher os viajantes cansados, com fome e sede de longas caminhadas. Mais tarde, se tornou uma atividade econômica, cada vez mais importante e sob o guarda-chuva do turismo, tornou-se uma das maiores indústrias e economias, globalmente. A tecnologia tem feito grandes avanços na eficiência desta indústria, mas a essência da hospitalidade, de acolher com calor humano, com alegria, continuam sendo o diferencial inalterável, desde os tempos das hospedarias. Assim, nós brasileiros, que temos esta capacidade inata tão humana, vamos praticar e sermos cada um de nós, representantes do Brasil, país onde as pessoas fazem a diferença.
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(Reportagem e edição: jornalistas Gabriel Emídio e Paulo Atzingen – Ilustrações: Douglas Galindo especial para o DIÁRIO)