Por José Almeida, CEO da BuscaOnibus
Enquanto vários segmentos da economia – brasileira e mundial – seguem em stand-by em função das restrições decorrentes da pandemia do novo coronavírus, que tal começarmos a pensar (e planejar) sobre como será o setor em que atuamos quando tudo isso passar e começarmos a retomar nossa rotina?
Veja também as mais lidas do DT
No caso do mercado rodoviário – assim como no aéreo e no setor de feiras e eventos – a paralisação das atividades se deu de maneira brutal e ao longo de poucas semanas, praticamente sem nenhuma margem de manobra que permitisse às empresas controlar seu fluxo de caixa e pensar em alternativas.
Simplesmente porque não há, neste momento do primeiro semestre de 2020, alternativas. Enquanto for necessário manter o isolamento social como forma de evitar o colapso do sistema de saúde e minimizar o impacto no custo de vidas não é possível ter um cenário de retomada dos negócios. Mas e quando essa retomada acontecer, que cenário teremos? E como será essa nova realidade?
No setor aéreo, mais concentrado e liderado por companhias transnacionais, a volta à “normalidade” pode levar anos e vai depender do quanto governos e grandes bancos estarão dispostos a ajudar no desembolso financeiro para evitar falências e milhares de demissões. Antes mesmo de os EUA restringirem voos da China e Europa, a estimativa da Associação Internacional de Transporte Aéreo era de uma perda de receitas na ordem de MercUS$ 113 bilhões. Como o cenário se agravou muito desde então, é quase impossível prever com exatidão o tamanho deste prejuízo.
Já em mercados mais pulverizados como o rodoviário – viações, empresas de fretamento e transportes alternativos, com maior concorrência e empresas de diversos portes – a retomada da atividade econômica dependerá mais da liberação de circulação de pessoas e também do “ânimo” (social e financeiro) dos passageiros. Claro, a realização de eventos, festivais e feiras de negócio também terão peso crucial neste cenário.
Mesmo assim, também esperamos uma desaceleração nos investimentos em empresas que atuam no setor rodoviário, principalmente daquelas altamente investidas como Buser, Blablacar e a Flixbus, que preparava a entrada no Brasil neste ano. No panorama atual, os investidores ativam o modo sobrevivência e a tendência é parar ou adiar todos os planos de expansão. Isso pode ajudar as empresas tradicionais a terem mais algum tempo para se prepararem para a disrupção que já vinha acontecendo.
O que posso destacar, pela experiência ao longo de 10 anos no mercado – gerenciando uma plataforma de metabusca de informações rodoviárias que agrega mais de 200 viações, acessada em média por mais de 3 milhões de usuários/mês – são algumas tendências “inescapáveis” às empresas deste segmento. Vamos lá:
1. Transformação digital “à força”
Nos últimos anos, o mercado rodoviário começou a se abrir para o ambiente digital, muito por força do hábito dos consumidores e também do surgimento de novos modelos de negócio, em especial as OTAs (agências de viagem online) e startups. Algumas medidas regulatórias também caminharam a favor desta tendência, como a liberação do e-ticket, que dispensava a obrigatoriedade do bilhete impresso na hora do embarque. As próprias viações começaram a entender a necessidade de serem mais digitais e abrirem canal direto de vendas com os viajantes, além de trabalharem com mais promoções e tarifas flexíveis, como no setor aéreo.
No cenário pós-pandemia, as empresas do setor rodoviário que não tiverem serviços digitais (de atendimento, busca, compra e pós-venda) certamente serão ultrapassadas por concorrentes mais ágeis e eficientes na conexão com o usuário. Interessante também pensar em conexão de serviços com outros players, como pacotes conjuntos de hospedagem ou atrações turísticas, por exemplo.
2. Demanda reprimida & demanda afetiva
Após meses de isolamento social forçado, é natural imaginar que após o fim das medidas restritivas as pessoas queiram sair de suas casas e visitar parentes, amigos, além de visitar destinos turísticos. Além da demanda reprimida (por viagens de passeio ou negócios), veremos também a demanda afetiva, que vai nos reconectar a quem amamos e tivemos que ficar longe por questão de saúde pública. Com isso, há uma perspectiva é que no segundo semestre – nos feriados e temporada de verão – o volume de viagens possa ser até superior em comparação com anos anteriores, dependendo claro da evolução do cenário epidemiológico.
Especialistas também acreditam que, num primeiro momento, as viagens sejam para destinos mais próximos de nossos lares, especialmente aqueles que já conhecemos e temos saudade, buscando mais uma sensação de conforto do que de aventura. Assim, com viagens mais curtas, o setor rodoviário pode ter uma perspectiva de retomada mais acelerado, especialmente se conectar com campanhas de valorização do turismo regional – e não faltam destinos de Norte a Sul do país a serem (re)descobertos, de cidades históricas a patrimônios naturais.
3. Condições econômicas da população
Mesmo que, em poucos meses, a população volte às rotinas sociais, há um componente dessa crise que levará mais tempo para ser normalizado: o bolso. A atividade econômica praticamente paralisada no setor de serviços deve gerar uma das maiores crises de empregabilidade no país (e no mundo) nas últimas décadas e, com isso, o gasto com viagens ou outros serviços não-essenciais será muito restrito.
O cenário é especialmente ruim para as companhias aéreas, pelo tíquete médio das passagens, mas precisa ser encarado com sensibilidade pelas viações também. Além de condições mais digitais de compra, será fundamental pensar em estratégias como maior flexibilidade do preço das passagens ou criar promoções a longo prazo, antecipando receitas. Algumas viações, por sinal, já anunciaram descontos generosos de até 50% para viagens compradas agora no período de isolamento social e marcadas para daqui a seis ou 12 meses – quando provavelmente já teremos passado pelo pior neste cenário e as pessoas vão começar a planejar viagens, especialmente no final do ano.
Em resumo, pode-se dizer que há uma série de ações que podem ser planejadas desde já por players do setor rodoviário, que envolvem desde conexão e colaboração (viações e destinos turísticos; promotores de eventos & empresas de hospitalidade) até serviços digitais para gerar mais comodidade aos usuários. Quem agir desta maneira pode voltar do pós-isolamento alguns bons quilômetros à frente de outras empresas que não estão enxergando que haverá um novo momento no mercado.
*Por José Almeida, CEO da BuscaOnibus