Crônica da Linguiça

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*Por Enry Falbo
Dentre as coisas que mais detesto, duas podem ser destacadas:
Ingratidão e oportunismo.
Sou incuravelmente grato e adaptável, e, comemorando 21 anos casado com Luciana Stefani, sinto que devo a Bragança Paulista o reconhecimento de coisas incríveis que existem aqui, embora me pareça que muitos nem percebam. Não estou dizendo que Bragança Paulista seja perfeita.
Nenhum lugar é. Nem os bragantinos são, nem os brasileiros, nem os alemães, nem ninguém. Mas para olharmos defeitos e pontos negativos basta abrir qualquer jornal e ou meios de comunicação digital, como fazemos diariamente.
Mas acredito que Bragança Paulista tenha certas características nas quais o mundo inteiro deveria inspirar-se. Para começo de conversa, o mundo e o Brasil, não vamos exagerar, o paulista vai; deveria aprender a cozinhar com os bragantinos. Os franceses aprenderiam que aqueles pratos com porções minúsculas não alegram ninguém.
Os alemães descobririam outros acompanhamentos além da batata. Os ingleses aprenderiam tudo do zero e os americanos então com o slow food ao invés do fast food. Sanduíche de Linguiça e filé a parmegiana? Não. Estamos falando de muito mais.
Tilápia, Traíra, peixes frescos e grelhados, arroz soltinho e feijão, feijoada de porco, salteados, massas diversas, arroz doce….. Mais do que isso, o paulista deveria aprender a se relacionar com a terra, a água e o clima como os bragantinos se relacionam.
Conhecer a época das chuvas, das secas e das festas, festas do peão e das juninas.
Saber que o porco, que já foi referência no cenário nacional, já passou; mas ainda tem sua fama; assim como o café que alguns dizem que nunca foi tão importante na economia bragantina como foram o milho, arroz e o feijão para abastecimento dos territórios vizinhos que avançavam para o norte do país.
Talvez a localização de Bragança Paulista permita que os bragantinos conheçam melhor o trajeto dos acontecimentos até a sua pujança econômica, diferente do que ocorre ou ocorreu no passado, por exemplo: nas Cidades como Atibaia, Mairiporã, até chegar na Capital do nosso Estado.
Ademais, o paulista deveria saber ligar a terra à família e à história como os bragantinos. A história da avó, do avô, das origens das famílias, das receitas típicas caipiras ou italianas onde nasceram. O paulista deixa o passado ecoar tão rapidamente por entre os dedos que esquece suas origens, já o bragantino não. E se alguns dizem que Bragança Paulista vive do passado, eu tenho certeza de que é isso o que os faz ter raízes tão fundas e fortes.
O paulista deveria ter o balanço entre a rigidez e a afeto que têm os bragantinos. De nada adiantam a simpatia e a doçura do bragantino se eles nos impedem de agir com a seriedade e a firmeza que determinados assuntos exigem.
A linguiça artesanal de Bragança emergiu como piada no cenário nacional após aparição no programa Pânico na TV dos paulistas e hoje se fortalece economicamente para alguns paulistas que migraram para Bragança Paulista, e com descuido de alguns bragantinos, a história desta iguaria de origem do porco, do milho, dos tropeiros e dos viajantes, como da imigração italiana, está sendo desvirtuada.
Nem Bragantinos,nem Paulistas passariam em testes de origem desta iguaria; alguns distorcem e outros corrigem, mas todos esquecem da importância de resgatar a memória e a verdadeira história deste produto de origem.
Os bragantinos – de origem controlada – não riam desse tipo de figura, nem permitem que eles floresçam destruindo a história de Bragança Paulista, como assim faz o Dr Bragança.
Ao mesmo tempo, o que adianta o rigor japonês – que acaba em suicídio – ou a frieza nórdica – que resulta na ausência de vínculos mais duradouros –se não chegarmos a um denominador ideal para o resgate da nossa linguiça.
Antes que remetam a piada do antigo programa de TV acima citado, são poucos os povos que sabem dosar, a rigidez e o carinho, a acidez e a doçura, buscando sempre na medida certa o elemento de equilíbrio, ainda que de forma inconsciente, para o resgate da sua história.
Tudo deveria ter uma data, como no mês de Abril se comemora o descobrimento do Brasil, o Índio,Tiradentes e o meu aniversário, para celebrar o dia da linguiça de Bragança Paulista.
Se tivéssemos definido uma data para celebrar coletivamente o aniversário da linguiça, talvez não observássemos com tanta desarmonia e fragilidade a festa da linguiça que acontece no mês de setembro .
Todo município, todo estado, quiçá todo território nacional, deveria fixar o que é passado, presente e futuro através de datas, como qualquer outra data comemorativa. Esse produto de origem, e dos bragantinos, deveria conter afeto da comemoração do seu aniversário. Todavia, não podemos deixar que as piadas sobressaiam e nossa linguiça seja
chamada de “miúda“ e ou empregado qualquer outro diminutivo.
Apesar de gostar de ouvir, quando alguém pisa no pé do bragantino com suas piadas, a introdução da linguiça….
O paulista deveria aprender a ter modéstia como os bragantinos, embora os bragantinos devessem ter mais orgulho da suas origens (linguiça) do que costumam ter.
Pois a linguiça tem as melhores características para aproximar as pessoas, não para afastá-las. A arrogância que impera em tantos lugares, passa bem longe da linguiça do bragantino. O paulista deveria saber olhar para linguiça e para fora do lugar comum, como bragantino sabe.
Bragança Paulista não vive centrado em sua próprio linguiça como fazem os franceses.
Por outro lado, ignora importantes questões internas, e não prioriza o que vem de dentro e da origem, como ocorre com tantos lugares onde são certificados produtos de origem, é um erro que deve ser resolvido rápido, para o desenvolvimento econômico da nossa linguiça.
Acho que o Brasil, quiçá o mundo, seria melhor se conhecesse um pouquinho da linguiça artesanal bragantina.


Enry Falbo é advogado, empresário hoteleiro, e sócio proprietário da Fazenda Coronel Jacinto

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