Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, a possível fusão entre Gol e Azul acendeu um sinal de alerta entre órgãos de defesa do consumidor e especialistas em concorrência.
REDAÇÃO DO DIÁRIO com informações da Folha de São Paulo
Em um relatório enviado no início de julho a entidades como o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), o Procon-SP destacou riscos significativos à livre concorrência e à qualidade do serviço aéreo caso a operação seja aprovada.
Ainda em estágio de negociação, a união entre as duas aéreas é vista como potencialmente prejudicial ao consumidor final. De acordo com a análise do Procon-SP, feita com base em uma consulta pública envolvendo especialistas acadêmicos e entidades civis, a fusão poderá acarretar aumento nos preços das passagens, redução de rotas e comprometimento na qualidade do serviço prestado.
Lucia Ancona Lopez de Magalhães Dias, doutora em Direito pela USP, alertou que, caso o negócio seja concretizado, a nova companhia passaria a deter 62% do mercado doméstico de transporte aéreo no Brasil, com mais de 57 milhões de passageiros, criando, na prática, um duopólio ao lado da Latam. Em aeroportos como os de Campinas, Confins e Recife, a nova empresa concentraria mais de 80% das operações — sendo quase 100% em Campinas e 55,1% em Congonhas, que já opera acima da capacidade.
O histórico de decisões do Cade também é lembrado no relatório. Segundo Eduardo Molan Gaban, do Instituto Brasileiro de Concorrência e Inovação, fusões anteriores no setor aéreo, mesmo com restrições, resultaram em aumento de até 17% no valor das passagens e diminuição da diversidade de serviços.
Cleveland Prates Teixeira, ex-conselheiro do Cade, reforçou que a formação de uma empresa dominante favoreceria práticas anticompetitivas e dificultaria a entrada de novos concorrentes. Já Flavia Lira, do Procon-RJ, apontou três riscos centrais: eliminação de rotas sobrepostas, aumento de preços e queda na qualidade dos serviços. Esses pontos foram também destacados por Maria Luiza Targa, do Brasilcon.
A proposta de fusão recebeu críticas do próprio governo. O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, que anteriormente demonstrava flexibilidade quanto ao tema, declarou-se contrário ao negócio, citando risco de concentração de mercado.
Atualmente, a Azul está em processo de recuperação judicial nos Estados Unidos (Chapter 11), com previsão de conclusão até o início de 2026. Já a Gol teve seu plano de reestruturação aprovado pela Justiça americana em maio deste ano.
Procuradas pela Folha, as empresas responderam de formas distintas. A Azul afirmou estar colaborando com o Cade e garantiu seu comprometimento com a transparência e com as normas regulatórias. A companhia reafirmou o foco em sua reestruturação e excelência operacional. A Gol, por sua vez, não se manifestou.
O grupo controlador da Gol, Abra Group, declarou que, mesmo com a fusão, Gol e Azul manterão marcas e operações distintas, e que a união busca criar um player mais robusto e competitivo para expandir a oferta aérea nacional e internacional. Segundo o grupo, quase 90% dos voos domésticos regulares das duas companhias não se sobrepõem, o que permitiria maior diversidade de serviços.
Enquanto as negociações seguem em estágio preliminar, as duas empresas mantêm um acordo de codeshare firmado em maio de 2024, o que também tem gerado atenção do Cade por potencial risco de concentração.