*Por Fabio Steinberg
Como atender ao mesmo tempo clientes com necessidades diversas – às vezes até opostas – e que possuem bolsos de todos os tamanhos? Se este desafio já é complicado para quem atua em prestação de serviços, torna-se mais espinhoso
no setor de hospitalidade
Conciliar interesses diferentes em tempos que o consumidor é o centro absoluto das atenções exige bem mais que acender uma vela para deus e outra para o diabo. Capacitação e jogo de cintura ajudam, mas não resolvem o problema. Tampouco a fórmula de classificar hotéis pelo número de estrelas ou categoria econômica resolve: pode ter funcionado no passado, mas hoje se mostra incompleta e ultrapassada.
Há exemplos. Se fosse pela antiga concepção econômica, como manter sob o mesmo teto, apesar de poder aquisitivo equivalente, homens de negócios apressados e com exigências específicas junto com famílias que só querem relaxar e aproveitar os seus momentos de lazer? O método estelar também entra em curto-circuito ao instalar em um único lugar uma geração de millenials descolados com novos padrões de comportamento, ao lado de hóspedes tradicionais que buscam tranquilidade e conforto e que só priorizam o atendimento personalizado e a gastronomia requintada.
Foi assim que a segmentação, inicialmente criada para separar hotéis por categoria econômica, começou a se preocupar também com padrões de comportamento. No Brasil nenhuma rede hoteleira avançou mais neste tema que a Accor.
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Há dois anos a empresa decidiu aprofundar a associação de marcas com grupos de pessoas que possuem atributos equivalentes. As bandeiras ganharam mais personalidade, até se tornarem protagonistas e passarem a endossar o produto. “Queremos transmitir valores a todas as marcas, independente da categoria de conforto oferecido”, explica Roberta Vernaglia, Vice-Presidente de marketing a rede para a América Latina.
Desta forma, a rede francesa tornou-se uma espécie de mãezona de todas as suas marcas, 13 delas já presentes no país. Acolheu sob suas asas as diferentes filhotas, sempre sob a assinatura genérica “Feel Welcome” (Sinta-se bem-vindo). O mesmo valor transversal da Accor dá consistência e trafega com tranquilidade entre todas as bandeiras. Fazem parte fatores como tolerância, respeito à cultura e à diversidade e uma preocupação com qualidade do acolhimento, entre outras. Ao mesmo tempo que nutre as unidades com suas mensagens corporativas, a marca Accor se retroalimenta com prestígio através do bom desempenho das unidades.
Isto exige muito mais que chamar hóspede de cliente e funcionário de colaborador. O sucesso do modelo depende da capacidade de cada marca dialogar com o seu grupo de hóspedes usando a mesma linguagem com que foi concebida. “As marcas têm voz, e precisam corresponder ao seu “brand persona”, diz Roberta. As assinaturas (taglines) das marcas ilustram este esforço. Por exemplo, IBIS é “tudo o que você precisa em um hotel”; SOFITEL, “A vida é magnífica”; PULLMAN, “Nosso mundo é o seu playground”; GRAND MERCURE, “onde as histórias são contadas”, ADAGIO, “onde você pode se sentir em casa”, e assim por diante.
No território das marcas, as fronteiras são bem delineadas. Para que a segmentação funcione, ações e programas são desenvolvidos para atender necessidades específicas, como hóspedes com pets, crianças, viajantes de negócios, comunidade gay etc. Nem sempre todos os territórios se integram, e para isto surgem produtos e eventos que ajudam a aparar arestas e promover a convivência pacífica entre a ampla diversificação de clientes da Accor. Assim, o Novotel busca estimular o uso por famílias com filhos nos fins de semana com um programa onde até duas crianças com até 16 anos não pagam. O Ibis Styles se propõe a atrair jovens através de um design mais descontraído e bem-humorado. Há unidades que oferecem “kids corner”. Mas o melhor exemplo é o que ocorreu com a marca IBIS, que virou sinônimo de hotel econômico.
Pela capacidade de alavancar negócios, a estratégia de segmentação da Accor merece ser estudada e reproduzida não apenas pela hotelaria, mas por outros elos da cadeia de valor do turismo. Afinal, a velha máxima “dividir para governar” nunca andou tão atual e apropriada.