(Entrevista publicada originalmente no dia 15 de outubro de 2022)
Jeanine Pires integra a série do DIÁRIO DO TURISMO, Entrevistas Presidenciais
O turismo brasileiro conta com uma protagonista que, pela sua história de vida e visão de mundo lastreada em conhecimento e vivência, consegue examinar, analisar e propor. Jeanine Pires é uma brasileira plurirregional, educada na Europa, historiadora e formuladora de propostas que enriquecem o debate. E dão substância às ações. Nesta entrevista concedida aos jornalistas Paulo Atzingen e Gabriel Emídio é possível observar a visão global de Jeanine, sua percepção do mercado interno do turismo, sua aguda análise sobre os gargalos infraestruturais da nossa terra e mais do que isso, sua contribuição para futuras soluções. Jeanine integra a série do DIÁRIO DO TURISMO, Entrevistas Presidenciais, confira:
DIÁRIO – Você é catarinense de nascimento, mas tem vínculos com o nordeste brasileiro. Fale um pouco da geografia da sua brasilidade…
Nasci em Florianópolis, morei também na França e depois um tempo em Curitiba em São Paulo. Eu me mudei para Maceió, passei dois anos e pouco em Recife. Então, na verdade, minha vida adulta passei no Nordeste. Eu me sinto mais nordestina até. Na verdade, gostei quando você colocou na pergunta que eu sou brasileira. O trabalho no turismo me fez ser bem brasileira e viver um pouco cada canto desse país.
DIÁRIO – A formação acadêmica em História influenciou seu ingresso na área de turismo?
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Minha formação em história foi influenciada pela experiência que tive morando na Europa, especificamente em Paris, quando eu tinha 10, 11, 12 anos. Vivenciei muita coisa bonita na Europa toda. Conhecendo um pouco mais a história da humanidade, eu estudava e ao mesmo tempo via coisas da Idade Média, do Renascimento, vivenciava muita cultura, muita arte, muita história. Acho que isso teve influência na minha escolha por fazer história.
DIÁRIO – Como especialista em destinos turísticos, como foi sua experiência na divulgação do Brasil no exterior, quando presidiu a Embratur?
Fica muito difícil de resumir minha experiência na divulgação do Brasil no exterior, mas eu diria que eu comecei a trabalhar no turismo em Maceió, depois em Recife e minha visão do turismo já começou a mudar. Quando eu fui para Embratur e para o exterior, minha visão do Brasil mudou ainda mais. Então, eu acho que tem vários aspectos interessantes. Um deles é quando você mora em lugares diferentes e tem visões diferentes de como cada um se vê.
Vou dar um exemplo. Eu morava em Maceió e achava que as praias de lá eram as mais lindas do mundo. Depois, isso acontece com o Recife e com as praias do Brasil inteiro.
Assim, além de ter uma ideia e visão geral da diversidade do seu país, você também vê que não basta ter, por exemplo, as melhores praias.
A experiência me fez ver que, assim como nós, o mundo inteiro tem coisas bonitas a serem visitadas. Isso fez eu me apaixonar ainda mais pelo turismo. Vi culturas diferentes, religiões diferentes, formas de viver diferentes. Acho que isso traz um respeito, uma solidariedade e um sentimento de que o mundo é muito maior do que aquilo que a gente vive no nosso dia a dia e no nosso entorno.
DIÁRIO – Na antessala do 2º turno da eleição para Presidente da República, qual a sua percepção do pleito em relação ao turismo brasileiro?
Bom, quando a gente fala do 2º turno das eleições, vejo que não é só o tema do turismo – há outros muito importantes que estão passando ao largo do debate que o país deveria ter.
O Brasil não está discutindo as desigualdades, o acesso à informação, a educação de uma forma mais consistente. Saúde, meio ambiente – um tema que não aparece. Portanto, não é só o turismo.
Acho que a gente está vivendo um apagão de debate consistente, só se fica correndo atrás de Fake News e ataques, o que é muito ruim. Mesmo assim, eu consegui observar algumas propostas que existem em relação ao turismo. A percepção que eu tenho extrapola a eleição presidencial, mas em estados, municípios e legislativos. O turismo precisa avançar e ter continuidade.
Como a gente não tem como detalhar todas essas propostas, eu chamaria atenção para o trabalho Vai Turismo que foi coordenado pela CNC, que teve uma participação grande. Ali consta uma série de debates e temas importantes que estão relacionados à governança, à tecnologia, ao uso de dados e informação para tomada de decisões; inteligência comercial, investimentos, qualificação e capacitação. São temas importantes, que este documento pode nos ajudar a refletir.
DIÁRIO – Como vê, hoje, a imagem do Brasil no exterior e o impacto da realidade atual no atratividade do país, enquanto destino turístico?
A visão que eu tenho, hoje, sobre a imagem do Brasil no exterior, ela é só uma percepção, não tem base em estudos, com exceção de alguns levantamentos e opiniões que você vê. Na nossa época de Embratur, a gente tinha um monitor, sabia o que o mundo falava sobre o Brasil. A gente administrava essa imagem, havia ações bastante positivas.
De maneira geral, é lamentável ter nossa imagem vinculada a temas negativos. Não existe uma administração da nossa imagem, ela está relacionada a percepções, estereótipos, às vezes a realidades, mas está muito vinculada a temas superficiais.
Para falar da imagem do Brasil no mundo, eu gosto muito da forma como aborda o Simon Anholt, que é um especialista em imagem de países. Se a gente fizer a pergunta: “Qual a utilidade do nosso país para o mundo?” Ou “se, de repente, o país desaparecesse da face da Terra, do que o mundo sentiria falta?” Então, a partir daí, eu acho que a gente deve trabalhar a nossa imagem.
DIÁRIO – Que lições e aprendizados você considera essenciais, decorrentes dos efeitos da pandemia C-19?
Foram muitos, muitos mesmo. E muitas coisas impensáveis. Mas há um tema que eu quero destacar: passou-se a usar mais dados e estudos para tomada de decisões e para avaliar cenários. A gente não tinha este hábito, porque estava todo mundo acostumado a prever a alta temporada, a baixa temporada, quando vai viajar, quando não vai viajar.
Estes dois últimos anos de crise que a gente viveu mostraram que a gente precisa olhar e avaliar mais os dados para antecipar demanda e, sobretudo, aprender com a crise. Ou seja – a gente se preparar para outras coisas não pensáveis, ou não imagináveis, que podem vir pela frente.
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DIÁRIO – Em função do resultado eleitoral iminente, considera viável e pertinente a retomada do ‘Projeto Aquarela’?
Olha, se você considera o projeto Aquarela o plano feito e desenvolvido lá em 2003 e 2004, eu diria que não. Mas se você pergunta se retomar a promoção do Brasil no exterior, com base em pesquisas e estudos, eu diria que sim. Agora, numa outra realidade, as pessoas têm uma forma legal de lembrar coisas que deram certo, que talvez lá naquela época a gente não percebesse que tinha dado tanto resultado e que o país investiu durante 16 anos muito dinheiro em construir. Não é a marca, o logotipo, mas construir uma visão de país e que hoje não existe mais. Então, a gente tem que aprender com o passado. E começar – eu nem diria do zero, mas do menos alguma coisa para poder discutir o que a gente quer do Brasil em termos turísticos, da imagem do nosso país.
DIÁRIO – Política de governo e de Estado, relativa ao turismo como vetor de desenvolvimento econômico e social: o que você sugere para o curto e médio prazo?
Eu diria que a gente pode ter como base o documento Vai Turismo. Não há como detalhar uma série de temas aqui, mas precisa-se ter não só um projeto de país, mas também uma forma mais parceira de trabalhar o turismo como vetor de desenvolvimento econômico e social. Eu destacaria temas que a gente ainda precisa falar muito no turismo, não só que ele gera emprego, que tem muitas pequenas e médias empresas, que ele atrai investimentos. Mas que ele é um fator de preservação do ambiente natural e da cultura, de desenvolvimento da economia criativa.
Trazer o turismo para um passo além de ser um vetor de desenvolvimento. Um tema a ser debatido com as comunidades locais e implementado por elas. E não só por gestores públicos e lideranças privadas. Seria uma nova reflexão junto com ações, porque as pessoas se cansam se você demorar muito tempo planejando e discutindo estratégias. Por outro lado, não tem como você saber para onde vai se não houver um caminho, mesmo que seja preciso trilhar novos caminhos.
Eu sugiro escolher projetos prioritários, acordados mutuamente entre setor público e privado e direcionar todas as ações e recursos e atenções do setor público e privado para duas ou três prioridades. E trabalhar novas prioridade só quando estas estiverem sido resolvidas. Ou, pelo menos, bem encaminhadas.
DIÁRIO – Como enxerga a conexão das políticas de turismo dos estados brasileiros com as instâncias federais?
Hoje, na minha opinião, não existe conexão entre as políticas dos estados e as instâncias federais. Existe uma coisa dispersa, descontínua, sem foco. Tem um projeto ou outro em que, do ponto de vista mais técnico, grupos de funcionários, profissionais do ministério e dos estados tentam legar adiante. Mas não há, na minha opinião, essa liderança do governo federal junto aos estados.
Pelo contrário, hoje há uma autonomia dos estados, uma busca entre si de sobreviver e de estabelecer parcerias entre si ou se virar sozinho, o que é uma coisa ruim. Então, é uma realidade bem diferente que a gente tem hoje, que precisa ser avaliada para reconectar, inclusive para discutir novos modelos de governança entre estados, municípios e a federação.
DIÁRIO – Qual o papel da CNC para uma eventual releitura da política de turismo?
Eu considero o papel da CNC muito importante. É uma liderança que a CNC deve seguir e o Vai Turismo é uma forma disso continuar. E cada vez envolver mais e contribuir com a governança do turismo nacional.
DIÁRIO – Como tornar mais efetivo e transparente o relacionamento entre poder público e iniciativa privada, para fortalecer a indústria do turismo nacional?
A pergunta é boa, o tema é complexo. Por quê? Para você fortalecer e ter um relacionamento transparente, você precisa ter, do ponto de vista público, critérios de distribuição de verbas. Tudo passa pela distribuição de verbas. Os critérios envolvem projetos e políticas públicas, para você distribuir esses recursos. Então, eu acho que, primeiro, é estabelecer essas estratégias e critérios de relacionamentos público-privado que tenham sido acordados com os estados. E que não haja favorecimento e apadrinhamento para isso acontecer.
Na iniciativa privada, existem entidades e entidades de turismo. Eu acho que cada entidade pode olhar para dentro de si e saber qual é sua real representatividade, para que exista, também, um fortalecimento da representatividade das entidades e que seja repensado como isso acontece. Assim, isso precisa ser construído junto, sobretudo ter entidades privadas e lideranças que representem os seus setores.
DIÁRIO – Em termos de infraestrutura, quais gargalos você identifica e que medidas recomenda para o país tornar-se mais competitivo, no plano interno e externo?
São muitos os gargalos que o país tem. Eu diria que muitos deles são relacionados à conectividade, em todos os aspectos. Conectividade de transporte, de informações, de banda larga, de acesso à Internet, para que as pessoas possam usar a geolocalização. Em termos de infraestrutura, o que existe no mundo virtual que eu consigo melhorar no plano da realidade. Mais uma vez, estabelecer critérios e acordar estes critérios em estâncias públicas e privadas, legislativo e executivo, para que estes projetos sejam feitos de forma combinada e acordada.
DIÁRIO – Como você compatibiliza desenvolvimento sustentável do turismo com políticas de preservação do meio ambiente?
Só existe desenvolvimento sustentável se tiver políticas de preservação no ambiente físico, no ambiente natural, levando também em consideração o ambiente cultural e o envolvimento com a comunidade local. Nós temos hoje problemas diferentes, por exemplo da época em que eu trabalhava na Embratur. E esses problemas diferentes precisam ser resolvidos por perguntas diferentes e com respostas diferentes, com renovação, com qualidade e eu acho que existem lideranças privadas e certamente lideranças públicas que podem colaborar com esse debate.
*Quem é Jeanine Pires?
Jeanine Pires é especialista em Turismo, diretora da Pires & Associados. Presidiu a EMBRATUR de 2006 a 2010, onde também foi diretora de Turismo de Negócios e Eventos.
Liderou o trabalho de promoção do Brasil como destino turístico no exterior, os programas de captação de eventos internacionais e a agenda de promoção do Brasil de 2003 a 2010. É formada em história e pós-graduada em Ciências Sociais e em Economia do Turismo.