Julio Gavinho, o entusiasmado, o franco, o sem papas na língua, passou. Desta para melhor.

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Um furacão em ideias, frases complexas e análise crítica de um Brasil que pode (ou podia?) dar certo. Foi essa a constatação que tive ao conhecer Julio Mendes Gavinho, que morreu ontem (4 de maio), aos 54 anos, de câncer, segundo o primoroso texto do amigo Peter  Kutuchian, do Hotelier News. Se títulos importam aí vai: ele era turismólogo com habilitação em hotelaria e extensão em planejamento.

Por Paulo Atzingen* (artigo publicado, originalmente dia 5 de maio de 2022)


Julio tinha um senso crítico aguçado para questões econômicas e políticas quando ia falar de hotelaria. Em uma entrevista concedida ao DIÁRIO, em agosto de 2015, Gavinho defendeu a sustentabilidade do planeta como até então nunca tinha visto em homens de negócio:

““Neste momento, o foco tem que estar em garantir uma vida mais longa para o planeta que habitamos do que botar um pouquinho de dinheiro no bolso”, disse ao defender práticas sustentáveis em empreendimentos hoteleiros.

Quando comparava quantidade e qualidade tinha a coragem de confrontar gigantes da hotelaria ao dizer: “Não considero que tamanho seja documento. No nosso caso especificamente, a qualidade e inovação do produto que estamos colocando no mercado é tão relevante que, com certeza, ocuparemos um espaço maior do que a quantidade de apartamentos que temos”, afirmou quando lançava em 2015 a Zii Hotel e a Arco Hoteis, sob o guarda-chuva de sua empresa, a doispontozero (com minúsculas mesmo!)

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Perguntado se ele não integrava o rol de hoteleiros-empreiteiros que defendiam a sustentabilidade na teoria, mas na prática usavam de outro expediente, Júlio saiu-me com essa:

“Eu já nasci conhecendo as medidas socioambientais responsáveis. Essa é a minha diferença a de outros colegas. Eu já nasci assim. Minha empresa já nasceu sustentável. Já nasci com reuso de água dos prédios, estação de tratamento, iluminação led no prédio inteiro, aquecimento solar… Para mim é muito mais fácil, mais barato, desenvolver esse produto desta forma, do que um colega, que tem um prédio de cinco ou dez anos, implantar esse tipo de coisa”, comparou.

“A Água”

Em meio aos pratos que eram servidos no restaurante elegante onde a entrevista aconteceu fui mais fundo no tema sustentabilidade para saber se meu interlocutor tinha ideias genuínas ou apenas superficiais. Perguntei o que ele considerava mais importante em seus projetos de implantação de hotéis econômicos….

“A água!” respondeu na hora e sem pensar muito, e essa era uma característica de sua mente veloz.

“Em praticamente todos os hotéis temos poços artesianos outorgados, com tratamento, temos uma estação de tratamento de reuso com um processo, em média, de 2,3 mil litros de água por hora: são águas utilizadas dentro do prédio, tratadas e são devolvidas para o prédio. Depois temos a parte da energia solar. Basicamente, o fato de colhermos a nossa água através dos poços, tratar a nossa água utilizada e depois tratar o nosso esgoto antes de devolver para a rede pública, acho que isso não tem valor para a sociedade. Gostaria que todos os outros prédios também fossem assim. Então teríamos a garantia de que não faltaria mais água”, respondeu, de uma vez, sem edições.

Governo

No capítulo governo, Gavinho deixou seu recado sem necessariamente colocar o dedo na ferida. Segundo ele, o negócio da hotelaria movimenta dois pilares da economia do país. “Em primeiro lugar você não infla um hotel, você precisa construí-lo, depende de uma construtora, depende de um projeto e de um monte de gente para colocar um hotel de pé. Somos grandes fomentadores”, enumerou.

“E em segundo lugar, continuou, nosso negócio é um negócio eminentemente de serviços, o que significa que temos gente, emprego. Um hotel super econômico de tamanho pequeno, com cem apartamentos, por exemplo, emprega 20 pessoas, são 20 famílias se sustentando com dignidade. Alguém dentro da determinação de políticas monetárias dentro do governo precisa olhar isso”, pediu.

Não podemos inventar hóspedes

Na sobremesa, o clima de descontração substituía aos poucos os momentos de reflexão dura sobre tributação, encargos, sobrecarga empresarial entre outros torpedos.

Mas perguntei a Júlio, o que estava impactado economicamente um empreendimento hoteleiro nos idos de 2015:

– “Receita”, foi a resposta dele. O nosso problema [do setor] hoje é receita. De novo, podemos inventar festivais gastronômicos, todo tipo de economia, podemos fazer o que quisermos, mas não podemos inventar hóspedes”, disparou.

Segundo ele, empresas que faziam reuniões presenciais, estavam gastando metade do dinheiro para fazer uma vídeo conferência, regionalizando e dando preferência para as suas operações regionais para não dependerem tanto da matriz e diminuírem o custo de viagem. “Isso tudo, que, nesse momento, parece uma queda eventual, pode, em uma parte relevante, virar uma tendência no nosso setor”, Júlio Gavinho profetizou?.

O DIÁRIO reconhece a importância de Julio Mendes Gavinho por suas ideias e posições e lamenta sua morte. Nossos sentimentos à família e amigos.

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Júlio Gavinho da Doispontozero: “é mais fácil ser sustentável, pois já nascemos assim”

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