segunda-feira, agosto 25, 2025
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Maastricht e o vinho subterrâneo: história, caves romanas e enoturismo em Limburg

Quando pensamos em regiões vinícolas, a Holanda quase nunca aparece no mapa mental. Mas o sul do país guarda uma surpresa fascinante: Limburg, com Maastricht no coração.

*Por Waleska Schumacher, Haia – Países Baixos

Caminhar por Maastricht é sempre uma experiência curiosa. Sim, é uma cidade holandesa — organizada, com seus traços arquitetônicos que lembram outras cidades dos Países Baixos. Mas, ao mesmo tempo, há algo diferente no ar. Muitas vezes, quando percorro suas ruas, tenho a sensação de estar em Bordeaux. Ao observar a vista noturna a partir do bairro Wyck, lembro imediatamente da margem oposta de Bordeaux e da sua ponte, com um estilo que também parece ressoar aqui. Maastricht mistura influências romanas, borgonhesas e germânicas. É essa fusão que a torna única dentro da Holanda, com um charme e uma identidade que não se encontram em nenhum outro lugar do país.

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As cavas subterrâneas utilizadas para eventos. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher

As raízes subterrâneas

A ligação de Maastricht com o vinho é antiga. Há quase dois mil anos, os romanos já usavam o rio Maas como rota de transporte e aproveitaram galerias subterrâneas escavadas no calcário marga (mergel) para armazenar vinhos. Imagino os barris repousando ali, em silêncio, na temperatura estável, antes de seguir viagem para o Mosel, o Reno e outras regiões germânicas.

Na Idade Média, a extração desse mesmo calcário para construir igrejas e muralhas deixou sob o Sint-Pietersberg um verdadeiro labirinto de galerias. O que começou como pedreiras transformou-se em caves, de forma semelhante ao que aconteceu em Champagne, onde o giz branco serviu de abrigo para milhões de garrafas. Aqui, o tom é amarelado, mais argiloso, mas a função é a mesma: conservar, proteger e dar ao vinho o ambiente ideal.

É curioso pensar nisso: solos diferentes, mas ambos perfeitos para a produção de grandes espumantes. Champagne construiu sua reputação mundial, mas o sul de Limburg mostra cada vez mais que também tem terroir para revelar espumantes de alta qualidade.

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A garrafa de Pétrus possivelmente de 1953, guardada na Thiessen. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher
Antigas garrafas da Apostelhoeve, guardadas nas caves da Thiessen. Crédito: Arquivo Pessoal Waleska Schumacher

Thiessen Wijnkoopers: vinho e história

Foi nesse cenário que descobri a Thiessen Wijnkoopers, fundada em 1717 e considerada a loja de vinhos mais antiga em funcionamento na Holanda. Quando o Registro Comercial Nacional foi criado, em 1921, a Thiessen recebeu o número 1 — foi o primeiro negócio registrado oficialmente no país.

O mais fascinante é o que está por trás da fachada elegante: um labirinto de caves medievais do século XIV. A primeira vez que desci, senti o mesmo arrepio que tive em Reims, quando visitei as caves de Champagne. A umidade, o frio constante, o silêncio cortado apenas pelo eco dos passos — tudo ali respira vinho e história.

Entre as preciosidades guardadas, uma garrafa de Pétrus, possivelmente de 1953, chama a atenção. Ver esse ícone repousando em Maastricht é quase um lembrete silencioso de como a cidade esteve ligada desde cedo ao comércio internacional de vinhos.

E não é só passado. A Thiessen também olha para o futuro. Em parceria com a vinícola Domein Holset, especializada em espumantes, lançou um rótulo exclusivo da variedade PIWI Sauvigner Gris. Um espumante que só se encontra ali — tradição e inovação lado a lado, dentro de uma cave que carrega séculos de história.

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Cavas subterrâneas da Thiessen. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher.
Onde os barris de carvalho e garrafas atraessam séculos de história nas cavas da Thiessen. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher
Onde os barris de carvalho e garrafas atraessam séculos de história nas cavas da Thiessen. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher
Maastricht
Patio Thiessem , onde eventos sao realizados. Crédito:
Arquivo pessoal Waleska Schumacher

Vinícolas e o presente do vinho holandês

A produção local ganhou novo fôlego a partir de 1970, quando foi fundada a Apostelhoeve, no alto da colina de Jeker. Hoje, seus vinhos de Riesling, Auxerrois e Pinot gris estão entre os mais reconhecidos do país. Outras vinícolas, como a Sint Martinus e a Rousset, reforçam o movimento e atraem visitantes para experiências enoturísticas completas.

O estilo de vida borgonhês

Mas Maastricht não é só vinho. A cidade tem algo que os holandeses chamam de “bourgondisch leven” — estilo de vida borgonhês. A expressão vem dos Duques da Borgonha, que governaram a região no passado e eram conhecidos pelo apreço à boa mesa, ao vinho e ao convívio. Em Maastricht, esse espírito sobreviveu e ganhou sua própria identidade: uma vida mais calorosa, mais voltada ao prazer de comer e beber bem, de celebrar em torno da mesa.

Foi através desse olhar que conheci a visão apaixonada de Michelle Baldwin, da Nostra Casa del Buongusto. Conheci Michelle em Curaçao, mas hoje ela vive na Holanda e está se preparando para se tornar vinoloog¹. Foi ela quem me incentivou a perceber Maastricht com outros olhos. No início, eu não entendia completamente o encanto. Agora, vivendo aqui, compreendo melhor: a Holanda, mesmo pequena, abriga regiões com identidades próprias, como Maastricht e Limburg.

Nas palavras dela:
“Maastricht é a minha cidade favorita na Holanda. Quando estou lá, caminho com um grande sorriso no rosto. A atmosfera é maravilhosa. Você anda pelas ruas e sente-se envolvido pelo passado, através dos belos edifícios e igrejas, mas, ao mesmo tempo, se surpreende com a forma como esta cidade se desenvolveu ao longo dos anos.
Um bom exemplo é a livraria Dominicanen. O jornal The Guardian chegou a chamá-la de a livraria mais bonita do mundo. Localizada na Igreja Dominicana, antiga por fora, moderna por dentro.

Maastricht acaricia todos os seus sentidos. Como apreciadora da boa vida, considero vinho e gastronomia essenciais. E nesta cidade você é servido com excelência. Maastricht é voltar para casa e aproveitar.”

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Detalhes da fachada da Thiessen, onde a tradição vinícola da família se inscreve desde 1717. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher
FA fachada da loja de vinhos Thiessen, um ícone do centro histórico de Maastricht.. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher

O coração da cidade: Vrijthof

Outro ponto imperdível é a Vrijthof, praça que respira cultura. Todos os anos, recebe uma das apresentações mais importantes do maestro André Rieu, que atrai público do mundo inteiro. Fora da temporada, a praça segue viva, com cafés sempre abertos. É fácil sentar-se ali, imaginar o cenário de um show, contemplar a igreja de torre vermelha e brindar com uma taça do Riesling Brut da Apostelhoeve — um símbolo perfeito da união entre vinho e cultura em Maastricht.

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Michelle Baldwin e Waleska Schumacher — um brinde ao charme e à elegância de Maastricht. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher

Minha sugestão de roteiro

Se tivesse que recomendar um dia perfeito em Maastricht, seria assim:

  • Começar a manhã na Bisschopsmolen, o moinho de água mais antigo em funcionamento na Holanda, onde ainda se produz a farinha usada para as famosas tortas vlaai.
  • Passear pelas ruas charmosas e seguir para uma degustação na Thiessen Wijnkoopers.
  • Cruzar a icônica ponte sobre o Maas e aproveitar um happy hour com cerveja artesanal local.
  • Finalizar a noite no Onglet, restaurante instalado num antigo frigorífico, entrada curiosa pela loja, decoração elegante, serviço impecável e gastronomia criativa.
  • Ou no Harry’s, sofisticado e elegante.
  • Para quem não dispensa mexilhões, o endereço é o Café Bobbel.

Um roteiro que combina história, sabores e aquele estilo de vida borgonhês que só Maastricht sabe oferecer.

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As famosas croquetes holandesas Bitterballen, servidas no wine bar da Thiessen. Crédito: Arquivo Pessoal Waleska Schumacher
Cervejas artesanais de Maastricht — uma excelente opção para um happy hour descontraído em Wyck. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher
Gastronomia e serivço impecavel no Onglet. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher
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Mexilhões no Café de Bóbbel, sente-se na barra. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher

Perguntas que sempre fazem sobre Maastricht e o vinho na Holanda

“Mas existe vinho na Holanda?”
Sim, e mais do que muita gente imagina. Em Limburg, e especialmente em Maastricht, há vinícolas pioneiras que começaram nos anos 70, como a Apostelhoeve. Hoje já produzem Riesling, Auxerrois, Pinot gris e até espumantes de respeito.

“E vale mesmo a pena fazer enoturismo por lá?”
Sem dúvida. Além das vinícolas, você pode visitar adegas subterrâneas históricas, como as da Thiessen, que existem desde o século XVIII. E tudo isso cercado de boa gastronomia, música e aquele estilo borgonhês de viver.

“Por que Maastricht é diferente de outras cidades holandesas?”
Porque ela é um mosaico: romana, borgonhesa, germânica. Caminhando por Wyck, por exemplo, olhando a ponte iluminada sobre o Maas, é impossível não pensar em Bordeaux. Maastricht é Holanda, mas também é muito mais do que isso.

“E que vinhos eu não posso deixar de provar?”
Eu sempre recomendo o Riesling Brut da Apostelhoeve, um clássico da região. Também gosto muito dos vinhos da Sint Martinus e da Domein Holset. E na Thiessen dá para provar rótulos exclusivos, como o espumante feito só para eles com a uva PIWI Sauvigner Gris — que você não encontra em outro lugar.

¹ Vinoloog: título holandês para especialista em vinhos, obtido após programa oficial de formação e exames da Wijnacademie, instituição de referência nos Países Baixos.

Tanques de aço inoxidável – um projeto moderno em pausa, guardado entre paredes históricas. Crédito: Arquivo pessoal Waleska Schumacher

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