Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO, fundadora e CEO do Grupo Vivejar, Marianne Costa, fala sobre os temas que fundamentam o 1º Fórum Brasileiro de Turismo Responsável
De 11 a 14 de setembro de 2025 será realizado, em Brasília (DF), 0 1º Fórum Brasileiro de Turismo Responsável. O evento idealizado pelo Grupo Vivejar é resultado da mobilização de redes, movimentos e organizações que priorizam o turismo como ferramenta de transformação social, cultural e ambiental. Ele homenageia a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
Por Zaqueu Rodrigues (Colaboração)
Em quatro dias, comunidades tradicionais, empreendedores, pesquisadores e lideranças públicas e privadas debatem o protagonismo do turismo no desenvolvimento sustentável do Brasil. “O Fórum será um grande espaço de escuta, aprendizado e articulação em defesa de um turismo que respeite pessoas, territórios e o planeta”, diz Marianne, realizadora do evento.
A programação reúne feira cultural de artesãos, plenárias, rodas de conversa, premiação de iniciativas transformadoras, oficinas e vivências culturais. “Cada atividade foi pensada para fortalecer o protagonismo de quem transforma o turismo em ferramenta de resistência e geração de renda nos territórios. O evento é um chamado para colocar a responsabilidade social, ambiental e cultural no centro das decisões que movem o turismo brasileiro”, aponta.
Nesta entrevista ao DIÁRIO, Marianne Costa detalha o propósito do 1º Fórum de Turismo Responsável, fala sobre a importância do Turismo de Base Comunitária e o papel do setor frente aos grandes desafios da sociedade, sobretudo ambientais. A entrevista está dividida em tópicos, acompanhe:
O 1º Fórum Brasileiro de Turismo Responsável
Ele nasceu para ser um ponto de virada no turismo do Brasil. Em 2023 fizemos um acordo de cooperação técnica entre o Instituto Vivejar, a ECA USP, o Ministério do Turismo e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para pesquisar entre os alunos do Instituto Vivejar aqueles que tomaram responsabilidade em suas áreas. Construímos um grande projeto de pesquisa, criamos critérios e chegamos em 20 casos de pessoas – de diferentes realidades geográficas – realizadoras de projetos transformadores. Desses 20, selecionados 10 para integrar o livro Turismo Responsável: Resultados que inspiram!
O livro foi lançado em abril de 2024 durante a WTM Latin América. A obra apresenta um panorama do movimento pelo Turismo Responsável, sustentável e inclusivo, conceitos-chave e dicas de como podemos nos engajar nessa direção. O nosso compromisso, naquele momento, era criar um evento para dar continuidade a todo o trabalho que vinha sendo discutido no livro. Para mim é um compromisso jogar luz em quem está fazendo as coisas certas e que não, necessariamente, acessam os palcos, os espaços de divulgação, de comunicação. O foco é priorizar e dar oportunidades a essas pessoas que estão fazendo a diferença. O livro foi o começo desse trabalho. Assim nasceu o Fórum Brasileiro de Turismo Responsável.

A política do turismo
A escolha de Brasília como palco para o evento é para marcar essa presença e influência na política pública. O turismo é pautado pela política e a gente precisa ainda avançar muito nesse sentido. Temos uma política de regionalização, um plano de divulgação do Brasil, mas essas iniciáticas precisam descer para os estados e os municípios. A gente tem a regionalização. Então, é muito importante que esse debate aconteça aqui em Brasília. Além disso, o turismo é muito transversal. A gente tem muita interface com o meio ambiente e toda a política ambiental, ainda mais em um ano de COP 30 no Brasil, de mudanças climáticas…
É tempo de tomarmos mais responsabilidade. O turismo é responsável por quase 10% das emissões de Carbono do mundo. É fundamental que a gente trabalhe com essa articulação com o meio ambiente. Dentro do turismo de Base Comunitária, temos os Povos Tradicionais, temos o Afroturismo, que agora virou política pública, tanto pela Embratur quanto pelo Ministério do Turismo. Temos o Turismo Indígena, com instrução da FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e todo esse diálogo que precisa acontecer. É muito importante realizar o evento em Brasília chamando essa importância para o turismo.
O turismo brasileiro, infelizmente, foi perdendo a força nesse processo político do Brasil a ponto de a gente não o reconhecer mais como uma prioridade. É muito importante que a gente posicione que o turismo é, sim!, uma atividade econômica que gera renda, mas que também preserva, gera desenvolvimento, educação e transformação social. Para isso, precisa ser feito de forma responsável. A gente precisa estar alinhado para que o turismo volte a ser priorizado nas pautas política e econômica do país.
Investimentos
O turismo precisa de investimentos. Em um país como o nosso, não podemos aceitar que o turismo não seja prioridade. Eu acredito no turismo como uma das principais potências para o Brasil. Somos a maior biodiversidade do mundo. O turismo é uma das atividades que podem trazer desenvolvimento aliado à preservação. O Fórum Brasileiro de Turismo Responsável nasce para que a gente marque essa presença e toque em pautas que são importantes.
Hoje, o turismo responsável é falado nos grandes eventos, mas de um modo sempre corrido. Não há uma gravação, um plano de continuidade do que foi debatido para que se possa avançar no tema de modo permanente. A intenção do Fórum é ser esse evento no qual a gente debate, mas também gera resultado. Faremos uma publicação do que for abordado para dar continuidade e pautar as políticas públicas.
O Fórum tem uma parceria com o Lets (Laboratório de Estudos em Turismo e Sustentabilidade da UnB – Universidade de Brasília. Os professores estarão conosco para criar essa publicação com as pautas debatidas e os resultados do evento. Isso é importante para que a gente tenha a continuidade desse diálogo e para que, a partir do ano que vem, por exemplo, que é um ano de eleição, tenhamos uma base para fundamentar as políticas do turismo.

Valorizar a base do turismo
O Brasil precisa desenvolver políticas públicas para o Turismo de Base Comunitária. Para se ter uma ideia, a Argentina tem políticas de Turismo de Base Comunitária há muitos anos. O Chile também tem. Os nossos vizinhos sul-americanos são maravilhosos nesse sentido, e contam com redes de trocas de experiências. O Brasil não pode ficar atrás. É muito importante investir nesse turismo, pois é a grande tendência do Brasil.
No Brasil, tem muita coisa acontecendo na base do turismo, mas refletindo pouco na política. O Plano Brasis, que é um plano de marketing internacional da Embratur, que é muito atual, já traz os avanços considerando os critérios de responsabilidade. O Fórum é um momento para celebrarmos esses avanços e para que a gente possa avançar mais. É muito importante termos um espaço para reunir todo mundo que quer olhar para isso. É um tema transversal, que precisa ser trabalhado desde a gestão pública, associações, promoção, comercialização, cadeia de distribuição…
Oportunidade
O Turismo de Base Comunitária é a grande oportunidade para o Brasil. É por ele que a gente tem o meio ambiente preservado. São comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas… que estão resistindo e preservando a terra, a cultura, seus espaços. É preciso fazer disso geração de renda, de educação. Os povos indígenas falam muito sobre isso: ‘queremos trazer as pessoas aqui para que rompam seus estereótipos, para que escutem o nosso lado da história e quebrem seus preconceitos’.
Eu realmente vejo o turismo de base comunitária como uma grande oportunidade de inovação para o Brasil. A gente não vai deixar de vender sol e praia, não vamos deixar de vender luxo. Não é sobre isso. As coisas conversam. A gente agrega valor. Uma recente pesquisa da Embratur, com DMCs, mostra que o que se sente falta nas experiências é justamente a vivência nas comunidades. O turista está pedindo. O mercado está demandando. As experiências existem de modo muito genuíno e verdadeiro nas comunidades tradicionais.
O turismo tem a oportunidade de ter um olhar mais inclusivo, oferecer oportunidades para as pessoas empreenderem, qualificar. Para isso, essas pessoas precisam estar nesses espaços como protagonistas. São Luís (MA), por exemplo, está fazendo um trabalho muito bacana, coletivo, com as associações locais. E o destino também continua recebendo turismo de massa. Não é sobre o volume; é sobre a forma.
É tempo de falar sobre esses temas importantes. Não dá mais para a gente ter essas aberturas de eventos somente com homens brancos. Isso não representa o turismo brasileiro. Na abertura do Fórum de Turismo Responsável teremos a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, mulheres indígenas, mulheres negras… Colocaremos lideranças de Norte a Sul do Brasil para dialogar como protagonistas. O Fórum é também um espaço de letramento, principalmente em pautas mais sensíveis. A gente está sempre aprendendo.

Dados direcionam
O turismo brasileiro não tem dados consistentes, principalmente sobre a demanda. Falta essa orientação. Temos áreas que têm dados em tempo real. O tempo todo toma-se decisões baseadas nesses dados. Precisamos ter isso no turismo também. Temos estados que têm seus observatórios de turismo, mas falta olhar para esses dados e desenhar políticas públicas fundamentadas neles. São poucos os que estão construindo com base nisso. Temos que profissionalizar isso. A gente tem condições para uma virada no turismo. Temos boas universidades, como a UnB, temos tecnologia, inovação… A gente precisa organizar e sistematizar.
A produção de indicadores é um dos compromissos do 1º Fórum Brasileiro de Turismo Responsável. O evento faz essa aproximação com a academia para a produção e divulgação desses resultados, metas, gestão de carbono e resíduos… O evento não terá plástico; todos receberão uma garrafa para beber água nos bebedouros espalhados pelo local. Orientamos todos os participantes a não levarem folheterias… São tomadas de responsabilidade que estão dentro do tamanho do nosso evento. Quanto maior o evento e maiores os recursos, maiores devem ser essas responsabilidades.
A produção de dados é importante para que a gente possa comprovar a importância do turismo para os governantes, para criar políticas públicas, gerar investimentos. A gente mensura indicadores de forma muito amadora. O turismo é muito disperso. É uma cadeia muito permeável. A gente conhece muitas empresas ótimas, bem-intencionadas, mas que não conseguem comprovar seus impactos positivos. A falta de prioridade política ao turismo vem muito dessa falta de indicadores de dados.
Projeto para o turismo
O turismo é uma atividade que dá resultado a médio e longo prazo. Muitas vezes ele não é prioridade para os governantes porque a gente tem essa troca de lideranças e partidárias de 4 em 4 anos, e buscam resultados muito rápidos. E o turismo, infelizmente, não é assim. O turismo precisa de um tempo para a estruturação de produto e depois um tempo de acesso ao mercado. É um trabalho que leva tempo, requer paciência, projeto.
Outro desafio é que as pessoas que decidem para onde vai o dinheiro no turismo são as pessoas de sempre, que não se atualizaram com as demandas atuais. A gente tem no Brasil um projeto público e privado de desenvolvimento para o turismo ainda muito desatualizado. Nós, mulheres, somos a maioria no turismo, somos nós que estamos na base fazendo o turismo acontecer, e precisamos estar nas posições de tomadas de decisões sobre os rumos do turismo e dos investimentos.
Uma mulher empreendedora no turismo tem muito mais dificuldade para acessar crédito do que um homem. A mulher não acessa crédito, não tem apoio, não cresce. Se é mulher preta, mulher indígena, é mais difícil ainda. O turismo não pode mais ficar privilegiando sempre as mesmas pessoas. O turismo acontece nos interiores, na ponta. É ali que as melhores experiências acontecem, e ao mesmo tempo são os lugares que mais precisam desse olhar.

O turismo e a preservação
Todo mundo tem que tomar responsabilidade. Tem duas pautas hoje que são universais: emissões de Carbono – pegada de Carbono, mudanças climáticas. A COP 30 está no Brasil e este é o momento. Se ainda não está fazendo alguma coisa, tem que fazer. E a outra pauta é uso de plástico único. Nessas duas coisas, todo mundo que trabalha com turismo, independentemente do lugar que está, precisa olhar para isso.
Não há com o turismo não tomar responsabilidade em relação ao meio ambiente. É uma pauta transversal. Por isso, para mim, é fundamental homenagear a Marina Silva no 1º Fórum Brasileiro de Turismo Responsável. Ninguém, hoje, fez mais pelo turismo do que a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, uma mulher que tem a sua luta reconhecida internacional. No Brasil, dentro de terras indígenas, o nível de preservação é imensamente maior. E o turismo vem como aliado dessa preservação. Para além disso, ele tem um papel de educação, de transformação. A gente não cuida do que a gente não ama, e a gente não ama o que a gente não conhece.
Essa consciência está no centro do Fórum Brasileiro de Turismo Responsável. Temos workshops sobre Afroturismo, sobre Turismo Indígena, debates sobre segurança, Turismo de Base Comunitária, sobre certificações, o turismo como aliado na defesa dos territórios. Quem trabalha com turismo sabe que há muitos territórios ameaçados, seja por especulação imobiliária, garimpo, monocultura, tráfico de drogas, intolerância religiosa, extração ilegal de madeira… Se o turismo não for responsável, pode agravar esses problemas.
Se a gente continuar tendo gerações de crianças e jovens que não conhecem o Brasil, que não se conectam com suas raízes, com a terra… O que serão delas? Uma completa desconexão. Elas vão achar que isso não é delas, que não lhes pertencem. Crescem sem a consciência de preservação da vida, de defesa de direitos, antirracistas, valorização cultural. O turismo tem esse papel de educar e conscientizar. O turismo é essa grande oportunidade. O Fórum Brasileiro de Turismo Responsável é sobre o coletivo. A gente não faz e nem muda as coisas sozinhos. Precisamos caminhar juntos. Esse é o chamado do evento.
SERVIÇO:
1º Fórum Brasileiro de Turismo Responsável
Quando? De 11 a 14 de setembro de 2025
Onde? Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) | SGAS I Setor de Grandes Áreas Sul 902 , 75 Asa Sul | Brasília, DF
Valor: a partir de R$ 249,50* (meia-entrada). O valor dos ingressos já inclui alimentação no local.
QUEM É MARIANNE COSTA?

Empreendedora social há 18 anos e apaixonada pelo Brasil. CEO e fundadora do Grupo Vivejar. Consultora, facilitadora e palestrante em todas as regiões do Brasil, em 16 estados brasileiros, atuando diretamente em mais de 45 projetos em 75 comunidades brasileiras. Desde 2016, atendeu mais de 300 turistas na Vivejar Experiências e desde 2020, foram mais de 1.300 alunos através de seus cursos próprios no Instituto Vivejar. Fellow de programas internacionais de apoio a lideranças femininas, ganhadora e finalista dos principais prêmios do setor, Marianne Costa foi indicada pela Nissan a carregar a tocha olímpica em 2016 em razão da importância do seu trabalho no Vale do Jequitinhonha.
Trabalhou com governos federal e estaduais, organizações e associações nacionais e internacionais, além de coletivos, associações e negócios comunitários. Tem no Turismo Responsável e Turismo de Base Comunitária suas estratégias de desenvolvimento para o Brasil.
Por toda esta experiência, Marianne Costa é jurada dos principais prêmios na sua área de atuação. Designer de experiências turísticas responsáveis e coautora do livro “Turismo Responsável: resultados que inspiram”.
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