Havia no tempo, uma prática medicinal, prescrição
médica:
Mudar de ares. Gente enfastiada, anêmica, insatisfeita,
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nervosa da cidade, descorada, falta de apetite, vinham
tentar melhoras
nos ares sadios, no leite farto e frutas das fazendas.
Eram bem aceitos e se fazia grande hospitalidade
antiga.
Tudo de melhor para os hóspedes. Havia mesmo na
fazenda dois quartos
chamados quartos de hóspedes.
Deixávamos as camas, passávamos a dormir no couro,
o que adorávamos,
nos colchões barulhentos de palha nova que ajudávamos
a rasgar.
Um forro grosseiro e uma coberta de tear bastavam
para nós.
Dormíamos de três a quatro juntas, e que sono!
Acordávamos cedo e corríamos para o curral.
Copos e canecas na mão e o primeiro apojo espumado
e morno
tinha um gosto renovado e puro.
depois, o mundo do engenho. A garapa da cana
serenada,
a garapa fervida, o melado com mandioca cozida no
respiradouro da fornalha,
“forrando o estômago” para o almoço às nove horas,
Invariavelmente.
Aqueles hóspedes ganhavam novas cores, nutrição,
nesse regime de fartura
e ares puros. Banhos nos ribeirões, passeios pelos
campos.
Comiam fruta do mato, carne de caça, leite de curral,
ovos quentes, gemada,
transbordando os pratos de mingau de fubá fino,
de milho, canjica.
Café com leite, chocolate, a que se adicionavam gemas
batidas, ovos quentes.
Tudo substancial e forte. Voltavam outros para a cidade,
carregando ainda lataria de doces e frutas do quintal,
ovos, frangos
e queijos. Era a regra do tempo, Aqueles hóspedes
alegravam
e se tornavam amigos, prometendo voltar.
Quando a gente menina esquecia alguma regrinha da
boa cortesia,
era chamada de parte, corrigida, admoestada
acima de tudo nos velhos tempos,
os deveres sagrados da hospitalidade.
Cora Coralina, Melhores Poemas – Editora Global – 2008 – pg. 181 – 183; Seleção de Darcy França Denófrio