Nova Delhi – Índia – É um ritual de fé. Mas é também um ritual pagão. Necessidades espirituais se misturam ao ato de sobreviver. Cada dia e sempre. É madrugada e o movimento já é intenso. Dezenas de pessoas limpam arroz, descascam cenouras, cortam batatas. Há quase 350 anos é assim. Mais de cem de voluntários preparam comida para milhares de pessoas.
Não importa a cor, a raça a religião. Ninguém faz perguntas. Todos são bem vindos. Por dia , são preparadas e servidas cerca de dez mil refeições. Por mês, 300 mil. Por ano, mais de três milhões e meio. Imposível fazer a conta de quantas almas foram alimentadas gratuitamente desde 1667, quando tudo começou. Estou em Bangla Sahib, Nova Delhi, Índia. Aqui, o trabalho não para nunca.
É a segunda vez que visito a Índia, mas a primeira neste templo ‘Sick’. Engraçado pensar que esta etnia surgiu a partir de guerreiros. Hoje a guerra deles é contra a fome.
Balançando a cabeça à moda indiana, uma criança faz pose. Percebe que aponto a câmera para ela. Sentada ao lado dos pais, aguarda a refeição como se fosse uma brincadeira. Os pais se ajeitam. Tambem querem aparecer bem na foto. Não sabem quem sou, de onde sou, muito menos o que faço. Não importa. Na cozinha, um exército trabalha em ritmo frenético para servir lentilhas, pão quente, legumes, guisados, molhos diversos.
Divididos por turmas de aproximadamente mil pessoas, crianças, velhos, senhoras, desempregados, homens santos e pagãos esperam sua vez. Um batalhão de homens inicia os trabalhos distribuindo bandejas. Outro vem atrás dando pães quentes. E um terceiro serve comida em pequenos caldeirões fumegantes. Tudo é muito rãpido, tudo é muito simples, tudo é muito inverossímel para nós ocidentais. O espetáculo de cores e aromas proporciona um momento único de envolvimento, de despreendimento. Mentalmente comparo a cena aos nossos abrigos no Brasil. Nenhuma semelhança a não ser saciar a fome. Esta sim, universal. Fome é fome. Aqui na Índia, no Brasil ou em qualquer lugar. Mas aqui, na terra dos 330 milhoes de ‘deuses’, a experiência soa diferente. Parece diferente. É diferente. Olho para a multidão recebendo a comida como algo sagrado e mundano ao mesmo tempo. Não, não há gente miserável. Ao contrário, vejo muitas famílias asseadas, limpas, felizes. Outra característica deste país. A felicidade apesar da dificuldade.
Divididos por turmas de aproximadamente mil pessoas, crianças, velhos, senhoras, desempregados, homens santos e pagãos esperam sua vez |
“Ninguém vem para a Índia e volta o mesmo”, afirma Cristiane Cury, paulistana apaixonada por este lugar único. Coordenadora de turismo especializada no atendimento aos brasileiros, veio para cá em busca de auto-conhecimento. “Não só encontrei, como morei por aqui durante vários anos,” complementa. Hoje, representa a Indo Asia Tours no Brasil, uma empresa que presta serviços para brasileiros que buscam algo mais na vida do que simplesmente viajar para lugares exóticos. “Independentemente de religião, é uma viagem que representa um investimento pessoal, emocional e espiritual”, acrescenta esta paulistana, que teve a vida mudada para sempre depois que pisou em terras ‘hindus’.
Enquanto conversamos ao som de milhares de pessoas comendo, penso como a felicidade é uma questão de ponto de vista. Alguns são felizes com um punhado de comida, outros são infelizes com montes de dinheiro…E você? Esta feliz? Não tem certeza? Que tal conhecer a Índia e descobrir?
Talvez entao você perceba o significado de Namastê! Ou seja: “ O ‘Deus’ que existe em mim saúda o ‘Deus’ que existe em você!
* PAULO PANAYOTIS – jornalista, fundador do Portal OQVPM – O Que Vi Pelo Mundo. Faz mídia training e palestras sobre comunicação e turismo. Tem passaporte carimbado em mais de 50 países.