Quando o guia de turismo substitui o professor de história na viagem

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15 ANOS DIÁRIOS – PUBLICADO EM 11 DE JUNHO DE 2018

Alguns guias fazem a gente sentar no banco de escola para assistirmos aquela aula que faltamos

Por Paulo Atzingen*

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Embora acreditemos que os guias de turismo sejam profissionais que se dediquem especificamente a alguns assuntos próximos à sua geografia e, como executivos da frente da batalha campal, necessitam ser objetivos e dinâmicos, há os que estão acima da média e são verdadeiros mestres na arte de apresentar um destino. Como todos os profissionais, existem guias de turismo que sabem de cor as datas, os nomes, os números e informações corriqueiras que abastecem a curiosidade rasa ou mediana da grande parte dos turistas. São os típicos guias populares que ficam amigos por um dia dos turistas, já que oferecem informações prontas, frases de efeito e descrições batidas (mas importantes) como o chão que o goleiro pisa. Ficam tão amigos de seus clientes que são incluídos nos grupos do whatszap, que dura um verão.

 Mas existem guias de turismo que sabem um pouco mais e parecem professores de história.

Vejam o Borges Júnior, da Luck Receptivo, de Pernambuco: estávamos em viagem pelas terras do frevo e do maracatu e não é que entre Porto de Galinhas e a Praia dos Carneiros este guia nos levou ao Brasil Colônia, à época das Sesmarias? “A sesmaria, assim como as capitanias hereditárias, não garantiam ao donatário a propriedade das terras, mas apenas o direito de usufruir da terra para seu cultivo. Assim como a cana de açúcar”, apontava Borges para a vasta monocultura do município de Ipojuca, enquanto viajávamos para a Praia dos Carneiros, um paraíso nordestino.

Alguns guias fazem a gente sentar no banco de escola para assistirmos aquela aula que não nos foi dada, aquela que faltamos ou não prestamos atenção. Alguns guias fazem o link das pontas da nossa história com a história do lugar que estamos apenas de passagem.

“Abreu e Lima foi filho não reconhecido do Padre Roma. Este padre, juntamente com Frei Caneca, foi condenado à forca em Recife, por volta de 1817, na Revolta dos Padres”, disse Borges ao comentar sobre a derrocada da refinaria Abreu e Lima, que sofreu com a crise da Petrobrás. Era incrível. O homem buscava um fato histórico antigo e ligava a um fato histórico recente dando significado à viagem brasileira no tempo e no espaço. E antes de ficarmos tristes com o Brasil atual ele continuava: “O objetivo da revolta dos padres foi tornar Pernambuco independente. Pernambuco foi um país independente de Portugal e do Brasil durante 75 dias, visse?”, afirma-perguntando na forma mais pernambucana possível.

No caminho, já no município de Sirinhaém, paramos para fotografar o engenho de açúcar Tinoco, que se ergue à beira da rodovia PE-60 (Crédito: DT)

Não se avexa

Júnior não se avexa quando pergunto sobre os primeiros habitantes de Ipojuca. Explica que os primeiros colonos da região ipojucana expulsaram os índios caetés do sul de Pernambuco para o interior do estado. “A fertilidade do solo, rico em matéria orgânica era excelente para a lavoura de cana, no entanto os índios não eram bons de trabalho. A solução para isso foi o trabalho dos negros que vinham de Angola”, lembra o guia de turismo.

“Na invasão dos holandeses, no século XVII, vários engenhos de portugueses estavam instalados por aqui. Um grande senhor de engenho, o capitão-mor Amador de Araújo,  participou da resistência aos holandeses”. Questionado quando aconteceu isso tudo, o guia não tem dúvida: “A luta, segundo os livros de história, começou em 17 de julho de 1645. A derrota dos holandeses aconteceu em 23 de julho de 1645”, detalha Júnior Borges com memória privilegiada.

No caminho, já no município de Sirinhaém, paramos para fotografar o engenho de açúcar Tinoco, que se ergue à beira da rodovia PE-60. O engenho destaca-se por possuir um aqueduto, uma Casa Grande, uma capela e uma possível moenda, de onde sai uma chaminé formando um conjunto arquitetônico típico do Brasil colonial.

Outros nomes, datas e acontecimentos Júnior Borges nos relatou durante a curta viagem à Praia dos Carneiros, mas o que é importante dizer é isto:

Profissão regulamentada

É preciso que se reconheça a fundamental necessidade deste profissional, que tem a profissão regulamentada pela Embratur desde 1993. São autônomos, que oferecem ao turista e ao visitante a oportunidade impar de projetar seus ouvintes a um estágio mais elevado de informação, acima da mera descrição, além de adjetivos.

Esses profissionais, repito, não podem ser meros repetidores do status quo. Devem ter senso crítico, devem ser curiosos e estudarem com afinco o destino no qual estão inseridos. Esses profissionais têm o grato trabalho de nos apresentar novos significados, novos ângulos e sensibilizar os visitantes, apresentando novos horizontes, formas de vida, compartilhando seu conhecimento. Devem, portanto, serem valorizados pelos turistas e pelas empresas empregadoras.

Equipe de guias de turismo da Luck Receptivo, que atua em Porto de Galinhas (Crédito: divulgação)

Trago de Porto de Galinhas a grata satisfação de saber que ainda temos guias de turismo na sua máxima extensão da palavra e significado.

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