Start up lança novo trem noturno entre Berlim e Bruxelas e já planeja novas rotas. Mas regulamentos nacionais dentro do bloco ainda são entrave.
por Lisa Stüve/DW
É domingo, pouco antes das 23h. Na Estação Central de Berlim, passageiros aguardam o próximo trem: o novo trem noturno para Bruxelas. Na espera na plataforma 14, há sobretudo pessoas com mochilas, algumas com bicicletas. “Não estou tão empolgado, pois já viajei muito em trem noturno. Mas estou curioso”, admite Eugenio, da Itália. Ele espera que iniciativas como essa, idealizadas por pequenas empresas, ajudem a impulsionar o ramo.
Veja também as mais lidas do DT
Comissão da UE quer promover tráfego ferroviário
Todos os anos surgem novas conexões entre as cidades europeias. Na liderança está a Ferrovia Federal Austríaca (ÖBB), embora empresas menores também estejam entrando no mercado. BTE BahnTouristikExpress, Snälltaget, RegioJet, Flixtrain, WestBahn, ILSA e European Sleeper são apenas alguns exemplos de pequenas iniciativas que aquecem o mercado atualmente.
Pelo menos é essa a avaliação de Josef Doppelbauer, chefe da Agência Ferroviária Europeia (ERA). O fenômeno caminha de mãos dadas com as metas da Comissão Europeia, que deseja tornar a Europa climaticamente neutra até 2050 com a ajuda do chamado Green Deal (Acordo VerdeEuropeu).
A expansão e melhoria do tráfego ferroviário está explicitamente prevista para o setor dos transportes, também durante a noite e, sobretudo, além-fronteiras. O European Sleeper, especificamente, é um dos dez projetos-piloto que a Comissão pretende apoiar como parte do plano de ação para promover viagens ferroviárias transfronteiriças.
Velhos vagões, novas rotas
A ideia por trás parece óbvia: uma rede ferroviária que conecte as cidades europeias entre si — quem não é capaz de entender? Mas “conectar a Europa de trem” parece mais fácil do que realmente é. Afinal, há muitos desafios, diz Chris Engelsman, um dos fundadores da European Sleeper. A aquisição de beliches e vagões-leito é apenas uma delas.
Durante anos, os trens noturnos foram ignorados, com a produção de novos vagões sendo reduzida no mesmo ritmo. O que hoje circula nos trilhos já tem 30 anos, e a gama de vagões deste segmento é irrisória em toda a Europa. E ainda assim, há uma verdadeira corrida pelos veículos antigos e baratos, diz o especialista do setor de transportes Christian Böttger.
Ao contrário das expectativas, nenhum novo trem noturno chega à principal estação ferroviária de Berlim. Os carros parecem, digamos assim, um pouco fora de moda. Tráfego ferroviário moderno e transeuropeu, portanto, ainda é só uma vaga ideia.
Esperar mais não é opção
A European Sleeper está determinada a investir em novos vagões-leito com equipamentos modernos, garantiu Chris Engelsman em entrevista à DW. Problema é que esses trens custam caro. Em vez de passar anos investindo em novos vagões, portanto, a empresa optou pelo caminho pragmático: “No momento, é o que temos. Não há mais nada disponível. Tínhamos a sensação de que o trem noturno precisava entrar nos trilhos agora; que temos que começar já”, diz Engelsman. A empresa também quer crescer, e planeja novas conexões em breve — como Barcelona em 2025. Mas isso depende dos vagões de trens noturnos.
Regras nacionais atravancam os trilhos na UE
A falta de vagões noturnos é só um dos problemas — uma rede ferroviária europeia fragmentada por regras e regulamentos nacionais é o outro. O novo trem noturno, por exemplo, vai da Alemanha até a Bélgica via Holanda. Três países, três sistemas e regras diferentes.
Mas o que todos eles têm em comum? “Eles são orientados nacionalmente, ou seja, sempre pensam em categorias nacionais”, explica o fundador da European Sleeper, para quem a maior dificuldade é justamente o trabalho de coordenação entre as fronteiras nacionais.
Para Doppelbauer, chefe da agência ferroviária da UE, a chave para realmente conectar o tráfego ferroviário na Europa está na mentalidade europeia e na vontade política. Há anos que o bloco trabalha para reduzir o número de regulamentações nacionais, tendo já reduzido as regras técnicas de 14 para 6 mil. A principal deficiência das ferrovias, diz Doppelbauer, é que, “ao contrário da aviação ou da navegação, não há regras aplicáveis globalmente.”
Viagens transfronteiriças facilitadas
Em todo caso, as viagens transfronteiriças de trem noturno estão, sim, cada vez mais fáceis, apesar de todos os regulamentos. Vagões de passageiros e trens noturnos logo poderão circular em todos os países da UE e não mais apenas onde foram aprovados inicialmente. Isso significa que não só será mais fácil para os operadores, como também o valor de revenda dos vagões aumentará.
Para que isso aconteça, o chefe da ERA espera que o negócio se torne mais atraente para fornecedores menores de trens noturnos. Já para os viajantes, a UE planeja lançar em breve uma plataforma onde será possível comprar bilhetes de trem noturno em toda a Europa.
Mas a fim de tornar as operações mais fáceis para pequenas e grandes empresas, seria necessário não só abolir as regras nacionais na Europa, como também criar condições justas entre o transporte aéreo e ferroviário, defende o especialista em tráfego Böttger. Ele aponta sobretudo para a questão dos subsídios, que atualmente abarcam apenas o tráfego aéreo.
Avião vs. Trem
De acordo com as organizações Back-on-Track Europe e Transport & Environment, viajar de trem poderia ser entre 7% e 48% mais barato se os impostos fossem eliminados nas conexões ferroviárias transfronteiriças e os operadores ferroviários tivessem que pagar pouco ou nada de pedágio.
Com a rota Bruxelas-Berlim, o mercado europeu de trens noturnos fica uma conexão mais rico. “Esperamos, realmente, que outras iniciativas agora vejam que mesmo empresas muito pequenas são capazes de se colocar entre as grandes companhias ferroviárias e inaugurar assim uma nova rota”, disse Chris Engelsman à DW.
Afinal, apesar dos inúmeros desafios, o novo trem noturno está em circulação, conectando outras duas capitais da Europa e, assim, oferecendo a todos, caso queiram, uma alternativa ao avião.
Autor: Lisa Stüve