O andarilho das altitudes na galáxia brasilienses envia para a redação do DIÁRIO imagens de sua mais recente aventura na Serra do Caparaó.
Por Paulo Atzingen*
Thomae em suas viagens se envereda pelas brenhas naturais de um Brasil (e de um mundo) que foi deixado lá atrás quando o homem, em direção oposta, desceu a montanha para o vale e conheceu a cidade. Thomae segue em direção inversa e sobe.
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O plano da travessia no estômago do Parque Nacional do Caparaó, que está deitado entre o Espírito Santo e Minas Gerais era subir os três picos mais altos do parque: Pico da Bandeira, Pico do Calçado e Pico do Cristal. A região é um entroncamento de grandes serras e montanhas e foi quintal dos índios botocudos, observatório dos tapuias em tempos que lá se vão e mais recentemente playground dos tupis antes da chegada dos cara-pálidas. Foi ali também que aconteceu a guerrilha sem nenhum tiro de Caparaó – naqueles anos verdes dos coturnos e que entrou na história mas não apareceu nos livros.
Nomeação
O andarilho entrou pelo lado mineiro e fez uma breve parada no camping Tronqueira – que deve ter esse nome para lembrar aos visitantes da cidade que o mundo das retas e dos ângulos exatos ficaram para trás e que as palavras da serra e das brenhas nomeiam de forma direta tudo o que se vê e se toca, embora muita coisa ainda não tenha nome.
Na caminhada rumo ao Pico da Bandeira, (as fotos dizem isso) a natureza começa a se apresentar como uma mulher que sabe que é observada, mas deixa-se revelar à prestação. Entre uma trilha e outra, uma flor lilás desnuda-se, entre uma ribanceira e outra uma mariposa em recente metamorfose se mostra, entre uma biboca e outra um veio d’água se apresenta para matar a sede e manter a esperança da conquista.
Terras de JK
Lavam-se os rostos, enchem-se os cantis, encharcam-se o cabelo e atingem-se depois de algumas horas o camping Terreirão. Conta Thomae que ali algumas xícaras de café acompanhadas de pão de queijo dão a certeza que ainda se pisa em terras de Juscelino Kubitschek. O café, com grãos de Minas e o pão de queijo são o combustível para o ataque ao Pico da Bandeira, com os seus 2.892 metros de altitude.
A trilha chama para ser percorrida, falta pouco. O grupo de Thomae não se dispersa. É importante nessa hora a troca de incentivos, a ajuda mútua, coisas próprias dos montanhistas em especial antes do ataque ao alvo. Subir montanhas é um ato de fé e bravura, mais fé do que bravura, ou os dois juntos sem ordem de chegada. São cerca de duas horas do Terreirão ao Pico da Bandeira.
Alcança-se o cume, mas a névoa atrapalha a visão. Venta muito e o tempo muda. O sol se esconde e inibe a paisagem e a alegria. As fotos se calam.
Hora de descer. Já abaixo, a 100 metros do topo, Thomae volta-se para, em uma última tentativa, fotografar o Pico da Bandeira. E algo acontece: em um milésimo de segundo, alguém lá em cima segura o símbolo nacional, aquele mesmo que recebe o afeto que se encerra no peito juvenil -, que tremula em meio à névoa, abaixo da cruz, nítido. Thomae não pensou duas vezes e clicou, antes que o vento ou a nuvem mudassem de ideia. Nas montanhas os ventos e as nuvens mudam de ideias.
Como testemunha de um pacto entre a fé cristã e o estado brasileiro, Thomae desce a Serra do Caparaó com a alma alva, o corpo leve e o peito como se estivesse vindo de uma lavanderia.
*Paulo Atzingen é jornalista