Uma brasileira na Lufthansa

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Muito entusiasmada pela profissão, Cristianne é capaz de ficar por horas falando de sua experiência e de sua empresa, aparentemente sem se cansar

por Solange Galante*

Trabalhando como aeromoça há mais de 15 anos para a companhia aérea alemã Lufthansa, Cristianne De Rose Laforce conta um pouco de como é seu trabalho e porque ela adora a empresa. Acompanhe esta história em quatro partes.

O ano era 2000. A gaúcha Cristianne Laforce, hoje com 46 anos, estava cursando doutorado na área de Direito Internacional em Mannheim, cidade que fica a 70 km de Frankfurt, quando soube por uma colega que a Lufthansa oferecia vagas para estudantes universitários voarem por seis meses como comissários, nas férias de verão. Cristianne pensou “Isso foi feito para mim, pois adoro viajar!” Os voos eram todos internacionais para fora da Europa. A ideia da companhia era justamente cativar os estudantes universitários que gostassem de voar. “O treinamento durou três meses, e eu me apaixonei pela aviação.” Certamente, ela se lembrou do avô, que havia trabalhado na Varig na área de Imprensa e Relações Públicas, e dos pais, que formaram o primeiro “Casal Diamante” pelo acúmulo de milhas voando pela empresa aérea gaúcha.

Antes de trabalhar por seis meses na companhia, Cristianne confessa que realmente achava que comissário só trabalhava para servir o passageiro em suas principais necessidades em voo, mas descobriu, depois, que isso é secundário. “Trabalhamos muito como psicólogos, bombeiros, mães, amigos, enfermeiras, é muito complexo, e isso faz parte da fascinação do trabalho de comissário. No voo continental, ou seja, dentro da Europa, chegamos por exemplo às 6 h da tarde, e no dia seguinte às 7 h, 8 h da manhã já estamos saindo para voar de novo, mal dá tempo de comer alguma coisa, tomar um banho e ir pra cama, mas nos voos intercontinentais ainda há a oportunidade de sair e passear um pouco.”

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Mas, ao término do contrato, Cristianne retornou ao doutorado e permaneceu na Europa, pois tinha passaporte da União Europeia, para fazer um curso de pós-graduação na Grécia. Lá, conheceu o alemão que se tornou seu marido.

Porém, não mais que dois anos depois, ela estava de volta à Lufthansa, novamente como comissária de voo, e hoje mora com a família em Speyer, cidade de 50 mil habitantes, onde existe um famoso museu de aviação e a segunda catedral mais visitada da Alemanha.

Treinamento na Lufthansa

Muito entusiasmada pela profissão, Cristianne é capaz de ficar por horas falando de sua experiência e de sua empresa, aparentemente sem se cansar. “Vamos falar sobre o treinamento, então. Como é, na Lufthansa?” Ela não se faz de rogada. “No curso inicial fazemos um treinamento de ditching – o pouso na água – em uma piscina olímpica dentro de uma sala enorme, e é provocada até uma chuva artificial no local. Quando fiz meu treinamento pensei ‘Meu Deus, isto é outro mundo!’”. Ela também observa que muito do que se aprende para o trabalho de comissária de voo, também pode ser levado para a vida pessoal, privada. E ela dá um exemplo: “Todo ano passamos por treinamento de primeiros socorros em criança pequena, em adulto, e aprendemos a fazer uma espécie de checklist mental para o caso de acontecer alguma emergência médica a bordo, como uma parada cardíaca. Então, todos os comissários devem saber responder em 30 segundos onde temos desfibrilador e outros equipamentos de emergência em todos os aviões da Lufthansa, e quais os procedimentos para que a chance de se reanimar um passageiro seja muito alta. Justamente devido a esse treinamento, eu ouço também de alguns colegas que eles estavam, por exemplo, num parque ou num shopping center, e se acontece alguma coisa com alguém nesses locais, as primeiras pessoas que vão prestar socorro são comissários, que vão seguindo aquela checklist e vão ajudando o paciente até a chegada de um médico. Por sinal, quando o médico chega, invariavelmente até pergunta se trabalhamos na Lufthansa. Dois colegas já atenderam uma pessoa que passou mal em um shopping, começaram a fazer massagem cardíaca nela, e a chance de acontecer isso é maior em Frankfurt, onde existem muitos comissários.”

Cristianne à frente da sua empresa, em Frankfurt
Cristianne à frente da sua companhia aérea, em Frankfurt (Foto: Solange Galante)

O treinamento não é só inicial, todo ano é realizado um curso, com prova escrita e prática, sobre cada modelo de avião da empresa. “Por exemplo, eu voo o Airbus A340, o Airbus A320 e o Boeing 747. Então, para cada um deles eu tenho a minha carteira de habilitação e faço curso todos os anos para eles. Bem como o de procedimentos médicos (primeiros socorros), CRM, dangerous goods – como devemos proceder se encontrarmos alguma pacote suspeito, algum produto quer não poderia estar a bordo, principalmente depois do fatídico 11 de setembro, – e um curso de comunicação.” Como assim, curso de comunicação? Cristianne observa que os pilotos são bem diferentes dos comissários, são muito mais analíticos e diretos. “É um outro tipo de comunicação e nós, comissários, somos mais sentimentais, utilizamos mais o coração, até porque temos mais contato com o passageiro. E é interessante que às vezes os pilotos – mesmo as mulheres, já há bastante mulheres pilotos na companhia – conversam com a gente falando uma coisa e nós entendemos outra, por isso precisamos, uma vez por ano, ter esse contato mais próximo com o pessoal do cockpit para aprender a conversar com eles. Ainda mais agora que as portas da cabine deles estão sempre fechadas em voo, se eu ligo lá e digo ‘Está pegando fogo aqui’ preciso ter o jeito certo de falar. O que estou vendo? É fogo mesmo ou fumaça? É fumaça preta ou branca, tem calor ou não e como os passageiros estão reagindo? E os pilotos também aprendem a perguntar para nós o que precisam saber, pode ser que naquele momento a gente não consiga falar, bem como sabermos como informar ao passageiro se o piloto disser que iremos regressar e evitar o pânico.”

Se o comissário ou comissária não passa nesse curso anual, perderá sua licença para o determinado modelo de avião. Em um universo de cerca de 19 mil comissários – onde cerca de 80% são mulheres – a cada grupo aproximado de 1.500 a 2.000 deles há um supervisor, que conversará com seu subordinado para saber porque ele ou ela não conseguiu passar nos testes.

“Quando começamos na Lufthansa temos nosso salário inicial de comissário e a cada ano de Lufthansa temos um acréscimo. Hoje o inicial deve ser 1.500 ou 1.600 euros, bruto… E há algumas escalas de tempo de serviço pelas quais o comissário só pode passar se tiver feito cursos que são oferecidos gratuitamente pela Lufthansa, os soft skills, mas estamos sempre nos atualizando, independentemente disso, com os cursos de emergência, de comunicação intercultural, de sommelier, harmonização de queijos e vinhos etc. O curso de sommelier dura cerca de quatro horas.” Quatro horas tendo contato com vinhos: e depois? Ela explica: “Como bebemos vinhos, para não sofrermos acidentes ao ir para casa, ganhamos da empresa um pernoite em Frankfurt, ou então voltamos de trem. Aliás, é um dos cursos de que os comissários mais gostam…”

*Solange Galante é jornalista especialista em aviação

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