Valor Econômico
A Aerolíneas Argentinas opera com um déficit de quase US$ 1 bilhão. Metade desse valor refere-se a dívidas com fornecedores que incluem Embraer, Boeing e fabricantes de motores e componentes, entre outros. A empresa vai continuar a sobreviver do dinheiro do Estado por um bom tempo. Mas a nova presidente da companhia, a brasileira Isela Costantini, estabeleceu como meta zerar esse déficit em quatro anos e reduzí-lo pelo menos à metade o mais rápido possível.
Apesar das dificuldades, com só um mês no cargo, completado ontem, a executiva que o presidente Mauricio Macri contratou para salvar a estatal, conhecida como um dos maiores cabides de emprego da Argentina, já sabe como começar a arregaçar as mangas.
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Aos 44 anos de idade, a ex-presidente da General Motors Argentina vai aplicar na empresa aérea todos os conceitos de redução de custos que aprendeu nos 17 anos em que trabalhou na montadora americana. “Há uma série de processos cujas soluções são óbvias para serem mais simples, mais ‘lean'”, diz, usando palavra típica do vocabulário automotivo. Criado no Japão, o conceito “lean”, de trabalho sem estoque, garante linhas de montagem enxutas.
Para ajudar Isela um consultor já conhecido dos tempos de GM se encarregará de “workshops” com funcionários. O mapeamento das áreas para corte de despesas leva em conta, faz questão de dizer, manter o nível de segurança que uma empresa aérea exige.
A executiva, que nunca teve medo de avião, não esquece, no entanto, o pior voo de sua vida. Ao voltar de uma entrevista de trabalho, de Orlando para Chicago, em 1997, voou horrorizada, em meio a uma tempestade de gelo. Isela lembra até hoje as repetidas vezes em que todos os passageiros se deram as mãos e gritavam: “My God”.
Duas auditorias – a Price Waterhouse and Coopers (PwC) e a Ernst & Young – foram contratadas pela nova direção da Aerolíneas para buscar transparência em dados até aqui obscuros. O último balanço interno é de junho de 2015 e a KPMG ainda tenta concluir o balanço geral de 2014. “Cada dia aparece uma cobrança ou carta de alguma dívida em default”, diz a brasileira, filha de argentinos, nascida em São Paulo e que dividiu infância e juventude entre o Paraná e a Argentina.
Nesses 30 dias de gestão, a carismática Isela, eleita melhor CEO da Argentina em 2015, ainda não tem claro todos os problemas que envolvem a Aerolíneas. Mas tem certeza de que, como diz, não pode voltar a pedir ao governo “um cheque em branco para usar mais US$ 1 bilhão em dinheiro do contribuinte”.
Uma das maiores aberrações que ela viu desde que chegou na empresa foi um contrato com uma aérea de Rosário, a Sol, cujos custos eram bancados pela Aerolíneas. Isso apareceu quando Isela decidiu interromper os pagamentos de todos os fornecedores até tomar pé da situação.
A Sol bateu à porta pedindo seus US$ 71 mil diários mais combustível. O contrato foi suspenso imediatamente. Isela mal acredita que a estatal deficitária sustentava uma particular que ainda ostentava uma lucratividade de 12%. Ontem os funcionários da Sol mantinham protesto no Aeroporto Aeroparque, a poucos metros de onde fica o novo escritório de Isela.
Por uma recente decisão de seu antecessor, Mariano Recalde, o escritório da Aerolíneas mudou para instalações dentro do Aeroparque, o aeroporto central de Buenos Aires. Isela está instalada num elegante e enorme escritório com vistas privilegiadas para dois lados – de um, se vê todo o Río de la Plata; do outro está a pista do aeroporto. Dali, Isela faz planos para aumentar a receita da Aerolíneas.
Uma das ideias é elevar a oferta de serviços de carga da aérea, que opera hoje com 50% da capacidade. Outro plano é ocupar as horas livres da área de manutenção dedicada às aeronaves Embraer e validada pelo fabricante. Existe ainda, conta, um centro de capacitação para simulação de voos que anda bem ocioso.
A executiva sabe que terá dias duros pela frente. Ela já se encontrou com os dirigentes dos sete sindicatos que representam as diversas categorias dos 12 mil funcionários da companhia. Não se fala ainda em demissões na empresa que voltou para as mãos do Estado em 2008, no início do governo de Cristina Kirchner, depois de passar alguns anos sob o comando de um consórcio espanhol. Isela diz que no meio do que muitos chamam de “cabide de empregos” encontrou valiosos talentos.
Quando as coisas estiverem mais tranquilas, diz, vai pensar em estratégias como aproveitar melhor as 74 aeronaves, das quais duas são próprias. E também a área comercial, uma das especialidades dessa executiva formada em Marketing.
Faltou-lhe tempo para pensar em política de preços, concorrência e desativação ou não de rotas como algumas internacionais, muito criticadas pela própria equipe de campanha de Macri. Por enquanto, Isela não vai mexer nas rotas para o Brasil, apesar da crise. “O Brasil continua a ser destino importante, principalmente para o turismo argentino”, diz.
Um dia desses um analista perguntou à brasileira quais eram os planos para a Aerolíneas: “Vai transformá-la numa aérea ‘low cost (baixo custo)?”. Isela não pensou muito para responder e deixou clara sua obsessão para acabar com a gordura da estatal: “Por enquanto, preciso transformar a Aerolíneas numa empresa ‘lower cost’ (custo mais baixo)”.