Por Paulo Atzingen*
Esse infinito particular que a inteligência humana e a grana proporciona às pessoas – como ter um carrão do ano passado, um celular da hora e uma vida carregada de bens práticos, confortáveis e gostosos têm arrancado de forma sutil nossa vontade de andar e pensar. Não temos tempo e disposição para ir comprar pão na padaria, dialogar com pessoas e caminhar pela estradinha mental que soma um mais um é igual a…(deixa eu consultar o Waze ou o GPS….ah, ok, igual a dois). Os dedos ficaram mais musculosos e ganharam agilidade teclando pesquisas ginasianas no Google e as panças ganharam adiposidade extra por permanecerem sentadas. Caminhar e pensar têm sido uma luta para milhões…
Não, não se trata aqui de visão retrógrada e tacanha de quem não aceita o mundo com seus benefícios tecnológicos e as facilidades que ele proporciona, não é isso. Uso automóvel e tenho smartphone e Facebook, mas, ainda assim, luto para aproveitar melhor o meu tempo.
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O que eu vejo é a ausência do ócio construtivo que já foi defendido por inúmeros pensadores, entre eles Domenico de Masi em seu “O Ócio Criativo”…
Arranjar tempo para caminhar e ir à padaria a pé é diametralmente oposto aos quilos de CO2 que jogo no ar, quando sozinho, dirijo meu carrão de duas toneladas e vou flanar pela cidade em uma manhã de sol. Usar o celular 18 horas por dia com futilidades também é proporcional ao abismo que existe nessa nossa busca incessante de uma razão para as coisas e de entendimento de nós mesmos.
Não consigo pensar em nada enquanto trafego os olhos por alguns minutos sobre as mensagens do Facebook. A quantidade de informações que não preciso confundem minha mente que mergulha em um auto-flagelo enquanto luta por ar…
Não consigo pensar em nada enquanto trafego os olhos por alguns minutos sobre as mensagens do Facebook. Quando saio desse caleidoscópio de vaidades parece que cai em um buraco que me impede de olhar o horizonte externo, lá fora, na janela. A quantidade de informações que não preciso confundem minha mente que mergulha em um auto-flagelo enquanto luta por ar; frases de Machado de Assis se misturam a fotos de bolos de chocolate, versos de Carlos Drummond de Andrade se entrelaçam com um besteirol de declarações afetadas que nos levam à uma câmara de gás mental.
A teia de Mark Zuckerberg, criador do Facebook, tem feito milhões de vítimas em países ricos, pobres e remediados e, como moscas, se embaraçam à hipnose digital e quanto mais se debatem, mais se prendem.
Esse fenômeno global de mídias sociais – que poderia servir para tornar e criar seres melhores tem, na verdade, oferecido um palco iluminado para egos feridos, personalidades afetadas, perfis falsos e superficialidade de ideias e, principalmente ao culto hedonista, ou, para irmos direto ao assunto: “olha como eu me amo, como a minha vida é legal e a sua uma m…..”
Quando canso de amar a mim mesmo virtualmente e fingir que curto uma grande ideia ou foto que me sensibiliza, saio sozinho no meu carrão e vou jogar CO2 no ar. O conforto proporcionado pelo atrito do asfalto com a invenção pneumática me faz crer que somos seres que, à medida que ficamos mais rápidos e modernos, nos tornamos também mais imbecis, mais egoístas e mais corcundas, pois não tiramos o olho da telinha portátil.
O Pokemon Go talvez seja uma nova esperança. Além de nos obrigar a sair andando a pé o objetivo é matar o monstrinho.
*Paulo Atzingen é jornalista e fundador do DIÁRIO DO TURISMO
Otimo texto. Mas capturar o monstrinho com o dedo e os olhos grudados na telinha do aparelho andando sem destino, infelizmente, me parece que agora sim, andaremos distraidos mais do que nunca.