Pode-se dizer que dos anos 1990 para cá, pouco mais de 30 anos começou a nascer a indústria do vinho moderna, não tão ligada à tradição, mas usando a mesma para efeito de marketing e o surgimento de muitos escritores sobre vinhos.
por Werner Schumacher*
Um produto industrial precisa toda uma estrutura no seu entorno para ser vendido, desde a tecnologia de produção vitivinícola ao engarrafamento e colocação do produto no mercado, mas para vender ele precisa do marketing para ser vendido por si só, pois o local de oferta do mesmo é a charmosa gôndola do supermercado.
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A globalização também impulsionou este caminho, talvez tenha acelerado isto e mais empresas começaram a disputar por uma fatia cada vez maior. Novos “players” como gostam de dizer hoje, surgiram, entre eles: Estados Unidos, Austrália, África do Sul, Argentina e Chile, que somados aos principais produtores da Europa, formam o mercado global.
Como o produto está na gôndola do supermercado, é preciso fazer com que a garrafa se venda por si só, preceito do marketing, pois não há um vendedor para fazer tal tarefa. Com isto começaram a surgir garrafas de todo peso, tamanho, cor, etc. e rótulos os mais espalhafatosos possíveis.
A propaganda na televisão era um grande aliado, mas aos poucos começou a ser proibida e foi preciso inventar novos mecanismos. Surgiu então o merchandising e lembro de uma novela com a Tonia Carreiro, quando ela bebia o vinho Alfama da Mônaco e a empresa vendeu horrores, acabou a novela, caiu a compra.
Então começaram a surgir os escritores de vinho e muito dos quais chegaram a criar estilos de vinhos, como o Robert Parker Jr e muitos produtores passaram a produzir vinhos que agradassem ao seu Parker, pois da noite para o dia um vinho ia de US$ 3,00 a garrafa para US$ 300,00.
Mr. Parker criou o seu próprio boletim, The Wine Advocate, mas surgiram inúmeras revistas em todo o mundo e um monte de gente interessada em ficar famosa como o americano e alimentarem os consumidores com informações preciosas.
Indústria cresceu
Vieram então as escalas de pontos, os melhores vinhos e todo mundo foi mergulhando nisto. Cada um querendo ser melhor que o outro, ter a melhor escala de pontuação: de 5, 20, 100 e muitos ainda colocam um + depois. Listas incríveis.
E a indústria cresceu e muito neste período, principalmente, no que se refere a concentração.
Com isto também veio o GOSTO PADRONIZADO, pois todos deveriam beber pontos, listas e o gosto do crítico (escritor) de vinhos.
Conheço um lojista que manda fazer selos para colar nas garrafas que receberam altas pontuações e os clientes adoram comprar pontos.
Publicado há poucos dias, um desses críticos tem como manchete do seu artigo este título: “Quatro variedades de uva prosperando em lugares inesperados”, como se fosse impossível produzir Chardonnay e Pinot Noir fora da Borgonha, e cita a California, a Itália, não lembro se a Alemanha, como sendo promissores locais de cultivo dessas variedades.
Este cara deve ser um neófito, que fez alguns desses cursos que só valorizam lugares tradicionais, daí serve e que conseguem um espaço para dizer coisas sem o menor conhecimento.
Ditadores do gosto
Da Inglaterra para o mundo, também surgiram Escolas que formam profissionais altamente qualificados, com menos de 40, que surgiu para o mercado inglês e viralizou para outros países e aí encontramos um deles que dá 92 pontos para um vinho de uva Criolla, outra que adora Bret e assim, por diante.
Mas o mundo dá voltas e eles mesmos e demais ditadores do gosto, que querem delimitar o teu gosto e dizer o que tu deves beber, percebe-se estão despencando.
Quem viver verá a redemocratização do gosto.
Santa Lúcia do Vale dos Vinhedos, 29.06.2020
*Werner Schumacher estudou Economia na PUC/RS e é um dos responsáveis pela profissionalização da vitivinicultura no Brasil.