Os desajustes da economia do turismo no Brasil tornam inviável a hotelaria brasileira
A hotelaria brasileira está em crise. Praticamente não se constroem mais hotéis. Dos que existem, muitos estão fechando suas portas. São muitas as causas da crise. A mais eficiente delas é a concorrência predatória das hospedarias clandestinas.
Dilson Jatahy Fonseca Júnior, presidente da Associação Brasileira de indústrias de Hotéis–Abih, afirma que a tal “plataforma digital” Air BND é a grande responsável pela crise hoteleira. Este “negócio”, vamos chamá-lo assim, à falta de conceito jurídico apropriado, vem promovendo uma concorrência desleal, verdadeiramente predatória, no ramo da hotelaria. “O Rio de Janeiro deixou de arrecadar somas consideráveis em impostos, durante a Copa do Mundo e Olimpíada, por causa da Air BND”, denuncia o dirigente classista.
Acreditava-se que, em virtude dos jogos olímpicos, não haveria vagas nos hotéis cariocas. Aconteceu o oposto. De lá para cá, a taxa de desocupação só fez crescer. Cinco grandes hotéis do Rio estão à venda. Ou melhor, os edifícios estão à venda e, quando vendidos, serão destinados a outras atividades, não à hotelaria.
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A Air BND é uma espécie de agência de encaminhamento de hóspedes, não para hotéis, mas para residências particulares que queiram abrigar um hóspede temporariamente. Um pouso em casas particulares, como as pensões interioranas de antigamente. Por não ter encargos nem custos típicos de hotel, cobram muito mais barato pela diária de hospedagem. Funciona assim: o turista acessa o site e se cadastra. O candidato a receber turista em sua casa faz o mesmo. Identificada a vaga, o turista ordena o pagamento ao site, que por sua vez repassa o dinheiro ao hospedeiro, tirando antes a sua comissão. “É uma espécie de Uber da hotelaria”, salienta Dilson.
Tem, porém, uma diferença enorme em relação ao Uber, repara Manoel Cardoso Linhares, vice-presidente da Abih. “O Uber tem despesas, queima gasolina, gasta pneus; o hospedeiro agenciado pela Air BNB não tem gasto nenhum. A própria plataforma digital não tem gastos”.
Concorrência desleal
Um dos componentes que mais pesam na formação do custo da hospedagem em hotel, no Brasil, é a carga tributária incidente sobre o setor, 40%, segundo os dirigentes da Abih. Os “piratas”, como são chamados dos agenciados da Air BNB, não pagam impostos, não têm folha de salários, não têm qualquer encargo formal. Sequer emitem nota fiscal de seus serviços. Isto assegura-lhes o poder de oferecer diárias muitíssimo mais baratas que os hotéis, isto é, casas de hospedagem regularmente estabelecidas e submetidas à legislação específica.
“Na Air BNB só tem o que não presta”, ataca Manoel Cardoso. Ele se refere ao fato de os hospedeiros piratas não estarem sob qualquer forma de controle, o que faz deles a primeira opção de hospedagem para terroristas, gangsters, traficantes, proxenetas, menores fugidas de casa etc… “Nós trabalhamos na legalidade, e oferecemos segurança”, diz Manoel.
Para piorar, a sede desta Air BNB fica nos Estados Unidos da América. “O que esperar de quem não tem sua sede no Brasil mas exerce aqui sua atividade?”– questiona o dirigente classista. Apesar disso, as autoridades do Rio de Janeiro fecharam uma inexplicável e insólita parceria com esta entidade, o que acarretou uma quebra enorme de expectativa. A cidade e o Estado deixaram de arrecadar milhões em impostos. Perdeu-se uma oportunidade única de fortalecer o setor e, ao mesmo tempo, reforçar o caixa do Estado e da municipalidade.
Contraofensiva
A concorrência desleal da Air BNB exacerba um quadro depressivo que já vinha piorando em razão da crise econômica. Manoel e Dilson, proprietários de hotéis respectivamente em Fortaleza e Salvador, estão percorrendo os Estados brasileiros para mobilizar politicamente o setor. A Abih tem seções em todos os Estados. E, além disso, opera em sintonia fina com o sistema sindical do setor hoteleiro, congregados na Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação.
A ideia é, por meio da mobilização da classe, atuar, no próximo dia 7 de dezembro, junto à Comissão de Turismo da Câmara dos Deputados, buscando influenciar a votação de um projeto de lei que protege o setor da concorrência desleal e predatória, cujo relator é o deputado Herculano do Passo. Abih existe há 80 anos, sendo a mais antiga entidade patronal em atuação no Brasil. É uma entidade respeitada e prestigiada. Já a Federação congrega 69 sindicatos em todo o País, três deles em Goiás. Segundo Dilson, “as entidades estão unidas e coesas na defesa dos interesses legítimos do setor”.
Não existe turismo sem rede hoteleira. Segundo Dilson, de cada dez empregos gerados no país, um vem do turismo. O turismo brasileiro também está em crise, não apenas por causa dos problemas enfrentados pela hotelaria, mas também devido a uma série de gargalos. Um deles, segundo Manoel Cardoso, é a desorganização da malha aérea doméstica. Seria preciso uma reformulação das rotas aéreas e uma política de tarifas realistas. “Fica mais em conta fazer turismo na Europa do que no Brasil, por causa dessas distorções”, reclama Manoel.
O setor hoteleiro não é somente queixas e denúncias. Manoel afirma que a Abih tem sugestões. A entidade espera que os congressistas e as autoridades venham acatá-las. “Em primeiro lugar”, diz Manoel, “é preciso proibir locação predial para finalidade de hospedagem”. Além disso, é preciso cobrar impostos da Air NDB. Reduzir a carga tributária sobre a hotelaria seria também um incentivo de vasto alcance, pois não apenas aliviaria a pressão sobre o setor como, de resto, fomentaria o turismo doméstico.
Outra medida proposta pela Hotelaria é o investimento em mais divulgação dos destinos turísticos do Brasil. Divulgação não apenas dentro do Brasil, mas, também, no exterior. A facilitação de vistos de entrada seria, também, outra medida estimuladora do setor. Dilson lembra que a política de reciprocidade nem sempre atende aos interesses do Brasil. “É difícil para um brasileiro entrar nos Estados Unidos por causa de restrições à imigração ilegal; mas, no nosso caso, não é crível que cidadãos americanos venham ao Brasil para disputar empregos com brasileiros. Criando dificuldades aos americanos para ingressar no Brasil, eles vão procurar outros destinos turísticos, e nós é que perdemos”, explica.
Outra bandeira defendida pelo setor é a legalização de jogos em ambiente de cassino. Isto atrairia muitos turistas para o Brasil e estimula a hotelaria. Em quase todo o mundo, onde o jogo é permitido em lei, os cassinos em geral fazem parte da estrutura do hotel. Outra proposta é a instituição do chamado “trabalho intermitente”, ou seja, a possibilidade de se contratar empregados para receber apenas pelos dias trabalhados. Isto reduziria os encargos dos hotéis que, em baixa temporada, não têm necessidade de manter um vasto corpo de funcionários. Por fim, defendem os dirigentes da hotelaria brasileira a fixação em 10% a comissão dos agentes de viagem, que, em muitos casos, exigem até mais de 25% para encaminhar hóspedes dos hotéis.
DIÁRIO DA MANHÃ