Os dois últimos dias na região Norte da Costa do Marfim ascendemos ao reino dos Senoufo, na cidade de Korhogo, aldeia que guarda a cultura milenar do país. Terra e céu foram os limites.
Por Paulo Atzingen (De Abidjan)
Terra porque fomos recebidos por artistas e ritmistas tocando o balafon, um instrumento ancestral do xilofone, confeccionados manualmente. Terra porque depois de instalados, conhecemos a força artesanal do povo das aldeias da cidade. Visitamos os escultores em madeira no bairro Koko que vendiam máscaras, estátuas e cajados em Acajou e Ébano. Terra porque visitamos também os pintores de tecidos no centro da cidade, que utilizam toda a oferta da natureza para a produção de tintas.
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Céu
Céu porque foi possível observar a dança sagrada denominada boloye, no vilarejo de Waraniéné. Nossa chegada era aguardada pelos líderes da aldeia, mas mais ainda pelas centenas de crianças (na faixa etária dos 3 a 6 anos principalmente). Vimos ali um ritual de iniciação para jovens escolhidos no uso das habilidades tanto das mãos quanto dos pés.
Um olhar rápido descreveria como um espetáculo de ginástica artística, no entanto, o ritual, vai muito além disto.
Músicos locais tocavam o bologó e quatro jovens – vestidos dos pés à cabeça – representando felinos africanos, davam saltos mortais e seus movimentos acrobáticos audaciosos devem ter inspirado empresas circenses mundiais.
“Esta cerimônia serve para estabelecer a transição entre o jovem e o homem adulto, uma espécie de rito de passagem”, explica o guia e tradutor Boubakar Sanfo, líder tour do grupo de jornalistas e operadores que participam do press-trip pelo país africano.
“A partir da dança boloye e deste cerimonial os iniciados passam a ter responsabilidade como ter uma família e cuidar dela, trabalhar, valorizar a comunidade, entre outras funções “, explica Yacouba Cheri Bibi, guia local.
Aldeia Animista
As questões espirituais da viagem aconteceram na aldeia Niofoin, localizada a 30 quilômetros do centro urbano de Korhogo. O guia local Cheri Bibi adianta antes de chegar que o seu povo, embora tenha a cabeça na perspectiva da modernidade, mantém firme os pés na tradição.
As casas são feitas em madeira e argila e o pensamento é um só: estamos em uma aldeia essencialmente africana, com todos os seus símbolos e significados, com toda a sua realidade nua e crua, sob um sol dos trópicos. Crianças, sempre elas – se aproximam sem cerimônia e abraçam os forasteiros, se admiram com as máquinas fotográficas e se assustam com o drone que sobrevoa a aldeia colhendo imagens. As ocas das mulheres são redondas, as dos homens quadradas e os silos – mais estreitos – guardam todo o tipo de coisa, desde sementes a instrumentos de trabalho.
São 33 aldeias na região e estávamos na aldeia central, onde ficam os chefes da tribo e a “Árvore da Justiça”, uma espécie de tribunal, no epicentro da taba, que segundo o guia, tem mais de mil anos.
Ancestrais
“Temos uma religião autêntica e damos especial importância aos nossos ancestrais, pois são eles que fazem a transição entre a vida e a morte”, afirma Cheri.
A aldeia Niofoin e boa parte de seus integrantes adoram objetos deixados pelos ancestrais, o que se encaixa na corrente denominada de Animismo. “Temos a noção do bem e do mal. Os orixás são nossos ancestrais e têm controle sobre a natureza e sobre o destino do homem”, acredita Yacuba Cheri Bibi.
Embebidos dessas crenças milenares e guardando o respectivo respeito à cultura autóctone do morador local, retornarmos ao ônibus para voltar a pensar em coisas da terra.
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*O jornalista viajou South African Airways a convite do Cote D’Ivoire Tourisme com seguro GTA