por ANDRE DE OLIVEIRA
Se um dia, de passagem pelo viaduto de Santa Tereza, que liga a zona central à leste de Belo Horizonte, você olhar para seus largos arcos de concreto e sentir um leve ímpeto de escalá-los, saiba que você não é o primeiro a ter essa ideia. E não se trata aqui de falar dos óbvios grafiteiros e pixadores que deixam suas assinaturas nos pontos mais altos da construção. Mas de Carlos Drummond de Andrade. O poeta, como lembra o jornalista Humberto Werneck em seu O Desatino da Rapaziada, foi precursor do alpinismo urbano na capital mineira: “Uma noite, quando se equilibrava no ponto mais alto do arco do viaduto, Drummond recebeu voz de prisão, e desafiou o guarda a ir prendê-lo nas alturas. O homem julgou mais prudente relaxar a prisão”. O episódio aconteceu nos anos 20.
Em 1945, os quatro cavaleiros do apocalipse, composto pelos escritores Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, também se arriscavam nos arcos do Santa Tereza, imitando, ritualmente, o grande poeta brasileiro. Agora, no caso de você estar na praça Liberdade, a pouco mais de um quilômetro em linha reta do viaduto, e lhe bater uma nostalgia de tempos que não viveu, talvez você esteja sentindo a presença metafísica desse mesmo quarteto de escritores que corriam aos velhos bancos da praça para “puxar angústia”. Nas páginas do romance O Encontro Marcado, de Fernando Sabino: “Puxar angústia era abordar um tema habitual, como el sentimiento trágico de la vida, la recherche du temps perdu, to be or not to be”.
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Mas não é que Belo Horizonte, pródiga em ladeiras e ruas arborizadas, rescinda apenas aos seus 120 anos de história. Há uma energia nova e jovem em suas ruas. Pedestres para todo lado, comércios com portas abertas para as ruas e, ao mesmo tempo, uma certa calmaria interiorana, uma certeza mineira de que a pressa não levará a lugar algum. Isso tudo – sem mencionar as contradições inevitáveis que toda cidade brasileira carrega – é o que é possível perceber em algo como 72 horas na capital mineira. Tendo o tempo em ideia, o EL PAÍS preparou o guia abaixo com dicas para quem vai passar cerca de três dias e duas noites na cidade.
Praça Liberdade
Além de antigo ponto de puxadores de angústia, o entorno da praça abriga um circuito cultural abrangente com o Centro Cultural Banco do Brasil, o Museu Mineiro, o Centro de Arte Popular Cemig, o Memorial Minas Gerais Vale, entre outras instituições. Da praça, onde as pessoas fazem cooper no lugar do footing – técnica de flerte usada nos tempos de Carlos Drummond de Andrade que consistia em ficar dando voltas na praça: mulheres para um lado, homens para o outro – também é possível ver o Edifício Niemeyer. Inaugurado em 1955, o prédio é, bem ao estilo de Oscar Niemeyer, sinuoso em curvas que remetem à Serra do Curral, vista no horizonte da capital. Por ali, você também pode estender sua caminhada até as ruas lotadas de barzinhos da Savassi. Uma dica é a Growleria, uma portinha de garagem que vende chopps artesanais da região.
Praça do Papa
No sopé da Serra do Curral, que domina o horizonte, a praça do Papa é o melhor ponto para se ter uma vista panorâmica da capital mineira. O apelido vem da década de 1980, quando o Papa João Paulo II, em visita à cidade, fez seu discurso no local. Nos finais de semana, a praça fica cheia de famílias e crianças empinando pipas. Para chegar até lá, você provavelmente vai subir boa extensão da Avenida Afonso Pena, que corta todo o centro da cidade. Uma vez passando por ela, uma boa dica é parar na Casa Bonomi, uma padaria/restaurante fundada pela bailarina Paula Bonomi, que dançou durante anos no Grupo Corpo, outro patrimônio belo-horizontino, responsável por revolucionar a dança e colocar o Brasil no mapa internacional da arte.
Pampulha
É possível dizer que Brasília começou em Belo Horizonte quando, em 1942, Juscelino Kubitschek, então prefeito da capital mineira, convidou o arquiteto Oscar Niemeyer para desenhar um complexo arquitetônico às margens da recém inaugurada Lagoa da Pampulha. Lá, Niemeyer construiu uma de suas obras mais famosas, a Igreja de São Francisco de Assis, que, por seu caráter modernista e inovador, demorou a ser aceita pela Igreja Católica, sendo consagrada apenas 17 anos depois da inauguração. Além da igreja, há também o Museu de Arte, antigo Cassino, a Casa do Baile, o Iate Tênis Clube e a Casa Kubitschek. Caminhar ao redor da lagoa é um dos programas mais clássicos de Belo Horizonte, mas não deve ficar de fora de nenhuma visita. Ali perto, também está o Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão.
Sapucaí
À noite ou de dia, a rua Sapucaí é um dos lugares mais interessantes da cidade. Terminando no viaduto Santa Tereza, onde Drummond praticava seu alpinismo urbano, a rua ladeia o trilho do trem alguns metros acima da estação Central de Belo Horizonte. Do outro lado da Sapucaí e do viaduto, que passa por cima dos trilhos, uma miríade de prédios se estende à perder de vista. Alguns deles, foram recentemente pintados com grafites gigantes, como parte do projeto CURA – Circuito Urbano de Arte. Além disso, há grande variedade de bares e restaurantes que, no final da tarde, vão transbordando para a calçada até tomar quase que por completo a rua. Sentar na mureta e ficar observando os trilhos, o viaduto e os prédios grafitados é um dos novos e melhores programas da cidade. Ali perto também está o bairro de Santa Tereza, boêmio e também com muitos botequins, como o bar do Orlando e o Birosca.
Mercadão e Maletta
No centro da cidade, não deixe de visitar o Mercado Central. Parada quase obrigatória em todas as capitais brasileiras, o mercadão de Belo Horizonte não decepciona, guardando ainda um ar interiorano pouco profissional. Há diversas barracas de produtores artesanais de queijos e cachaças, além de artesanato, bares, restaurantes e uma seção surpreendente de venda de animais vivos: patos, gansos e galinhas são alguns dos bichos encontrados por lá. Agora, a visita realmente imprescindível é ao Edifício Maletta. À noite, o primeiro andar do prédio, misto de comércio e residência, é tomado por gente que se espalha em dezenas de bares e sebos. O Dub, um bar de drinques com vista para o Museu da Moda, localizado no antigo prédio da Câmara Municipal, é uma das novidades imperdíveis do Maletta.