Centro de São Paulo e os 100 anos da Semana de Arte Moderna: desolação, abandono e insegurança

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Importante e majestoso, o Centro de São Paulo despontava como núcleo econômico e cultural do país um século atrás.

* Raimundo Jesus G. R. – colaboração especial ao DT com REDAÇÃO


A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um marco cultural no mês de fevereiro daquele ano e a expressão da busca de um novo Brasil menos pé duro, roceiro e colonial e mais chique, inteligente e glamoroso.

O início desta revolução cultural ocorreu no miolo da capital de um estado produtor de café, no epicentro de uma cidade que ainda engatinhava política e economicamente, já que a capital do país era, à época, o Rio de Janeiro.

Abordagens históricas à parte – como o centenário da Independência, ocorrido em 1822, e o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1922 -, o Brasil vivia uma ebulição social, política e cultural, e artistas como Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Graça Aranha, Anita Malfatti, Victor Brecheret, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti e Plínio Salgado davam as cartas. Eles eram os modernistas.

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A maioria dos artistas era descendente das oligarquias cafeeiras de São Paulo, que junto aos fazendeiros de Minas, formavam uma política que ficou conhecida como “Café com Leite”. Nessa política, os paulistas e mineiros dominavam a cena nacional, se alternando no comando do país.

E foi justamente com o respaldo oferecido pelo governador de São Paulo, Washington Luís, que a Semana de Arte Moderna pôde acontecer.

A Semana de Arte Moderna aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo (Crédito: Geovana Fraga – DT)

Há 100 anos…

A Semana de Arte Moderna em São Paulo tinha que acontecer no lugar mais “cult” da capital paulista: o Theatro Municipal. O Centro era imponente, por seus altos e importantes prédios com escritórios e de moradia, praças, igrejas e catedrais, teatros, bibliotecas, bons restaurantes, bares e noite agitada em cabarés, casas noturnas e clubes de sociedades. A vida acontecia no Centro de São Paulo.

Algumas revistas representavam bem o espírito da época. A revista “O Klaxon”, fundada pelos modernistas, era uma espécie de “alma cultural” do movimento, mas também havia a revista “Estética”, o Movimento Pau-Brasil e o Movimento Verde-Amarelo.

O Teatro é margeado por esculturas e obras de arte de época, como essa do maestro Carlos Gomes (Crédito: Geovana Fraga – DT)

A cidade dos modernistas mudou muito e cresceu de forma desordenada. Como consequência, há muitos problemas de toda ordem, como falta de infraestrutura, dificuldades de transporte, miséria, falta de habitações dignas e várias outras dificuldades de uma das maiores metrópoles do mundo, com mais de 12 milhões de habitantes atualmente. Há 100 anos, não passavam de 500 mil os habitantes de São Paulo. A cidade, então, se restringia ao Centro e alguns bairros ao seu redor, além de outros mais distantes. Hoje, está totalmente ocupada e São Paulo está entre as quatro maiores cidades do planeta.

O DIÁRIO DO TURISMO conversou com diversas pessoas, moradores, visitantes e frequentadores do Centro de São Paulo para traçar um perfil da região de acordo com o olhar de seus habitantes.

Perdeu muito com a pandemia

O jornalista e historiador Moacir Assunção, que há 12 anos promove caminhadas culturais pelo Centro, afirma que a região perdeu muito com a pandemia, o que causou o fechamento de lojas e o aumento da miséria. Mas, os problemas já se acumulam há muito tempo. Assunção, que é pernambucano, foi office-boy na década de 1970 e considera que o Centro já foi bem mais bonito. Atualmente, ele vive na região da República. Professor de Jornalismo da Universidade São Judas Tadeu, leva, todo ano, seus alunos para andar pelo Centro, contando a história do surgimento de São Paulo por meio dos seus prédios históricos.

O historiador Moacir Assunção integra um grupo de moradores, o Renova Centro, que tem uma série de propostas para a região (Crédito: arquivo pessoal)

“Infelizmente, está muito triste andar pela região, há muitos moradores de rua, sujeira, lixo espalhado, problemas de segurança de toda ordem, com bandidos agindo à luz do dia. Várias praças estão literalmente ocupadas por barracas de moradores de rua. É uma pena, mas dá tristeza caminhar ali”, diz. Assunção integra um grupo de moradores, o Renova Centro, que tem uma série de propostas para a região, a começar pela Praça da República. Os voluntários estão se organizando para revitalizar a localidade, partindo da própria Praça da República, uma das áreas verdes mais bonitas da região central.

O “Renova Centro” que tem uma série de propostas para a região, a começar pela Praça da República (Crédito: Geovana Fraga – DT)

“Vamos trazer atividades culturais para o coreto da praça, hoje ocupado por moradores de rua, o que traz insegurança para a região”, afirma um dos líderes do Renova Centro, Carlos Beutel. A ideia é promover recitais de música, saraus e outras atividades no coreto.
Beutel acredita que é possível revitalizar o Centro, mas a única possibilidade disso acontecer é com a participação popular. “Em todas as grandes cidades do mundo, como Paris, Nova York, Buenos Aires e Santiago de Chile, o Centro é altamente valorizado, é o coração da cidade. Em São Paulo, infelizmente, essa região está totalmente abandonada”, lamenta.

Sujeira

Na opinião do músico cubano Delfin Rodriguez, que trabalhou quase nove anos na região e vive há 15 anos na capital, desde quando chegou na cidade, em 2005, o Centro de São Paulo já foi melhor. A sujeira no local foi piorando. Era mais seguro andar pelas ruas. Algumas lojas fecharam antes da pandemia, quando iniciou a crise de 2008. Depois da pandemia, piorou. Na Praça da Sé quase não tinha morador de rua, agora está lotada. No Vale do Anhangabaú fizeram a reforma e ficou bonito com iluminação e fontes, mas Rodriguez questiona por quanto tempo o local ficará limpo e arrumado.

Barracas de Camping e depósito de mercadorias na escadaria do Teatro Municipal (Crédito: Geovana Fraga – DT)
Anhangabaú: reforma ficou bonita com iluminação e fontes, mas por quanto tempo o local ficará limpo e arrumado? (Crédito: Geovana Fraga – DT)

O Centro também agrega pela existência da Praça de República, Praça do Patriarca, Princesa Isabel e outras que estão perto, mas devido ao desemprego, aumentaram os moradores de rua e a iluminação está precária. Tentaram melhorar a região baixando o aluguel e IPTU para as lojas se instalarem, mas até o momento não tem dado certo.
Para Rodriguez, o Pátio do Colégio e outros locais históricos têm sido cuidados, mas no geral, o Centro da cidade não tem sido preservado. Há vários prédios inacabados, que sujam a fachada da cidade, e com cores pouco atrativas.

O cubano Delfin Rodrigues, adotado por São Paulo (Crédito: arquivo pessoal)

“Gostaria que [a cidade] estivesse mais cuidada. Mais parques com áreas verdes. São Paulo é São Paulo devido à sua forte economia, arte e cultura multiétnica, com variada oferta de espetáculos, como shows, exposições, culinária diversificada e museus, que a deixam com um destaque e como polo turístico nacional e internacional”, afirma o músico cubano.

Ele acredita que “a educação em todos os níveis” seria o passo inicial para mudar hábitos e costumes errados, também como propagandas e material publicitário nas mídias para transformar a mentalidade das pessoas. E pondera se algum dia devem chegar as melhorias desejadas.

Já para a urbanista Laura Sobral, São Paulo é hoje uma cidade com uma imensa periferia sem infraestrutura formal, verdadeiras ilhas de prosperidade em alguns bairros centrais e um Centro que é uma mistura desses dois mundos. “Claramente, o Centro perdeu protagonismo em muitas coisas, mas acredito que ele seja um retrato bem fiel da cidade, no sentido de que há diferentes tipos de usos e pessoas”, afirma Sobral.

Laura Sobral: São Paulo é hoje uma cidade com uma imensa periferia sem infraestrutura formal, verdadeiras ilhas de prosperidade em alguns bairros centrais e um Centro que é uma mistura desses dois mundos (Crédito: Geovana Fraga – DT)

Confira a segunda parte da reportagem:

Centenário da Semana de Arte Moderna em um Centro de São Paulo deteriorado

 

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