Centro de São Paulo: glamour, decadência, resiliência e renascimento?

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Alguma coisa acontece no meu coraçãoQue só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João“… mais que um verso de Caetano Veloso, essa música traduz um sentimento do inconsciente coletivo de qualquer ser vivo que passa ou que passou nessas esquinas.

Por Jorge Salim (colaboração para o DIÁRIO)*


Lugar nostálgico e procurado por qualquer cidadão paulista, turistas nacionais e internacionais quando chegam aqui. De dia, a correria do trabalho incessante e à noite a boemia correndo solta.

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Centro de São Paulo
Esquina da Ipiranga com a São João (Fotos: Jorge Salim – arquivo pessoal)

Sou de um tempo em que o Centro de São Paulo, a Sampa, que dá nome à música de Caetano, era pujante, cheio de vigor, agitado, tinha até o carnaval na avenida São João. Cinemas e restaurantes disputavam os melhores pontos comerciais e localizações. Lojas de roupas, calçados, magazines, hotéis complementavam a agitação de todas as ruas que formavam o que chamamos de centro da capital.

NEGLICÊNCIA OU DECADÊNCIA?

Ao chegarmos aos anos ’90, a nova política industrial/corporativa levou as grandes empresas à procura de novas áreas para atender a grandeza dessas corporações. O centro velho não conseguia mais suprir a essa necessidade de expansão no número de pessoas, funcionários, instalações etc. O boom imobiliário, os incentivos fiscais, além do apetite voraz das construtoras e incorporadoras cresceram como uma fera com fome. As avenidas da vez passaram a ser a Paulista, a Faria Lima, a Rebouças, a Sumaré, bairros com infra-estrutura moderníssima, como a Santo Amaro com o Centro Empresarial São Luiz, Bandeirantes, 23 de Maio, Indianópolis, Conceição, Jabaquara e as fronteiras municipais, como Alfaville, na rodovia Castelo Branco, e a indústria automobilística no ABC, levando o progresso por todos os cantos da Região Metropolitana.

O pobre centro de São Paulo, resiste, porém nem tanto. Tinhamos empresas como IBM, Pirelli, nos Campos Elísios, Ford no Ipiranga, Goodyear no Belém, região também com os grandes laticínios, Paulista, Vigor e Leco, que tinham escritórios no centro. Quem lembra do Mappin, da Mesbla, da Sears, do Pitter? Todos faliram ou sairam da cidade.

Quanto aos hotéis, O Hilton, o edifício redondo na Av. Ipiranga, saiu, indo para a zona sul. O Cad’Oro, o Danúbio, hotel onde as misses do concurso Miss Brasil ficavam, Othon, Cambridge, Blue Tree Augusta, Urca, ou foram demolidos para dar lugar a grandes edifícios comerciais ou foram transformados pela prefeitura para uso de moradia popular, principalmente nas regiões da Luz, Campos Elísios, Bom Retiro, Baixo Augusta, Mercado Municipal, ou região do Glicério.

Confira imagens de alguns restaurantes que ainda resistem:

VERGONHA E DESLEIXO

O que vemos hoje é um reflexo da falta de política pública e sociais dos dirigentes municilais e estaduais. Administradores com perfis militares, políticos com visão limitadas e incompetentes com a coisa pública.

A má gestão tomou proporções gigantescas que pune o comércio e atrasam o desenvolvimento da região central da capital de São Paulo. Parece desleixo? Ou seria um esquema maquiavélico para que a degradação favoreça a especulação imobiliária? Quando visitei Nova York antes da virada do milênio, ouvi de nosso guia, ao visitar pela primeira vez o Harlem: “Essa imagem de decadência é verdadeira, não é preciso maquiar”… Foi dito a todos, naquele sightseeing, que os poderosos deixariam aquela região perder valor para que pudessem comprar barato e especular quando fossem construir e reurbanizar os locais desvalorizados. E outras visitas que fiz em Londres, San Francisco, Detroit, ouvi comentários semelhantes.

Com o advento da cracolândia, o valor do patrimônio público e privado desceu ladeira abaixo. Escolha aqui o substantivo que você deseja usar para ilustrar esse cenário: DESCASO, ABANDONO, AUSÊNCIA, NEGLIGÊNCIA.

RESISTÊNCIA E RESILIÊNCIA

Fazendo uma busca no baú da memória, lembro que o centro de São Paulo já teve a nata dos restaurantes e cinemas da cidade. Quem não se lembra dos restaurantes chiques ou famosos como o Rubayat, Galeto, Leão de Olido, Parreirinha, Café Vienense, Le Bistrô, Um, Dois, Feijão com Arroz, Parreirinha, Paddock, Franciscano, Leiteria Suíça, Eduardo’s, Bar Cinzano, Baiúca, Massa D’oro, Casa Ricardo, Ferro’s Bar, Cantina Amico Piolin, Salada Record, Café Mocambo, o 1°. que serviu café expresso, Paribar, La Farina e Chamon?  O Galeto’s e o Rubaiyat mudaram para outras regiões.

Dos sobreviventes aparecem os étnicos como Rinconzito Peruano, o Biyou’z (africano), Almanara. Sobreviveu também o Filé do Moraes, Ao Ponto Chic, Restaurante Guanabara, Bar Brahma, Le Casserole, o Gato que Ri, ambos no largo do Arouche, os outros próximos das avenidas São João e Rio Branco, perto da região da Cracolândia. Também encontramos os pratos da culinária italiana do Carlino, Gigetto, Famiglia Mancini e Circolo Italiano, afastados da área  pelos integrantes da Cracolândia. E o não menos famoso, porém emergente, Casa do Porco, do chef Rueda, que com a sua esposa, Janaína, também estão no Copan com o Bar dona Onça.

Centro de São Paulo
A boate Love Story

CINEMAS E CASAS DE SHOWS

Cinemas luxuosos com arquiteturas magníficas como o cine República, Marrocos, Paissandú, Ipiranga, Barão, Olido, Art Palácio, que tinha no dia 25 de Janeiro, as Avant-première dos filmes do Mazzaropi, Regina, Coral, Marabá, Copan, Ritz, Bijou, Comodoro, Windsor, Metropole, CineSpacial, Metro, que aos poucos foram demolidos, viraram estacionamento ou templo de igrejas evangélicas, sendo que os cinemas se deslocaram para os shoppings em toda a cidade.

As casas de shows fecharam antes, sua maioria ficava na rua Major Sertório como La Licorne, Big Ben, Dakar, Cave, Kilt, Paris, Vagão e outras casas entre a Bento Freitas e Araújo, onde a última foi o Love Story, cujo local, hoje está sendo restaurado para moradias populares sob os auspícios da Prefeitura Municipal. A única que se estabeleceu recentemente na região foi franquia Tokyo, a casa da diversidade.

FUTURO, SERÁ QUE HAVERÁ?

Os que restaram e os novos, se arriscaram e acreditam ainda que o poder público fará o seu papel. Restaurar e reurbanizar a área degradada. Será preciso uma força-tarefa, empresários, donos de restaurantes, empreendedores, dirigentes políticos, associações comerciais e entidades do Viva Centro, unirem-se em um esforço hercúleo para revitalizar o Centro Velho e centro cultural. Mãos à obra, pessoal! Na minha opinião, tenho dúvidas quanto a esse esforço, mas recorro agora a um carioca que ama São Paulo, o Ivan Lins quando canta:

Desesperar jamais, aprendemos muito nesses anos, afinal de contas não tem cabimento entregar o jogo no primeiro tempo…”

Centro de São Paulo
Centro de São Paulo, a Agência Central dos Correios e ao fundo o edifício do Santander (antigo Banespa) – (Foto: arquivo Diário)

*Jorge Salim é publicitário e articulista do DIÁRIO DO TURISMO

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