Por Waleska Schumacher, Haia – Países Baixos
Há histórias no vinho que parecem silenciosas, como se estivessem apenas aguardando o momento certo para voltar à cena. O Chardonnay Rosa, aquela pele levemente rosada que já surpreendeu os viticultores no início do século XX, é uma dessas histórias. Em 2025, a Champagne decidiu trazê-la de volta ao texto oficial da denominação. Não como curiosidade de viveiro, mas como uva principal, lado a lado com Chardonnay (branco), Pinot Noir, Meunier e as históricas Arbane, Petit Meslier, Pinot Blanc e Pinot Gris. Uma mudança que une memória e inteligência agronômica e que, sobretudo, respeita o caráter de Champagne.
A homologação que muda o capítulo (sem mudar a essência)
No dia 12 de junho de 2025, o comitê nacional do INAO aprovou, por unanimidade, a modificação do cahier des charges da AOC Champagne para introduzir o novo cépage e ajustar normas de uso de herbicidas. O processo foi concluído com o arrêté ministerial de 31 de julho de 2025, que homologou oficialmente o caderno de especificações, o documento aparece publicado no Journal Officiel e no Boletim Oficial do Ministério da Agricultura. Em linguagem simples: de papel passado, o Chardonnay Rosa passou a ser legal para plantar e vinificar como Champagne, classificado entre os cépages principaux, e não numa categoria experimental.

Uma mutação de pele, não de alma
O Chardonnay Rosa não nasce de cruzamento moderno: é uma mutação natural de cor do próprio Chardonnay, como ocorre na família Pinot (Blanc, Gris, Noir). A diferença mora na expressão de antocianinas na casca; a polpa continua clara, o que permite prensagem “em branco” e mostos límpidos, como se faz com Pinot Noir e Meunier nos brancos de Champagne. Estudos de catalogação e viveiros (Geisenheim/UC Davis) registram o clone 1-5 Gm, com pele mais espessa e relatos de menor suscetibilidade à botrytis, detalhe nada trivial num clima onde a colheita pode ser fria e úmida.
Do esquecimento aos ensaios: o fio que não se rompeu
Identificado já no início dos anos 1900 em Champagne e na Borgonha, o Chardonnay Rosa sobreviveu em coleções ampelográficas e pequenas parcelas. O primeiro passo contemporâneo para tirá-lo da sombra foi dado em 2018, quando Champagne e Borgonha apoiaram o registro no Catálogo Nacional francês; a partir daí, viveiros puderam multiplicar material certificado, e o setor iniciou ensaios oficiais em Champagne para avaliar comportamento agronômico e potencial enológico. Esse caminho “lento e seguro” explica por que, ao ser aceito em 2025, encontrou um dossiê técnico já consolidado.

Como ele se comporta na taça?
A descrição oficial de Champagne é direta: o Chardonnay Rosa produz vinhos típicos da denominação, muito semelhantes ao Chardonnay branco, por vezes com nuance um pouco mais frutada e mais viva. Em outras palavras, não se trata de “uma nova Champagne”, e sim de uma nova variação dentro da assinatura clássica, algo que amplia a paleta sem quebrar a identidade. Isso ajuda a entender a aceitação branda do setor: é inovação com sotaque de tradição.
Por que agora? Biodiversidade, resiliência e precisão
Há um componente simbólico forte, reconectar um patrimônio genético, e um componente prático: pele mais espessa e comportamento muito próximo ao do Chardonnay oferecem “margens de manobra” frente a pressões de podridão e estresse climático sem recorrer, aqui, a híbridos. O movimento dialoga com outras frentes de adaptação da Champagne (como a introdução controlada de variedades de interesse), mas o Chardonnay Rosa foi integrado como principal, sinal de confiança no continuum estilístico da região.

Champagne além dos mapas
Recentemente estive em Champagne, sem dúvida uma das regiões mais encantadoras do mundo do vinho. Mas, como busco sempre experiências mais verdadeiras, concentro as minhas visitas em pequenos produtores, descobrindo verdadeiras joias do Champagne real, aquele que vive nos vales, nas ladeiras e nos gestos discretos. Tenho explorado zonas fora do eixo clássico entre Épernay e Reims, e, além dos espumantes, comecei a me interessar pelos vinhos tranquilos da região, que já começam a aparecer nas feiras internacionais.
O tema do Chardonnay Rosa me despertou curiosidade depois de ler um artigo na The Drinks Business. Confesso que ainda não conhecia a variedade e ainda não provei nenhum vinho elaborado com ela, mas, assim como percebi há anos o futuro promissor dos rosados da Provence, não tenho dúvida de que este Chardonnay de pele rosada despertará grande interesse. O desafio de extrair a cor delicada de sua casca será técnico e fascinante.
Por outro lado, minha percepção é de que será algo muito limitado: replantar vinhedos é um processo lento, e uma uva nova precisa ser compreendida e bem trabalhada. Não se cria uma “tendência” da noite para o dia. Mas em vinte anos, talvez estejamos diante de um novo hit, não apenas em Champagne, mas também em outras regiões que se deixem inspirar. Assuntos como este não são apenas marketing: são a alma viva da viticultura, que segue evoluindo com respeito à história.

“Rosé de Rosé”? A pergunta que provoca
Tecnicamente possível, uma maceration très délicate poderia tingir de pétala um espumante 100% Chardonnay Rosa, mas não espere uma corrida a esse estilo. A lógica de Champagne é elegância e constância; o mais provável é ver o Chardonnay Rosa entrando discretamente em blanc de blancs ou assemblages, realçando textura e tensão sem anunciar-se no rótulo. Quando algo surgir com nome e sobrenome, será notícia, e uma bela nota de rodapé para esta volta.

Nota técnica – A linha do tempo do Chardonnay Rosa em Champagne
A presença do Chardonnay Rosa (Chardonnay Rosé) em Champagne remonta ao início do século XX, quando a mutação foi observada em vinhedos da região e da Borgonha, mas permaneceu fora das denominações oficiais.
O primeiro passo contemporâneo para sua reintrodução ocorreu em 2018, quando o Comité Champagne (CIVC) e o BIVB da Borgonha apoiaram o registro oficial da variedade “Chardonnay rose Rs” no Catalogue national des variétés de vigne cultivées en France, sob supervisão do Ministère de l’Agriculture e da FranceAgriMer.
Esse registro permitiu a multiplicação legal de mudas e o início de ensaios experimentais para avaliar o comportamento agronômico e o potencial enológico da variedade nas condições climáticas de Champagne.
Segundo o Comité Champagne, os resultados foram promissores e levaram à proposta formal de inclusão da uva no cahier des charges da denominação. Em 12 de junho de 2025, o INAO aprovou a modificação, e o arrêté ministerial de 31 de julho de 2025 homologou a atualização, tornando o Chardonnay Rosa a oitava variedade oficialmente autorizada na AOC Champagne.