A turismóloga Karynna Makuxi representa uma geração de indígenas que tem liderado processos de valorização cultural e desenvolvimento sustentável no extremo norte de Roraima. Integrante da comunidade Kauwê, localizada em Pacaraima, terra indígena Raposa Serra do Sol, ela ocupa um cargo inédito: é a primeira indígena a atuar como técnica de turismo no município.
por Paulo Atzingen, de Pacaraima*
Turismo indígena e protagonismo feminino na Comunidade Kauwê
“Eu sou da comunidade indígena Kauwê do Alto Miang, município de Pacaraima. Sou formada em Turismo pela Universidade Estadual de Roraima e pós-graduada em Ecoturismo. Recentemente passei em concurso público e hoje sou a única técnica de turismo da cidade, o que foi um marco para mim, para minha comunidade e para outras também”, enumera Karynna ao DIÁRIO.

Karynna explica que sua atuação vai além dos limites da comunidade natal: “Eu não trabalho só com a Kauwê, mas com outras comunidades indígenas da região”.
Segundo ela, o turismo comunitário em Kauwê começou há cerca de dois anos, impulsionado pelo sonho de seu pai, o primeiro Tuxaua da comunidade, conhecido como Anísio Makuxi. “Nós iniciamos as atividades com a nossa família, por meio do café, que acabou sendo um boom. A gente não esperava, porque já tínhamos plantação, mas não dávamos valor. Até que um visitante levou sementes para análise e descobrimos que o nosso café é especial.”
O envolvimento da família no processo foi determinante. Ana Karoliny Calleri, prima de Karynna, mergulhou no estudo da cafeicultura, enquanto Karynna se especializou no turismo. “Temos outros profissionais indígenas formados, como a Dona Vera, nossa engenheira agrônoma. Cada um contribuiu com conhecimento técnico e passamos tudo isso para a comunidade”, conta.



Kauwê Turismo, agrofloresta e o despertar do café especial
Com esse espírito de colaboração, a comunidade fundou a Kauwê Turismo — a primeira agência indígena de turismo do estado de Roraima. O nome “Kauwê” vem do tupi e significa “sol”. A comunidade foi criada oficialmente após a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em 2008, por decreto presidencial. “É uma comunidade nova, com apenas 15 anos”, explica Karynna. Atualmente, são cerca de 85 famílias e aproximadamente 250 pessoas da etnia makuxi-taurepang, com forte miscigenação.
Mesmo com essa mistura, o resgate da identidade cultural se mantém como prioridade. “Estamos buscando esse resgate por meio do turismo e da agricultura. Nossa base alimentar é a agricultura e temos uma preocupação com a saúde alimentar. Trabalhamos com sistema agroflorestal, graças ao estudo da Dona Vera, e muitos produtores que antes plantavam de forma convencional agora retornaram ao sistema orgânico.”
A produção de café, um dos orgulhos da comunidade, vem ganhando escala. “Hoje, toda a comunidade resolveu plantar café. Estamos chegando a 10 mil pés. Teremos uma mini fábrica para beneficiar a produção e a colheita é toda artesanal, feita grão por grão, apenas os maduros. Isso mantém a qualidade e nos garante pontuação acima de 8.5, o que classifica nosso café como especial”, explica Karynna.
A capacitação da comunidade foi feita com o apoio do Sebrae e do Instituto Federal, incluindo temas como cultivo, gestão e finanças. Estudantes universitários têm visitado a comunidade para conhecer a metodologia de plantio, o que reforça o protagonismo indígena como referência de sustentabilidade.

Café Imeru: ancestralidade, empreendedorismo e exportação
Ana Carolini Siqueira Kaleri, de 24 anos, prima de Karynna e uma das lideranças jovens na comunidade, atua diretamente na produção de café. “Aqui nós plantamos o café arábica em sistema agroflorestal. Todo o processamento é artesanal. Iniciamos com a minha família e agora já há outros produtores seguindo os mesmos passos”, relata.
Ela conta que hoje a comunidade possui dois hectares de café plantado e já vislumbra novos mercados. “Já temos contatos para exportação e queremos levar o que temos aqui para fora do estado e até para fora do Brasil.”
O café da comunidade carrega o nome “Imeru”, que significa “cachoeira” na língua makuxi. A escolha do nome foi uma homenagem à avó de Ana. “Ela foi quem plantou as primeiras mudas, no nosso Sítio Cachoeirinha. A primeira plantação ficava ao lado de uma cachoeira. Trouxe esse simbolismo para dentro da marca.”

*O jornalista Paulo Atzingen viajou a convite da Secretaria de Cultura e Turismo do Estado de Roraima
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