Conceição Silva: mulheres que constroem o Turismo brasileiro

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Conheci Conceição Silva em 2015, em Soure, no Marajó, durante a realização da Ópera do Marajó, uma das montagens artísticas mais revolucionárias que se tem notícia na Amazônia. Ali vi a união da floresta com a arte, a fusão do mangue com o turismo, o encontro dos profissionais da cultura e do teatro com os administradores e gestores. Conceição era uma dessas profissionais.

por Paulo Atzingen, de São Paulo*


Conceição Silva, simboliza, fácil fácil a mulher paraense por sua inteligência e por sua força. Por traz de sua formação técnica e de pós-graduação em Planejamento do Desenvolvimento da Amazônia, vive uma Conceição que representa não uma, mas duas, três, dez, mil Conceições, forjadas sobre os mangues de Belém, sobre as palafitas da Amazônia, sobre as comunidades do Brasil.

Conceição Silva por 21 anos conduziu os projetos turísticos da extinta Companhia Paraense de Turismo e da atual Secretaria de Turismo do Estado do Pará (Setur). Atualmente é técnica em Planejamento e Gestão da Setur-Pará e sempre será uma das Mulheres que constroem o Turismo brasileiro. Confira sua entrevista:

DIARIO – Conceição,  fale sobre a importância que a educação (leia-se escola) teve em sua vida e também sobre sua formação acadêmica. 

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CONCEIÇÃO SILVA: A educação foi o meu tudo. Ela foi e é a divisora de águas da minha vida. Por ela eu tive acesso ao mundo que era completamente desconhecido, me projetou e muito para fora da minha realidade a realidade que eu vivia. Sem a escola, muito provavelmente eu não seria a pessoa que sou hoje, a profissional que sou e não teria vivido as experiências exitosas tanto pessoal, quanto profissional em todos os sentidos.

Fui aluna de escola pública. Minha formação básica até a a pós-graduação sempre foi em escola pública. Eu sou fruto da escola pública. A escola pública dá certo quando você tem profissionais comprometidos com a causa, com a Educação. Alguns professores me exigiram muito porque viram em mim talvez, um potencial ou uma fragilidade, e nesse ponto eu me superei, sou imensamente agradecida a esses professores.

Formei-me como Administradora de Empresas na Universidade do Pará e fiz minha pós-graduação no núcleo de Altos Estudos Amazônicos onde me especializei Planejamento do desenvolvimento de áreas Amazônicos. Essa especialização me colocou integralmente conectada as coisas da minha terra, da minha região, na forma de ver e sentir a Amazônia e poder contribuir.

Fiz também um curso de pós-graduação e destaco o MBA em Tóquio, por meio de uma cooperação técnica entre o Brasil e o Japão, de Planejamento, Gestão e Marketing do Turismo.

DIÁRIO – Qual é quando foi o 1° cargo que você ocupou na Paratur e como você chegou lá? 

CONCEIÇÃO SILVA – Entrei na atividade turística em janeiro de 1989, na extinta Companhia Paraense de Turismo – Paratur. Comecei como assessora técnica. Cheguei lá porque o dono do escritório que eu trabalhava foi convidado para exercer uma consultoria econômica na companhia. Meu objetivo, à época, era instituir (junto a três colegas) uma consultoria econômica na companhia para levar essa visão do que era atividade turística para dentro da pauta econômica do estado do Pará.

Foi isso que me colocou no processo da atividade turística. O contrato tinha um prazo de 2 anos depois foi renovado e exerci outros cargos, como coordenadora de planejamento (entre 1990 a 1993) e depois de diretora de Economia e Fomento da Paratur (a partir de 1995). Fui também presidente interina, por duas ocasiões.

DIÁRIO – O racismo e o machismo no Brasil têm raízes históricas e no Pará isso não é diferente. Você pode contar alguma dessa triste experiência vivida no âmbito profissional? 

CONCEIÇÃO SILVA: Efetivamente o racismo e o machismo são uma doença, correto? É mundial e no Brasil, talvez por conta das questões históricas, e na Amazônia mais ainda. Hoje ainda vivemos com algumas situações meio que esdrúxulas, pessoalmente e profissionalmente.

Um caso ocorreu comigo lá na Paratur. Um dia chegou um cidadão lá e não conseguiu entender que eu, negra e mulher era diretora. Me olhou da cabeça aos pés  e disse assim: A senhora que é a diretora como assim? Eu peguei o crachá e mostrei pra ele o que estava escrito: Diretora.

Esse preconceito é estrutural. Sempre foi assim. A reação desse cidadão e de muitos ainda hoje simboliza como se nós, os negros e as mulheres, não tivéssemos condição de ter cargos e posições de destaque em uma organização. A gente ainda percebe isso, por meio de mensagens, na linguagem do corpo, nas piadas.

Todo dia temos uma missão, como mulheres e negras, de mostrar que temos capacidade sim, somos independentes sim, temos condições e capacidade técnica e emocional sim. Podemos exercer cargos de chefia de extrema responsabilidade, sim, principalmente se estivermos preparadas.

Conceição Silva: “Acompanhei o processo documental de extinção da companhia Paraense de Turismo”

DIÁRIO – Descreva os principais projetos implantados diretamente ou indiretamente por você e sua equipe na Paratur e Setur…

CONCEIÇÃO SILVA: Desenvolvi inúmeros projetos. Um marco pessoal, foi ser a coautora do projeto de Criação da Secretaria de Estado de Turismo, em 2011. Fizemos o organograma, com a coautoria da doutora em psicologia Rosa Carvalho, que traçou os perfis dos profissionais que iriam compor os corpo técnico da secretaria. Foi um momento prazeroso, de satisfação profissional, ao ver um projeto meu ser conduzido pelo governador para a Assembleia Legislativa e ser aprovado. A criação da Secretaria de Estado era um sonho dos profissionais, do trade turístico, um momento de extrema satisfação profissional, pois a primeira vez pude ser administradora; nem eu sabia que sabia tanto. Trabalhar com processos, com fluxos, com cálculos, com a essência administrativa para fazer esse projeto, foi um momento assim, de glória.

DIÁRIO – Você participou do fim da Paratur?

CONCEIÇÃO SILVA: No decorrer do processo, tivemos outras participações, essas missões, que nos dão, que foi trabalhar na extinção da Paratur, foi difícil profissionalmente, pois tive que fechar, não apagar a história, mas acompanhar o processo documental de extinção da companhia Paraense de Turismo. De 2015 a 2016 eu funcionei como a liquidante da Paratur. Meu trabalho foi colocado em xeque para acompanhar esse processo de extinção de uma companhia de turismo.

Outros projetos realizados são importantes ser citados como a Feira Internacional de Turismo (a partir de 1999), a Feira de Pesca do Pará, o Salão Paraense de Turismo, e a Romaria Fluvial do Estado (entre 1996 a 1999). Eu devo tudo isso ao nosso trabalho em equipe. 

DIÁRIO – Você pode falar sobre a Ópera do Marajó? Uma segunda edição não seria importante para promover o Pará Internacionalmente? 

CONCEIÇÃO SILVA: Sim, vale a pena se pensar numa segunda edição pela seu caráter inusitado, original. Esse projeto, que foi de terceiros, e entramos como apoiadores foi muito autêntico. Se fizermos um bom planejamento, captação de recursos e tivermos mais tempo, sim, é possível uma segunda edição.

DIÁRIO – As cidades brasileiras sofrem com administrações públicas,  que em sua maioria não incluem o turismo em sua pauta social. Em sua visão isso vem mudando ou não? 

CONCEIÇÃO SILVA: A atividade turística é a que mais remunera sua população, isto é fato. Cada um dos setores da economia recebe parte da receita gerada com a atividade turística. Os governos precisam entender o volume de recursos advindos de impostos que essa atividade pode gerar. Recursos esses que podem ser e devem ser utilizados para cumprimento das outras pautas de Educação de Saúde de Transporte, de Saneamento Básico. Tenho uma verdade que aprendi e aplico nesta frase: “O turismo só é bom, se for bom para sua população”. Se não for bom para a população, trata-se de um projeto que precisa ser reavaliado, se é importante ser implementado ou não.

DIÁRIO – Qual o projeto de turismo que falta implantar no Pará e em Belém?

CONCEIÇÃO SILVA: De todos os projetos que ainda precisamos implantar é o projeto de acreditação. Eu, você, a população precisa acreditar que o turismo é um vetor de desenvolvimento econômico, que somos parte do projeto, do processo. Porque quando eu acreditar nisso de fato efetivamente eu possa fazer algumas revoluções. As secretarias (de turismo) por si só não geram, não produzem, não constroem as infraestruturas que são necessárias para o suporte da atividade turística. O turismo talvez seja o único vetor de desenvolvimento econômico e social em algumas regiões, e, em outras, ele vai ser suplementar e ter assim também a sua importância. Mas quando todos nós olharmos para uma única planta de desenvolvimento e cada um queira fazer a sua parte, a coisa muda; aí sim a gente terá um grande projeto de turismo implementado. Não só o nível do Estado do Pará, ou de Belém, mas acima de tudo no conjunto Brasil.

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