Com frequência sou consultado por pessoas que sonham vir viver em Portugal: querem saber sobre custo de vida, trabalho, oportunidades… Eu tento ajudar. E digo, acompanhar os jornais locais é fundamental para o planejamento, mas cuidado com as fake news.
Três notícias chamaram a minha atenção essa semana. Duas delas em jornal português, uma coladinha à outra: “Em Lisboa ganha-se mais 450 euros do que a média nacional” e “Emigrantes podem receber mais de 6.500 euros para regressar a Portugal”. A primeira não chega a ser novidade. A economia portuguesa está concentrada no litoral, com destaque para as regiões metropolitanas de Lisboa e Porto. São também as cidades com maior custo de vida, é natural que paguem mais aos funcionários as empresas estabelecidas nessas zonas. Os dados são da Segurança Social, relativos ao ano de 2017, e dizem respeito exclusivamente ao setor privado. Não fosse assim, a estatística apontaria para uma diferença salarial ainda maior na capital onde está concentrada boa parte dos funcionários públicos da administração do estado, do corpo diplomático, do judiciário; é gente que ganha bem e eleva as médias salariais.
Com frequência sou consultado por pessoas que planejam vir viver em Portugal. Enquanto uns sonham e não vão além, outros planejam e vêm (ou não). Um bom planejamento implica em levantar informações, pesquisar e, fundamental, vir passar um período aqui para fazer o teste de realidade. A pergunta mais frequente que ouço é “quanto eu preciso ganhar para viver aí?” Pergunta difícil de ser respondida quando não conheço o padrão de gastos do meu interlocutor. Também depende muito de onde a pessoa pretende viver, a região do país ou da cidade, e o tipo de imóvel em que quer morar. Mas tento, sempre que me permitem, fazer conjecturas para dizer qualquer coisa útil a quem pergunta.
Diz a matéria que a média salarial na região metropolitana de Lisboa, considerando bonificações e horas extras, é de 1.579 euros — 448 maior que a nacional. No outro extremo estão concelhos ao norte do país, uns tantos próximo a Guimarães, onde nasceu Portugal, cujas médias mensais giram em torno dos 650 euros, quase 30% menores que a média nacional. Esses dados dizem muito sobre quanto uma pessoa com padrão médio de gastos precisa ter para viver aqui. Não é fácil para quem precisa de emprego, artigo raro nessas terras. Muito melhor para quem vem empreender e investir. Para esses, as oportunidades são muitas e todas as portas do país estão escancaradas.
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Pronto, chegamos ao tema da segunda matéria: a população de Portugal está em queda há mais de uma década. O resultado entre o número de nascimentos mais imigrações é, ano após ano, menor que o número de mortes mais emigrações. Eram 10,6 milhões de habitantes em 2010, somos 10,1 agora e, se não houver reversão de tendência, serão 8,6 milhões em 2060. O país diminui e envelhece rápido. Estudo realizado pela OCDE afirma que a população portuguesa em idade ativa (dos 15 aos 74 anos) será 30% menor em 40 anos. A redução e envelhecimento da população não é exclusividade portuguesa, muitos países vão na mesma direção, mas aqui a situação é dramática. Entre os 36 países analisados, Portugal é o quarto que deverá perder mais habitantes. O êxodo português está longe de ser contido.
A redução e envelhecimento da população não é exclusividade portuguesa, muitos países vão na mesma direção, mas aqui a situação é dramática
Acendeu o sinal amarelo. O governo percebeu que precisa desenvolver programas para aumentar o número de nascimentos, para manter o jovem no país e ao mesmo tempo trazer de volta os que saíram e, sobretudo, abrir as portas aos imigrantes. Primeiro foi o programa para atração de aposentados, com redução nos impostos. Mas aposentados, sabe como é, são velhos também, consomem menos e não trazem filhos que possam ficar no país. Então, a legislação foi alterada para permitir que além dos filhos, também os netos de portugueses tenham direito à cidadania, assim como os descendentes dos judeus sefarditas em qualquer grau. Junto, a tentativa mal velada de atrair lusos-brasileiros em especial: a viralização de imagens, lugares, belezas e notícias positivas sobre Portugal nas redes sociais e jornais, o reforço nos consulados de São Paulo e Rio para dar celeridade aos pedidos de visto e cidadania, a realização feiras de imóveis e eventos de promoção do país em várias capitais brasileiras, iniciativas para atrair estudantes universitários…, são tantas as medidas administrativas e propaganda de Portugal no Brasil que, está claro, evidenciam um tipo interesse especial para além da promoção do turístico.
Os dados indicam que a campanha está funcionando. No consulado brasileiro em Lisboa, o número de pedidos do certificado de registo criminal (documento indispensável para o pedido de visto de residência) saltou de 13.673 em 2017 para 31.129 até outubro de 2018. Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – SEF, houve aumento de 23,4% no número de vistos concedidos aos brasileiros em 2018 se comparado a 2017. Somos mais de 105 mil vivendo legalmente no país. Quantos são os ilegais? E quantos são os lusos-descendentes com cidadania portuguesa que não entram nessa conta? No mercado imobiliário em crescimento, os estrangeiros compraram mais de 45 mil imóveis residenciais no ano passado (25% do total), os brasileiros e franceses estão no topo da lista.
Contudo, as medidas tomadas ainda são insuficientes. Portugal precisa atrair mais gente jovem e capacitada. Então, um programa específico para startups, empresas inovadoras, com potencial de crescimento acelerado, foi criado. Espera o governo que, junto com as empresas, venham seus fundadores e, que sejam mesmo empreendedores, que sejam jovens, que tenham filhos, que se fixem no país. Por fim, a mais recente delas, o “Programa Regressar”, que inicia agora em julho e em princípio valerá para os selecionados até o final de 2020: pagará até 6.536 euros para o português emigrado desde dezembro de 2015 ou para — veja bem — o luso-descendente que venha para Portugal com um emprego arranjado. Essa é a condição. Não pode se candidatar ao programa a pessoa que vem sem emprego para tentar qualquer coisa por cá. Tem que vir empregado.
Os eleitos receberão 2.614 euros a título de “subsídio de regresso”, o valor sobe 10% por cada dependente, mais até 1.307 euros em coparticipação para auxiliar no custos da viagem de toda a família, outros até 871 euros, também em coparticipação, para o transporte dos bens e, por fim, 436,76 euros adicionais pelo reconhecimento das capacidades acadêmicas ou profissionais. Serão no máximo 1.500 selecionados e o governo espera investir até 10 milhões de euros no programa.
Somos mais de 105 mil brasileiros vivendo legalmente no país. Quantos são os ilegais? E quantos são os lusos-descendentes com cidadania portuguesa que não entram nessa conta?
Acha pouco? Parece mesmo pouco dinheiro para despertar o interesse dos portugueses que estão instalados nos novos países que escolheram para lá viver. Há que ser realista. Esse programa poderá atrair o emigrante insatisfeito com a escolha que fez, alguém que passa por uma situação muito específica. Suponho que poucos. Por isso, fico imaginando, e daí a notícia ter despertado a minha curiosidade, quem de fato é o alvo principal desse programa? Que tipo de pessoa o governo português tenta fisgar ao anunciar essa medida?
Toda gente sabe que o Brasil vive uma crise política, econômica, ética e de segurança sem precedentes. E desde 2014 que os elogios a Portugal são cada vez mais frequentes nas redes sociais e jornais brasileiros. Coincidência ou não, reiteradamente vemos artigos que tratam da estabilidade política, segurança e crescimento econômico do país europeu. Faça um teste você mesmo. Pesquise no Google. Provavelmente vai encontrar nas primeiras linhas manchetes do tipo: “Portugal é o quarto país mais seguro do mundo”, “Portugal cresce acima da média europeia”, “Portugal é uma ilha de estabilidade política, econômica e social”. Que outro país no mundo tem tantos lusófonos, tantos lusos-descendentes (incluindo sefarditas), tantos jovens formados sem emprego, tantos potenciais investidores, tantos indignados e, finalmente, tantos curiosos sobre Portugal?
Esse meu raciocínio faz sentido para você? Estou deduzindo que o governo português traçou um plano ardiloso para surripiar do Brasil investimentos e jovens talentos. A conspiração parece evidente, concorda? É para parecer mesmo. Acabei de criar. Assim nascem as fake news.
Ah, ia me esquecendo, a terceira notícia li em jornal brasileiro. Falava a respeito de um certo pavão misterioso…
Sobre o articulista:
Osvaldo Alvarenga, tem 54 anos, reside em Lisboa e escreve para os blogs: Flerte, sobre lugares e pessoas e Se conselho fosse bom…, sobre vida corporativa e carreira. Atuou por 25 anos no mercado de informações para marketing e risco de crédito, tendo sido presidente, diretor comercial e diretor de operações da Equifax do Brasil. Foi empresário, sócio das empresas mapaBRASIL, Braspop Corretora e Motirô e co-realizador do DMC Latam – Data Management Conference. Foi diretor da DAMA do Brasil e do Instituto Brasileiro de Database Marketing – IDBM e conselheiro da Associação Brasileira de Marketing Direto – ABEMD, dos Doutores da Alegria e, na Fecomercio SP, membro do Conselho de Criatividade e Inovação.