Copacabana, a Língua Carioca e o Manifesto de Paz

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Estou em Copacabana e vejo a verdadeira carioquice circulando entre os poros, bundas, calçadas e as ruas paralelas e transversais à avenida Atlântica. É nessa retaguarda do mar que acontece o que é mais genuíno no Rio: a sua gente.
por Paulo Atzingen*

O aposentado senta ao sol das 7 horas para um café preto e acende um cigarro que traga como se isso fosse seu pararaios do dia que está para acontecer. Ele abre o jornal impresso e leio nas letras garrafais da capa que a Rússia lançou mais 30 misseis sobre Kiev, a capital da Ucrânia. Essa informação não me serve para nada, mas me dá pólvora e chumbo para o que sinto agora.

A cor preta prevalece na pele aqui na Nossa Senhora de Copacabana e a forma de se comunicar adquire uma maneirice quase cantada. Os últimos dias do verão aquarelam um céu sem nuvens e uma brisa desce da pedra gigantesca que tem status de montanha. Essa pedra definiu lá atrás – na era dos vulcões – a cintura estreita de um bairro esbelto que obedece a curvatura da praia.

Essas ruas de Copacabana são sombreadas por um verde da tonalidade das florestas originais e há um aparente equilíbrio entre o artificial cimento e meu natural momento. Não há balas perdidas e a feira livre traz o cheiro da fonte inesgotável – a terra brasilis – donde jorram as nossas frutas que nutrem essa costa vibrante.

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Essas cores, cheiros e sons que absorvo me provam que todos são iguais perante a lei até que se prove o contrário, já que essa coisa de classes, à primeira vista, desaparece aqui, no res-do-asfalto, como lá, com os pés na areia.

Os prédios erguidos nos Anos Dourados, ou antes, são obras de engenheiros e arquitetos sonhadores pessoas de carne, osso e coração que construíram espaços para gente de carne, osso e coração sem a meta de arranhar os céus, ou de ser Dubai.

Casais heteros ou homoafetivos de mãos dadas caminham sem medo para a praia, cães são puxados por suas donas para o cocô matinal, turistas bebem seus cafés em bistrôs e eu me incorporo a essa dança de liberdade e calma que só sinto aqui.

Um casal de gringos de boa idade divide a mesa e não há harmonia entre eles, apesar dos cabelos brancos, nela e nele. Divergem no que vão pedir e depois vejo que só um coco da Bahia foi suficiente para um tratado de paz. Experimentam Copacabana em espírito beatnik, meio hipongas tardios, existencialistas como fui.

Um nórdico – classifico-o por causa de sua transparência que nem sombra faz e seu cabelo loiro – atravessa a avenida Nossa Senhora de Copacabana como um ser de outra esfera, vindo talvez de Oslo, de Helsinque? Ele é estranho nesse ecossistema onde as pessoas têm um código de linguagem, um jeito de corpo e um modo de se relacionar gravado na estrela mais brilhante do Cruzeiro do Sul. Eles vêm aos montes porque amam nosso jeito, nossa cor, nossas mulheres, nossos homens, nossa cultura, nosso astral.

Esse gringo pede uma informação em inglês e o carioca responde em seu tupi misturado a banto e português. Até quando? Somos uma potência em simpatia, somos uma força bruta na economia da paz, temos jacarandás mognos e castanheiras e somos obrigados ainda a nos adaptar à língua das sequoias.

Copacabana
Essas ruas de Copacabana são sombreadas por um verde da tonalidade das florestas originais e há um aparente equilíbrio entre o artificial cimento e meu natural momento (Foto: Lúcia Chayb – Revista Eco-21)

Meu Manifesto

Meu manifesto é que a língua padrão das economias de mercado absolutista seja apenas usada nas bolsas e nos fronts da guerra, na compra e venda de armamentos, canhões e ogivas, se assim for! Mas nas viagens e nas relações humanas o Carioquês seja o código universal!!

Meu manifesto é que um projeto de Lei seja apresentado ao Legislativo para que se oficialize o Carioquês como Língua da Paz!

Meu manifesto é que a economia de Copacabana, representada por lojas de souvenirs, clínicas de estética, cabeleireiros, academias, bares e cafés, restaurantes, hotéis, locadoras de automóveis, vendedores ambulantes, camelôs, artesãos, pintores, malabares, artistas da noite, agentes de viagens, guias de turismo e todas essa gente e empresas que usam o relacionamento cordial como moeda – que toda essa economia seja isenta de todo e qualquer imposto. E que essas empresas sejam incluídas no Cadastro Nacional das Empresas Promotoras da Paz e do Amor!

E que esse projeto de Lei tenha um parágrafo único que classifique essas micro, pequenas e médias empresas como exclusas da economia fugaz, fora da indústria poluidora e destruidora, a mesma que financia e alimenta as guerras.

E que esse projeto de Lei, depois de aprovado apenas oficialize e reforce o que sempre foi Copacabana: um lugar com uma economia ensolarada de troca, indexada a um passado de gente que precisa trabalhar não para ficar rica e se dar bem, mas que quer só ser feliz.

“… e que essas empresas sejam incluídas no Cadastro Nacional das Empresas Promotoras da Paz e do Amor!” (Foto: Lúcia Chayb – Revista Eco 21)

São Paulo, 21 março de 2024 (22h56)


*Paulo Atzingen é jornalista, cronista, poeta e fundador do DIÁRIO DO TURISMO.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Que beleza de texto, Paulo Atzingen. Traduziu Copacabana com fidelidade. Francisco Ancona

    —–

    Que delícia de texto!
    Copacabana é mesmo a síntese do Rio de Janeiro
    Uma receita que mistura Tijuca com Leblon, e consegue ser melhor que os dois
    Moro e trabalho em Copacabana, e gosto de tudo isso
    Abraços

    Cassiano

  2. Parabéns pelo seu texto, pois realmente Copacabana é um ícone do Rio de Janeiro.
    Tive o prazer de morar no Rio há muitos anos e, apesar de viver em Ipanema curtia muito Copacabana.
    Depois que voltei para SP, pela atuação profissional da época, estava sempre no Rio, e claro, na maioria das vezes, vivenciando Copacabana.

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