Já era tardinha quando chegamos à comunidade Paraitepuy, no Parque Cainamã, e dali já avistávamos parte do Monte Roraima e seu irmão à esquerda, o Monte Kukenan. Trazia comigo um misto de espanto e incredulidade.
Por Paulo Atzingen, de Paraitepuy*
Espanto por causa do tamanho daquelas muralhas de pedra no horizonte que ainda não se mostravam inteiras, cobertas por colossos de nuvem. Incredulidade por não acreditar que ultrapassara o norte do norte do meu país, ou, cientificamente falando, o seu máximo setentrional e estava em terras venezuelanas. A mesma Venezuela tão desconhecida pelos brasileiros por sua vastidão geográfica e riqueza de povos. Entre a vila Paraitepuy e o Monte Roraima, havia ainda 20 quilômetros de caminhada, vales, montanhas e savanas, que aqui ganham o regional nome de lavrado. O mesmo imenso lavrado que atravessamos de Boa Vista até aqui, pela BR-174, com suas veredas habitadas por buritis, aldeias indigenas e tamanduás bandeira, nesta região também conhecida como Raposa Serra do Sol.


Paraitepuy: recebidos como irmãos
Paraitepuy é a última base onde se pode chegar de carro 4X4, antes da partida pedestre rumo às montanhas. Tem escola, posto médico, igreja católica e bodegas, espécie de mercearias onde os visitantes compram insumos para sua aventura.
O ar que me entrava pelas narinas era gelado, no entanto, sua pureza era ainda mais desconcertante. Fomos recepcionados por Florêncio Ayuso, o líder da comunidade, e por Teodoro, o velho amigo de Magno Souza, do Roraima Adventures. Teodoro foi, conta Magno, seu primeiro guia para a montanha de pedra, em 1992. Percebo o grau da amizade entre eles. Magno é filho da terra e está incorporado ao lugar não por trazer regularmente turistas até aqui, mas por já compreender o espírito dos povos originais e ser aceito como um irmão.
Coral puro
A tarde desaparece e a noite cai rápida aqui. Mal havíamos terminado os cumprimentos e abraços, e surge em meio a cerração um grupo de meninos e meninas entre seis e doze anos que se enfileiram e se posicionam orientados por um professor, e acompanhados por dois músicos com uma espécie de banjo, que também surgiram da bruma. Estavam ali para nos recepcionar, era um coral e iriam cantar pra nós! Formado por crianças de 5a 12 anos, descalças, umas à vontade, quase adolescentes, sorrindo, outras sérias, pequeninas, com olhos curiosos, talvez fazendo aquilo pela primeira vez. A menina mais jovenzinha cochicha algo no ouvido da amiga ao lado, e riem, talvez das nossas caras de assustados, ou por nossas roupas, ou por sermos estranhos mesmo.



Deus Uno
O ar limpo de Paraitepuy se unia à pureza daquelas crianças que iniciam a apresentação. Cantavam ora em espanhol, ora em sua língua original, o pemón. Sinto o astral da montanha me abraçar ouvindo o canto daqueles pequenos seres humanos. Sinto as mãos de um deus uno, talvez cristão, talvez tupi, talvez wanadi pairar naquele ambiente, quando elas e eles entoam em espanhol ou em pemón, louvores que vêm do alto. São flechas de um conhecimento ancestral, são mensagens lançadas por uma zarabatana milenar que me atingem os olhos, trespassam os ouvidos e são cravadas no peito de quem chegou aqui.
Enquanto do outro lado do mundo são lançados mísseis de ódio para a destruição, como um anúncio da 3ª. Guerra Mundial, aqui em Paraitepuy somos abraçados como irmãos, irmãs, filhos e filhas de um Deus Único e nos é oferecido paz, contemplação e amor.

*Paulo Atzingen viajou a Roraima convidado pela Secretaria Estadual de Cultura e Turismo de Roraima.
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