Cuba: que venha uma nova ordem com o fim do embargo econômico

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por Paulo Atzingen*

Na noite do dia 22 de dezembro ao chegarmos ao hotel após um dia longo de caminhadas em Havana, assistimos na TV o pronunciamento de Raul Castro na Assembleia Nacional do Poder Popular, o Congresso Nacional de lá. O presidente de Cuba lia uma longa carta e dava uma satisfação a seu povo e aos políticos da ilha sobre o recente início de acordo com os Estados Unidos que tem como premissa o fim do embargo econômico imposto pelos americanos que já dura 53 anos.

Castro em sua fala apenas transparecia que o seu país chegara a um nível de aniquilamento econômico e que o colapso de seu governo era iminente. Dizia em seu discurso prolixo – provavelmente escrito por seu irmão Fidel – que seu povo não poderia perder a dignidade material diante das circunstâncias históricas. Reforçou, com certo orgulho, sua altivez moral por ter sobrevivido até aqui com um sistema socialista de distribuição de riqueza – mesmo estando explícito de quem só ganhe seja o estado.

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É público – sem redundâncias – e notório. Nesta segunda viagem a Havana, desta vez como turista, foi possível ver o verdadeiro socialismo dos castros. Não se vê riqueza distribuída nas ruas, mas uma cidade que parou no tempo e seu povo troca entre si migalhas de um projeto fracassado que morre pouco a pouco sufocado pela economia de mercado e pela imposta maneira de ser do mundo contemporâneo com seus consumos, tecnologias, comunicação e demandas.

Os Estados Unidos fizeram do país sua praia de veraneio e trouxeram os reluzentes carrões que hoje  dão o tom às ruas de Havana
Os Estados Unidos fizeram do país sua praia de veraneio e trouxeram os reluzentes carrões que hoje
dão o tom às ruas de Havana

Da apresentação do Buena Vista Social Club ao hotel o jovem bicitaxista Carlos cruzou, ao meu pedido, por inúmeras vielas e transversais onde os turistas não frequentam e foi possível constatar: há uma falsa imagem vendida da Havana Socialista. A verdadeira Havana representada por seu povo vive muito mal. Não em favelas construídas individualmente, mas em cortiços financiados pelo Estado.As cinco décadas que o governo socialista passou cuidando da saúde e da educação de seu povo deixou de dar atenção à infraestrutura das cidades. Havana Vieja, por exemplo, tem casarios em pedaços, ruelas insalubres, esgotos a céu aberto e aquela velha sensação de insegurança e vulnerabilidade. “queres um charuto amigo? Queres tomar um trago de daiquiri?”, pergunta-me o casal de gigolôs convidando-me para assistir um grupo cantante… Ganhar CUCs – (Peso Cubano Convertido) fácil junto aos turistas virou profissão . É uma forma alternativa de conseguir dinheiro em um país sem emprego e até então sem perspectiva.

PARADOXO
Os casarios com fachadas clássicas e arquiteturas de períodos áureos foram construídos nos tempos de fausto do país: durante o império espanhol, quando este implantou seus traços mouros nas facetas das casas, ou até o início da década de 1950, quando os Estados Unidos fizeram do país sua praia de veraneio e trouxeram os reluzentes carrões que hoje dão o tom às ruas de Havana. T udo isso, no entanto, sobrevive sob um grande paradoxo. A imponência dos prédios convive com um comportamento de marginalizado do cubano.

Roupas, toalhas e peças íntimas tremulam nos varais improvisados das janelas e contrastam com a coluna carolíngia que emoldura o mesmo prédio que várias famílias dividem, com o seguinte detalhe: eles não estão inscritos no Sistema Nacional de Habitação e apenas ocupam a “vivienda”, como chamam. O prédio é do governo.

Houve um período áureo, de fausto, que ficou para traz. Com o regime popular socialista implantado em Cuba por Fidel, a Reforma Agrária, o Controle das Contas Públicas e o investimento em Educação e Saúde podem ter dado ao país a credibilidade de que o sistema soviético e chinês era viável. No entanto, percebe-se que o nível de empobrecimento das pessoas, das famílias e do tecido social associado ao discurso mofado de socialismo de quem está no poder e não quer perdê-lo, não permitem que o país saia do lugar.

A sacada de um prédio histórico que serve de moradia para uma família despencou e a construção moura, esculpida no século XVIII, parece amputada de um membro. No lugar do balaústre, um varal com a bandeira de Cuba.

Quem deve fazer a reforma e devolver ao conjunto do corpo seu braço decepado? O indivíduo que tem a concessão do imóvel e deve zelar por sua aparência ou o governo cubano que é proprietário?

É preciso que nasça uma nova cidade-estado em que o turista ou visitante não seja visto pelo cubano  como um pote de ouro
É preciso que nasça uma nova cidade-estado em que o turista ou visitante não seja visto pelo cubano
como um pote de ouro

NOVA ORDEM
É preciso que nasça uma nova cidade-estado em que o turista ou visitante não seja visto pelo cubano como um pote de ouro sem a necessidade de ir até o fim do arco-iris e pelo governo como uma única forma de manter a economia informal funcionando, mesmo que precariamente.

É preciso nascer uma nova ordem de país-estado onde as pessoas não se contentem com cem gramas de pó de café e dois quilos de arroz por mês. É preciso nascer uma nova ordem de cidade-nação onde a indústria produtiva não varra para os mangues e para os morros a população produtiva e limite uma faixa à beira-mar – um malecon – apenas para os turistas.

Que este início de diálogo entre os Estados Unidos e Cuba restabeleça neste país o crescimento equitativo e que o tempo para o fim do embargo seja breve.

Os corações cubanos, fortes por sua vocação artística, e as mentes cubanas, vivas por serem educadas, merecem uma nova ordem social.

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