Desejo de ano novo – Crônica de Osvaldo Alvarenga*

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Farto de escrever sobre vírus e confinamento, e farto das notícias que me chegam do Brasil, procuro pedaços soltos de ideias na tentativa de mudar de assunto. Você se lembra de onde estava e com quem passou o réveillon deste ano? E se lembra das promessas que fez e o que desejou para 2020? Veja o que eu deixei escrito:

“Primeiro de janeiro. Preguiçoso na cama penso que sou um tipo quase sem vícios. O pensamento não chega à toa: procuro ansioso o celular, quero rápido ler as notícias. Vício matinal. Que importância podem ter as notícias da manhã do primeiro dia do ano na vida de alguém? Que relevância têm, na minha vida, as notícias matinais? Promessa de ano novo: não ler as notícias na cama – nem Whatsapp, Facebook ou Twitter. Depois do café, na falta de coisa melhor para fazer, aí tudo bem. Promessa é dívida (as de ano novo não sei).

Cismas matinais. Sem ressaca, nem celular (cadê ele?). O que promete 2020? Na primeira hora do ano, antes de ir dormir, olhei o céu estrelado. Órion brilhava imponente sobre a minha cabeça. Será promessa de um ano com mais estrelas, menos luz artificial e menos asfalto? Será promessa de um ano de buscas sem fim? Não é promessa de nada. A constelação de Órion, todos os anos, por todos os séculos e milênios da humanidade, sempre esteve por ali no céu àquele dia e hora. 

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Na dúvida, quero um sinal. Leio sobre Órion. Tem passado incerto. Na mitologia grega há muitas versões. Comum a todas, ele é aventuroso mortal, o maior caçador, maior até que Ártemis, a deusa da caça, filha de Zeus, que mesmo apaixonada por ele, mata-o. Ciúme, ressentimento ou engano? Não está claro. Morto, foi condenado ao céu por sua luxúria, arrogância e violação ou foi imortalizado no céu por atenção de Zeus ao pedido da filha? Não encontro a resposta. Esqueço as aventuras do mítico gigante, fico com as habilidades do caçador: exploração, perseverança, paciência, potência e foco. Que 2020 seja um ano com menos procura e mais encontros, e mais realizações. Não é promessa. É desejo.”

Desatento eu. Buscasse respostas para o ano, não abandonaria as notícias, ao contrário, leria com atenção também as notas sem destaque. Em dezembro, os jornais já noticiavam as dezenas de casos de uma nova pneumonia que matava pessoas numa província anônima na China. Na madrugada daquele dia primeiro, enquanto eu cismava sob as estrelas, o mercado de carne de animais silvestres em Wuhan, agora famosa, era fechado pelas autoridades locais. Desse eu atenção à minha intuição, teria levado em conta que Órion (para desgosto de Gaia), por sua destreza de caçador, gaba-se capaz de exterminar qualquer animal da Terra, e teria lido com maior interesse a passagem em que Menipe e Metioque, filhas dele, são sacrificadas para salvar a Beócia da peste. 

Sem fugir do assunto, enfadado, passo os dias a desejar a vida como foi antes do ano novo chegar. 
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