Diante do Portão do Maravilhamento

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por Paulo Atzingen* – Artigo publicado originalmente no Atzingen.com.br no dia 30 de setembro de 2018 e atualizado em 27 de maio de 2022.

por Paulo Atzingen*


Os dois comas que somei na vida devem explicar esse mania de buscar o desconhecido. O primeiro em uma corrida de atletismo na escola agrícola. Cheguei em quarto lugar e fui parar no hospital onde fui reanimado com choques elétricos no peito. 30 dias depois recebi uma medalha de bronze e todos me olhavam como ‘o ressuscitado’. O segundo coma foi mais solitário e poucos assistiram. Um poste entrou na frente de minha bicicleta no calçadão de Santos e dali fui visitar as estrelas. Três dias para recuperar a memória e voltar à real. Seriam essas ocorrências pessoais tentativas involuntárias de provar a antimatéria? Não posso cravar.

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Antes, moleque, naquele lapso de tempo entre o cheiro de fraldas na infância e o fedor da rua na adolescência, numa noite que o céu era o espetáculo, tive vontade em ser duas coisas ao mesmo tempo: astrônomo e jogador de futebol. Foi a época que o homem pisou na Lua e o Brasil foi Tri. Mas eu, não fui nem astronauta, nem campeão de futebol. Na bola  não passei do dente-de-leite, mas na relação com o espaço ainda insisto em decifrar os céus. Dizem que há um portão do maravilhamento atrás desse breu azul e quero entrar lá para ver o que tem dentro, se é que já não vi.

Como sou pouco organizado e sempre deixei a natureza pentear-me o cabelo que vivia aos ombros fui deixando a ideia de ser cosmonauta. Projetei-me para fora do circulo da casa de meus pais, um rio claro que serviu de plataforma de lançamento, ali era o meu cabo Canaveral, em meio ao canavial.

Fui ver o mundo com os pés na Terra. Olhava para o céu e observava a quantidade de pontos brancos brilhando e não entendia onde estava a matriz daquela máquina de fazer estrelas. Os livros de astronomia não me revelavam os enigmas do universo, dos buracos negros, do espaço-tempo…

Quando via chuva de estrelas imaginava um ventilador gigante soprando partículas de brasa entre as supernovas. Nas noites de lua cheia dividia meu lado de amante das letras com meu lado afeito a nomes de constelações: cassiopéia, centauro, sirius. Quando via aquele leite azul em um ajuntamento de estrelas tinha medo: parecia uma mortalha psicodélica me chamando para a morte ou para um outro estágio que não conseguia entender.

Tive verrugas apontando estrelas, fiquei cego olhando direto para o sol, mas não tive atitudes práticas de fazer uma nave para varar o tempo, o espaço, contrariar a gravidade e ultrapassar o limite cósmico da velocidade. Criei teorias de mim mesmo e dos outros. No máximo, juntei lenha e gravetos e vi o fogo dos sóis arder um ano-luz depois em fogueiras de São João, como essas que são acesas em junho.

Hoje, longe da cidade vejo um rastro de estrelas sobre minha cabeça que se despenca para um dos lados do cosmo. Subo em minhas idéias e acoplo a elas o desejo do infinito, ajusto o capacete e o cinto de segurança e… projeto-me.

Apesar da guerra e do demasiadamente humano vejo a aurora boreal e guardo em meu coração uma aurora humana jamais experimentada. É como nascer para um dia novo em que novas cores e significados mudam meu modo de pensar, falar e agir. Os arcos de cor verde e lilás coladas ao horizonte pintam em minha íris uma emoção indizível. A confusão de nuvens esgarçadas e aqueles traços de gênio pintor com sua espátula gigante me emprestam uma intensidade luminosa e brilhante e, ainda que daqui da Terra, cheguei ao meu limiar cósmico e estabeleci de uma vez por todas a minha própria eternidade.

Como aquele rapaz adolescente que correu demais no colégio agrícola e foi ressuscitado, ou aquele jovem na bicicleta que trombou com o poste e visitou estrelas, nesses dois casos desrespeitei a lei eterna e científica que diz ‘não viajarás mais rápido que a luz’ e tive uma punição: quando chegar minha hora poderei ver o que tem depois do portão do maravilhamento e só depois poderei chorar.

 

 

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