Gláucia Machado é múltipla, complexa, misturada e inspiradora. Talvez aí esteja uma das fórmulas de mulher. Professora de Música, contadora de histórias, mãe e repórter do DIÁRIO nas horas vagas. Foi ela e sua família que inauguraram uma editoria no DT denominada Equipe Family, trazendo informações cruciais para leitores que queiram viajar em família.
por Paulo Atzingen*
Foi ela que abriu um canal no Youtube chamado Chapéu Mágico e vem encantando centenas, milhares de crianças e adultos. Foi ela que também, no último ano, em meio à pandemia, teve que ir cuidar da mãe, com câncer, em Salto, no interior de São Paulo. Acabou ficando, ficando e, ficou. Essa amiga e colaboradora do DIÁRIO, que mais parece um personagem do Sítio do Pica Pau Amarelo com suas falas, gestos e criações nos conta em primeira pessoa a sua mudança de rota, confira:
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No meio do caminho existe uma pedra… e outro caminho
“Escolha a pedra”. Essa foi a proposta que recebi ao lado de colegas em uma dinâmica no trabalho.
Era apenas uma pedra, mas fez toda diferença naquele dia, porque refletimos sobre o trabalho, a vida, as nossas ações e relações.
Transformei a pedra em um chaveiro e pendurei-o na minha mochila.
Anos depois, estou sentada numa sala de espera aguardando o tratamento de minha mãe. E pensando no paciente anterior que recebeu um diagnóstico que, em princípio, entristece. Pensando no quanto a vida parece incerta: em um dia estamos bem, no outro tudo revira e nos coloca de pernas para o ar e cabeça em terra. (Talvez não seja uma posição tão ruim, afinal, cabeça na terra lembra joelhos dobrados em oração).
Ouço a conversa dos acompanhantes que se encontram na mesma situação que a minha. Falam de dias difíceis e outros piores, porém, as frases sempre terminam com palavras de perseverança, esperança e a lembrança gostosa dos dias bons. E então, a conclusão que todos nós temos: todos os dias são bons afinal!
Novamente olho para a pedra da minha mochila, presa há tantos anos que, como uma mobília velha, passou a ser despercebida. Todavia, num segundo recupera o sentido de estar ali.
A vida pode até parecer incerta, mas não é!
Nossa vida é como uma pedra na beira do rio. Águas turbulentas e calmas, brisas frescas e ventos tempestuosos nos tocam – às vezes no mesmo dia! – e tudo isso nos transforma, nos molda e vai,aos poucos, nos polindo.
Deixei uma vida agitada na capital para viver em uma chácara no interior. Um espaço gostoso e simples que chamo de “Pé de quê?”.
As mudanças foram profundas e importantes.
O desemprego foi um impacto, mas entendi quando um ente querido adoeceu exigindo de mim uma agenda mais flexível. Essa é minha realidade. Sei que trabalhos que exigem horas de dedicação precisam ser realizados também. Entretanto, a exigência da vida para mim foi outra.
A mudança de cidade tomou sentido, quando a necessidade da proximidade da família se fez presente. Viajava um final de semana por mês da capital para o interior. Era o tempo de recuperar as energias físicas e emocionais. A vida na capital traz muitas facilidades, entretanto, para mim, a necessidade de estar perto da família tornou-se fundamental. Um final de semana por mês já não era suficiente.
A alteração no padrão de vida ensinou-me o que de fato são prioridades. Entendi que posso ter ou não um bom salário! Que tudo, no final das contas dará certo! Coisas que eu desejava já não são importantes. Hoje olho para meu quintal todas as manhãs e corro para meus pés de feijão para ver se estão produzindo. Avalio folha por folha do pezinho de berinjela porque minhas amigas borboletas adoram botar ovos nele. Fiquei triste por causa de um pé de morango que num dia estava lindo e cheio de folhas e no outro, destruído por formigas cortadeiras. O arroz com feijão ficou mais gostoso. As gargalhadas em torno da mesa ganharam força e beleza… sim! Há beleza nas gargalhadas de quem você ama.
O contato com a natureza mudou a forma de eu me alimentar. A gratidão brota no coração ao sentir o sabor de hortaliças que plantei e cuidei. Manga, abacate, tomate, morango… A cada sabor uma nova sensação. Mas o contato com a natureza ensinou-me a contemplar: o nascer e o por do sol, a transformação da borboleta, o canto das cigarras, o coaxar dos sapos, o cricrilar dos grilos. Foi nessa terra maravilhosa que, na madrugada pude ouvir o canto misterioso e emocionante do urutau, assoviando uma canção de gratidão pela noite. Seu canto me emocionou tanto que só consegui, em pensamento, dizer: Obrigada!
Ainda não fui polida totalmente pela vida. Sei que muitas dificuldades e alegrias ainda estão por vir. Mas, um pensamento ronda minha cabeça: a vida é linda agora! Não amanhã, não daqui a um ano. Agora! Neste momento! Presente! Há tanto para ser sonhado e vivido! Ainda tenho planos e projetos. Quero ter forças para realizá-los. Contudo nunca mais quero deixar de viver o hoje.
Ainda na sala de espera, recebo a notícia de que a aplicação da medicação hoje será mais rápida. Vamos voltar para casa mais cedo… Isso é benção! Me levanto, olho para a pedra na mochila e sorrio para ela: Vamos?
*Paulo Atzingen é jornalista