As águas do Rio Solimões já retornaram ao seu leito, após um período longo de estiagem jamais visto. Aos poucos seus afluentes, igarapés e igapós retomam ao seu lugar original
Por Paulo Atzingen, de Manaus e São Paulo*
Foi neste contexto de retorno das águas que embarcamos no Grand Amazon Expedition, na segunda quinzena do último mês de outubro.
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Embarcados, experimentamos os serviços de bordo tanto de hotelaria como de gastronomia. Mas as surpresas continuam além do Grand Amazon Expedition e chegam às margens, nas visitas às comunidades ribeirinhas, experiências autênticas oferecidas aos passageiros.
Para Francisco Samir Alves, guia de turismo que nos acompanhou nesta aventura pelos meandros do Rio Solimões, descer às margens dos rios e visitar a casa do caboclo amazônico é entrar realmente no coração da Amazônia. E ele tem razão.
Uma reverência à casa do caboclo amazônico!
A casa de Clodoaldo e Lucilene está erguida sobre palafitas na ilha de Marchantaria, em um afluente do Rio Solimões, a 40 quilômetros de Manaus. Para acessá-la nesse fim de estio amazônico é preciso usar a escada. A típica casa amazônica é aberta como um coração em estado de graça. Na sala, duas bacias sobre a mesa transbordam macaxeira cozida e bananas da terra prontas para o consumo. Isso mostra a generosidade dos seus moradores, já na recepção. Um corredor nos leva até a cozinha, e os quartos possuem cortinas no lugar das portas e ali é possível ver a simplicidade aliada ao cuidado com a casa em sua humildade e em sua limpeza. Clodoaldo nos oferece café, cuscuz de milho e um mamão recém colhido do pé. É a hospitalidade em seu estado puro.
Resiliência e força
Guias como Samir Alves representam o que é genuíno no turismo amazônico e suas informações são baseadas na experiência, na vivência.
“A estiagem mesmo intensa, não afetou os ribeirinhos, que é um povo resiliente, forte e tem ao seu lado também os ciclos da natureza”, revela. Ele adianta que a falta de chuvas não interferiu na essência da experiência turística. Os rios recuados expuseram o solo fértil das várzeas, planícies ribeirinhas que, no período das cheias, voltam a inundar, nutrindo a terra e criando um ciclo de fertilidade essencial para a subsistência local.
Casa de Farinha
Em um momento inesquecível, guiados por Samir, fomos levados até a casa de farinha, um símbolo da tradição e do saber do caboclo amazônico. Pudemos ver o ritual de transformação da mandioca, macaxeira por aqui — a brava e a mansa — um dos alimentos mais importantes da Amazônia: a farinha de puba. A técnica, passada de geração em geração, envolve uma paciência artesanal e uma habilidade que só os amazônidas têm.
“Cada fase do processo, desde a colheita, a moagem da macaxeira, o processo de secagem e torragem são só possíveis porque os caboclos possuem um saber herdado de seus antepassados, um saber ancestral”, disse Samir ao DIÁRIO.
Enquanto a dona Lucilene mexia o tacho para a torra da farinha, Samir explicou a importância de conhecer a diferença entre as variedades da mandioca. A “brava”, rica em ácido cianídrico, exige um processo longo de cozimento para eliminar as toxinas; já a “mansa” pode ser consumida diretamente, tornando-se ingrediente principal de diversas receitas. “Deste trabalho de beneficiamento da macaxeira temos vários produtos para a mesa do amazônida e do turista: a farinha de mandioca (ou farinha de puba como falam aqui), o caldo de tucupi, o polvinho (a goma), a tapioca e a maniçoba”, enumera.
“A maniçoba é considerada a feijoada amazônica, pois leva folhas de folhas da mandioca, que são trituradas e cozidas por vários dias para eliminar as toxinas e ingredientes semelhantes à feijoada, como carne de porco e embutidos”. explicou.
Samir Alves é de Itaituba e como seu amigo e colega Wenceslau Nascimento, é filho das águas. “Sou filho do rio Tapajós, afluente do Amazonas”, me diz.
Escola e Energia Elétrica
Ele nos leva até um grande pé de sumaúma e sob sua sombra explica que a chegada de energia elétrica em 2012 por esta região transformou a vida dos ribeirinhos. “No passado, professores se deslocavam da capital para ensinar nessas comunidades. Hoje existem professores da própria comunidade que tiveram a oportunidade de formação acadêmica, bem como enfermeiras e assistentes sociais”, afirma Samir apontando a escola que fica ao lado da casa de Lucilene e Clodoaldo.
Ao final da expedição à ilha de Marchantaria, a certeza de que esta experiência transcende o turismo tradicional e é um tributo ao caboclo amazônico, a quem reverenciamos por seu conhecimento da terra, sua resistência e sua sabedoria em harmonizar-se com o entorno natural.
Casal de paranaenses aprova
Eliane Stang Huning e Alcindo Narciso Huning, um casal de paranaenses de Francisco Beltrão, no Paraná, aprovou a expedição. “Nota 10 a tudo a bordo do navio!. E nota 10 a todas as expedições! Conhecer a vida dos ribeirinhos é voltar à nossa verdadeira natureza! Adoramos e vamos recomendar a todos os nossos amigos do Paraná”, disse Eliane ao DIÁRIO.
Compreensão de pertencer à floresta
Francisco Samir Alves e sua equipe demonstram que a Amazônia é um universo onde o turismo sustentável floresce em sintonia com as particularidades e desafios do bioma, oferecendo ao visitante uma compreensão verdadeira do que significa pertencer à floresta.
O Grand Amazon Expedition não é apenas uma viagem de luxo — é uma experiência transformadora, que conecta seus passageiros com a alma da Amazônia e com a vida ribeirinha em sua forma mais autêntica e resiliente.
*O jornalista viajou ao Amazonas convidado pela rede Iberostar Hotels & Resorts e com seguro Europ Assistance
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