O setor hoteleiro brasileiro vive uma dicotomia: de um lado, enfrenta entraves operacionais sérios, como a escassez de mão de obra qualificada e os custos crescentes; de outro, é impulsionado pela retomada do turismo doméstico, eventos corporativos e novas frentes de desenvolvimento regional. A partir da análise do ambiente interno e externo, este artigo discute as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças (análise SWOT) que moldam o setor atualmente. Propõe, ainda, estratégias realistas para contratação, retenção e qualificação de talentos, além de destacar caminhos viáveis para empreendedores e investidores superarem as barreiras de entrada e aproveitarem o potencial de geração de empregos e negócios da hotelaria nacional.
Após os abalos da pandemia e com a volta da circulação de pessoas, o mercado se aqueceu, mas o setor se deparou com uma barreira crítica: a ausência de mão de obra especializada. Recepção, governança, A&B, manutenção, marketing, distribuição e gestão comercial tornaram-se áreas sensíveis à rotatividade e à falta de talentos treinados, impactando diretamente a qualidade do serviço e a competitividade dos empreendimentos.
Oportunidades internas e externas
Ao mesmo tempo, o setor encontra um ambiente promissor no mercado interno com a expansão de rotas aéreas regionais, incentivos ao turismo nacional e crescimento da multipropriedade e produtos mistos (hotel + residência). O mercado externo, por sua vez, volta a enxergar o Brasil como destino de negócios e lazer, sobretudo, em nichos como o turismo ecológico, de luxo e de experiência. Contribui para este crescimento da hotelaria nacional o número crescente de shows de grandes artistas internacionais, as guerras no mundo, que tornam o ambiente do turismo inseguro, e a alta do dólar e euro nos grandes centros controladores do turismo mundial.
Entre as forças, o Brasil conta com uma vocação natural para o turismo e uma infraestrutura hoteleira diversificada, fatores que favorecem o crescimento do setor. A presença de grandes grupos e marcas confere robustez ao mercado, enquanto a resiliência e adaptabilidade pós-Covid-19 demonstram a capacidade do setor de se reinventar frente a adversidades.
Entretanto, as fraquezas representam desafios substanciais para a sustentabilidade do crescimento. A baixa capacitação técnica e gerencial e a alta rotatividade, muitas vezes associada à informalidade, refletem deficiências na retenção e desenvolvimento do capital humano. Além disso, a falta de investimentos contínuos em formação e a ausência de padronização na qualidade dos serviços impactam diretamente a experiência do cliente e a competitividade do setor.
No ambiente externo, as oportunidades trazem perspectivas positivas, como a revalorização do turismo interno e os novos investimentos em infraestrutura, que podem fomentar demanda e expansão. Parcerias público-privadas e a digitalização de vendas e gestão indicam caminhos potenciais para inovação e melhorias operacionais.
Por outro lado, as ameaças evidenciam riscos que agravam a dificuldade de mão de obra: a concorrência de plataformas de aluguel por temporada afeta a oferta tradicional; a carga tributária elevada e a instabilidade regulatória dificultam o ambiente de negócios; a escassez de mão de obra especializada limita o crescimento e a percepção de insegurança em regiões turísticas pode reduzir a atratividade para trabalhadores e turistas.
Barreiras de entrada e saída na hotelaria brasileira
O cenário atual revela que o crescimento do setor hoteleiro brasileiro, para ser sustentável e competitivo, precisa endereçar diretamente a questão da mão de obra. Investimentos significativos e contínuos em capacitação, a profissionalização da gestão de pessoas, a valorização do trabalhador presencial e a padronização da qualidade dos serviços são imperativos estratégicos. Assim, será possível transformar as fraquezas em pontos fortes e aproveitar as oportunidades externas, mitigando ameaças e garantindo a perenidade do crescimento.
Apesar do aquecimento do setor, abrir ou manter um hotel no Brasil ainda exige enfrentar barreiras relevantes, destacamos abaixo alguns pontos de observação: Entrada: alto custo de capital inicial, alto custo dos terrenos, principalmente em grandes cidades e áreas de turismo de lazer consolidados, burocracia para licenciamentos, dificuldade em contratar mão de obra qualificada, instabilidade jurídica e fiscal. Saída: ativos de baixa liquidez em mercados saturados, passivos trabalhistas acumulados, contratos de operação onerosos e dificuldade em vender empreendimentos de pequeno e médio porte.
Caminhos para o futuro da hotelaria nacional
Para que estas dificuldades sejam vencidas temos alguns Caminhos realistas para o avanço o principal dele passa por consolidar a formação de mão de obra especializada, sem vencer estas etapas abaixo o crescimento ficará prejudicado em algum momento:
É urgente a criação de polos regionais de qualificação técnica hoteleira com parcerias entre SENAC, grupos de representação do setor da hotelaria, restaurante e do turismo, redes hoteleiras e governos locais. Programas de capacitação prática, com bolsas de incentivo e contratos de aprendizagem, devem ser o foco imediato.
A nova geração busca mais do que salário: quer propósito, crescimento, fazer a diferença no mundo e reconhecimento. Hotéis que investem em planos de carreira, ambiente saudável, respeito ao meio ambiente, transparência no relacionamento e cultura de valorização têm menores taxas de turnover.
Automatizar processos não significa eliminar pessoas. Pelo contrário, libera o colaborador para entregar hospitalidade com mais inteligência emocional e atenção ao detalhe. O tempo livre permite a equipe criar novas experiências para os usuários frequentes.
O modelo centralizado perdeu força. A busca por talentos locais, com valorização da cultura regional e incentivo à mobilidade dentro da rede, fortalece vínculos e reduz custos com deslocamentos, moradia e adaptação a cultura local. É necessário a união de forças dos diversos atores para a estabilização do crescimento. Desenvolvedores e investidores devem mirar destinos emergentes com potencial de diversificação econômica e políticas de incentivo ao turismo.
Gestores operacionais precisam investir em cultura organizacional e gestão de pessoas como eixo estratégico, não apenas operacional. Associações e redes devem ampliar sua atuação política em prol de incentivos fiscais e regulamentações simplificadas para formação de mão de obra. Startups e soluções tecnológicas devem oferecer ferramentas customizadas que auxiliem no treinamento remoto, no engajamento da equipe e na análise preditiva de desempenho.
O descompasso entre a velocidade das transformações do mercado e a formação de talentos compromete a entrega de serviços com qualidade, consistência e valor agregado. No entanto, o ambiente atual também se mostra fértil em oportunidades, especialmente para os agentes que souberem ler o cenário com pragmatismo e visão de futuro.
Superar a crise de capital humano exigirá articulação entre empresas, instituições de ensino, entidades setoriais e poder público, com foco em soluções escaláveis de capacitação e retenção. Mais do que tecnologia ou estruturas físicas, é a dimensão humana que sustenta a essência da hospitalidade. Investir nas pessoas de forma contínua, estratégica e sensível às mudanças do comportamento do consumidor, será o principal diferencial para aqueles que desejam não apenas sobreviver, mas liderar a próxima etapa do desenvolvimento hoteleiro no Brasil.
Por Márcio Lacerda, vice-presidente do FOHB – Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil e diretor geral da Hotelaria Brasil, CEO da Ventura Resorts e Presidente do Board do Conselho Administrativo da Unna Hospitality, além de Fundador da Thess Hotéis