Imigração: a grande viagem sem volta de nossas vidas – Por Fabio Steinberg

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Há dois tipos de viagens. As mais lembradas são as associadas a lazer, motivações pessoais, ou atividades profissionais. Mas há outra espécie, bem mais dramática. É a reservada aos imigrantes, quase sempre forçada por fatores alheios à sua vontade. Nesta relação entram fatores como catástrofes naturais, guerras e conflitos de toda espécie, sejam gerados por situações econômicas adversas, perseguições políticas, intolerâncias étnicas, religiosas ou sociais, entre outros. As vítimas são em geral inocentes famílias e cidadãos deslocados de forma abrupta de suas vidas nos países de origem, em direção a aventuras compulsórias para destinos desconhecidos. Longe de seu habitat, transformam-se de cidadãos em estrangeiros.

O problema existe desde o início da civilização. De acordo com a ONU, em 2013 o total de imigrantes chegou a 232 milhões, ou seja, 3,2% da humanidade. Para onde a maioria foi? Hoje 46 milhões (20%) estão nos Estados Unidos, seguidos pela Rússia (11 milhões), Alemanha (10 milhões), Arábia Saudita (9 milhões), Emirados Árabes e Inglaterra (8 milhões cada), entre outros.

Por trás do baixo índice de imigrações em relação à população mundial, escondem-se incontáveis dramas individuais e coletivos. Suas histórias seriam esquecidas não fosse a obstinação de vários autores de registrar os fatos e testemunhais, e assim deixar um legado sobre as traumáticas experiências.

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Uma das imigrações forçadas ocorreu no Egito a partir de 1956. Junto com a comunidade internacional, principalmente de ingleses e franceses que viviam no país, quase todos os 50 mil judeus, alguns já na terceira geração, tiveram que abandonar com urgência o país. Considerados estrangeiros por decreto do governo ultranacionalista do coronel Gamal Abdel Nasser, perderam seus bens e nacionalidade. Saíram do Egito às pressas com os bolsos vazios, dirigindo-se principalmente para Israel, Europa, Estados Unidos e América do Sul. O êxodo foi tão intenso que em 1957 a antes vibrante população judaica no Egito caiu para 15 mil pessoas, até o completo desaparecimento nos anos seguintes.

Um dos registros deste episódio é descrito no livro Valeu! de Sami Goldstein, ele próprio vítima da situação. Eis como ele conta sobre a sua chegada ao Brasil: “No dia 5 de novembro de 1957 desembarquei na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, após 19 dias de viagem. Eu tinha 21 anos, cinco dólares no bolso, o diploma de perito técnico-industrial, duas malas enormes de couro, uma com roupas e outra com uma cama dobrável. Confesso que fiquei apavorado. Eu estava sozinho, cercado por pessoas que falavam um idioma que eu não entendia”.

Mas a competência, determinação e sorte ajudaram Sami, um ser humano especial com quem tive a honra de conviver por vários anos. O empresário, executivo da IBM por 30 anos, líder comunitário, e pintor de telas descreve em sua obra como foi a troca de uma promissora vida confortável no Egito pelo recomeço difícil em outro país, felizmente bem-sucedido. Com a obra, que adota um tom coloquial e leve com pitadas de humor muito característicos do autor, ele pode incluir também em seu currículo a carreira de escritor.

A mesma epopeia dos judeus egípcios é registrada com talento e precisão em Noites de Verão com Cheiro de Jasmim, da jornalista Joelle Rouchou. Nascida na Alexandria, chegou com a família ao Rio aos três meses de idade. Ela sintetiza o estado de espírito de sua comunidade com a saída do Egito: “Aqui se trata de expulsão. De uma mudança traumática, principalmente para os filhos que não sabem por que os pais decidiram sair. De pessoas que em 15 dias se viram obrigadas a deixar não só sua terra, seu chão, suas raízes, mas suas vidas, seus bens, seu modo de ser e relacionar; para desembarcar algum tempo depois num lugar em que provavelmente nunca tinham pensado”.

Há ainda o livro O Maestro, que tive o prazer de escrever sobre a fascinante vida do empresário de turismo Mayer Ambar, fundador da Bel Air Viagens. Ele tomou a decisão de seu novo destino vindo do Cairo com base na leitura de Brasil, País do Futuro, de Stefan Zweig.  Chegou com passagem só de ida e cara e coragem, como fizeram outros conterrâneos.

O trio de personagens mostram pontos em comum. O primeiro é a nostalgia de um Egito que não existe mais. O segundo é a determinação de vencer. E o terceiro, a eterna gratidão ao país e às pessoas que os acolheram com carinho. Cada um deles trouxe expressivas contribuições à sociedade. E foi com este placar da vida que o Egito perdeu feio para o Brasil.

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