Ricos que ostentaram a fuga em jatos e empresas que ameaçaram
funcionários caso demorassem a voltar
Patrícia Gosálvez (El País) –
Teve o garoto que morreu tentando salvar sua gata, o herói que arriscou a vida para resgatar os filhotes de cachorro abandonados na tempestade e o dono de uma loja de colchões que abriu suas instalações para os evacuados. Mas em caso de catástrofe, nem tudo são gestos de solidariedade e generosidade. A recente série de furacões que arrasou o Caribe e a costa leste dos Estados Unidostambém teve cenas de mesquinharia humana.
Preços triplicados
A ressaca do Harvey trouxe uma foto viral que mostrava como uma loja da rede de eletrodomésticos Best Buy, em Houston, oferecia um pacote com 24 garrafas de água por 42,96 dólares (cerca de 134,74 reais, lote que em qualquer supermercado custa três vezes menos). Depois da avalanche de críticas, a Best Buy divulgou um comunicado de desculpas dizendo que foi um caso isolado e que em suas lojas só se vendem garrafas avulsas. Foi “um grande erro”, admitiu a empresa, responsabilizando um empregado confuso que multiplicou o preço por unidade e colocou os pacotes à venda.
Nos últimos dias, o Ministério Público do Texas recebeu mais de 500 queixas sobre aumentos de preços semelhantes por causa dos furacões. “Vimos pacotes de garrafas de água por até 99 dólares, hotéis que triplicaram e quadruplicaram suas diárias, gasolina vendida entre 4 e 10 dólares o galão…” [o preço normal oscila entre 2,5 e 2,9 dólares]”, disse o Procurador-Geral do Texas, Ken Paxton, à rede CNBC. “Não se pode fazer isso no Texas”, enfatizou o procurador, “acho que muita gente não sabe disso, mas a manipulação de preços implica em multas significativas; de até 20.000 dólares, inclusive 250.000 dólares se a vítima tiver mais de 65 anos”. O órgão prometeu que as queixas serão investigadas e multadas em conformidade com a lei.
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Se você não é hóspede, não o resgato
“Eles desligaram as luzes para nos mandar embora… Tinham 600 vagas, preencheram 300 com hóspedes do Marriott e estamos aqui, cerca de 35 pessoas, e eles não nos deixam entrar no barco […] para voltar para casa […] Então teremos de enfrentar o furacão San José na ilha de Saint Thomas, depois de haver encarado há alguns dias o furacão Irma… Não temos água, comida e nem para onde ir… Eles nos abandonaram”.
Sobre as imagens de um porto às escuras, Naomi Michail Ayala, uma estudante norte-americana de férias nas Ilhas Virgens, narra a situação com voz trêmula. Sua postagem no Facebook deu a volta ao mundo antes que o Marriott desse sua versão: eles queriam evacuar os 35 turistas que não eram hóspedes, mas não havia tempo a perder e as autoridades portuárias não o permitiram.
Alguns dias depois, a rede de fast-foodPizza Hut se meteu em outra confusão de imagem corporativa quando um gerente afixou no mural de uma unidade em Jacksonville, Flórida, um memorando que se tornou viral. Em um frenesi de literatura agressiva passiva, o chefe pedia aos empregados que tomassem todas as precauções necessárias diante da tempestade, mas ele os lembrava encarecidamente que qualquer atraso nos turnos seria punido como de costume.
“A Pizza Hut paga o salário mínimo, mas quer que seus empregados arrisquem suas vidas pelos lucros da empresa”, tuitou um usuário ao lado da foto do memorando. De novo, a marca divulgou um comunicado desvinculando-se da decisão do gerente.
Eu vou de jato
Além das corporações, alguns ricos e famosos também pisaram na bola (com tudo), manifestando uma desastrosa falta de sensibilidade à catástrofe. O bilionário telepregador Joel Osteen ofereceu suas orações às vítimas, mas não abriu as portas de sua gigantesca igreja em Houston (16.000 lugares) para alojá-los. No final, depois de dias de indignação nas redes, mudou de ideia.
A milionária Lisa Hochstein, que apareceu no reality show Real Houseviwes of Miami (que inspirou no Brasil o programa Mulheres Ricas) decidiu publicar no Instagram uma foto fugindo da Flórida em seu jato particular acompanhada do marido – um famoso cirurgião plástico apelidado de The Boob God (o deus dos peitos) –, do filho e dos dois cachorros. Todos sorrindo ao pé da pista.
A modelo Joanna Kruppa, ex-colega de Hochstein no programa (e arqui-inimiga, nota-se) tuitou logo depois: “Para todos esses idiotas que se gabam do jato particular em Miami, por que não oferecem ajuda às famílias e aos animais que não podem sair de lá? A foto original logo ficou cheia de comentários semelhantes, aos quais Hochstein respondeu irritada: “Embora não seja seu maldito assunto, não éramos os únicos no avião… Todo mundo está contando nas redes sociais como escapou! É assim que eu fiz e não preciso me desculpar ou me esconder por isso”.
Pode ser, Lisa, mas ninguém escapa do julgamento nas redes. O próprio presidente Trump foi duramente criticado por tentar capitalizar politicamente sua visita à região quando em seu discurso aos afetados pelo Harvey, em Corpus Christi (Texas), começou com um “Quanta gente! Que sucesso!”, mais próprio de um comício.
A primeira-dama estava fantasiada de Top Gun chique (óculos e jaqueta de piloto, salto alto vertiginoso) para embarcar no Air Force One e viajar para o coração do desastre. “Não, Melania, você não pode usar esses sapatos em uma inundação”, tuitou a Vogue. Quando Melania desceu do avião, tinha colocado tênis e um boné bordado com a palavra FLOTUS (iniciais de Primeira-Dama dos EUA em inglês) combinando com o do marido, que dizia USA, e que, aliás, é vendido no site da campanha de Donald Trump por 40 dólares, preço que também despertou comentários furiosos na Internet.