Inteligência: Dick apresenta uma forma alternativa para questionar a realidade
Enio Klein*
Vivemos numa época estranha. Podemos viajar para aonde quisermos, até para outros planetas. E para quê? Para ficar sentado, dia após dia, a moral e a esperança definhando. Mergulhado num tédio infinito. E, enquanto isso, os outros estão ocupados”. Neste trecho retirado do livro “O Homem do Castelo Alto”, o autor Phillip Dick apresenta um cenário onde o Eixo vence a Segunda Guerra Mundial, e os avanços tecnológicos, como os foguetes que levam um passageiro da Europa a São Francisco em 45 minutos, esbarram na demora de um simples atendimento ao cliente, provocada pela falta de procedimentos e atenção devida.
Da mesma maneira que Dick apresenta uma forma alternativa para questionar a realidade, desafio você a questionar tudo o que vem sendo propagado como realidade tecnológica, e como ela ainda não significa resultados para as empresas. Sim, estou me referindo, mais uma vez, ao hype da inteligência artificial, que continua sendo apresentada por uma parte dos influenciadores como algo que representará um imenso diferencial no futuro, mas que, sozinha, não mudará nada no bottom line nos demonstrativos de resultado das empresas.
Sim, estou me referindo, mais uma vez, ao hype da inteligência artificial
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“Ninguém sabe, ao certo, como usar isso para agregar o máximo valor”, disse Mark Benioff, co-fundador e diretor executivo da Salesforce, uma das líderes de mercado em seu segmento, em uma recente entrevista, quando foi questionado sobre o valor que seu produto de IA agrega. Diz ainda que a tecnologia passa hoje por uma “fase já conhecida: é estranha e nova, podendo, às vezes, prometer mais do que é capaz de cumprir”. Por outro lado, o movimento é estimulado pela competição. Ninguém quer correr o risco de ver um concorrente eventualmente usando a inteligência artificial antes de sua própria empresa. Nem importa muito se está dando resultado ou não. O que temos hoje é uma corrida das empresas de tecnologia, como a de Benioff, em conquistar clientes que ainda estão muito mais na vibe de impactar seus mercados com o marketing da inovação que a IA sugere do que propriamente se preocupar com resultados concretos.
A inteligência artificial caminha para permitir que empresas possam analisar uma imensa quantidade de informação gerada tanto por ela quanto disponível no mercado – leia-se internet – nos posts, blogs, sites, redes sociais, imprensa online e sites de universidades. O acesso a esta enorme quantidade de informação permitirá que as organizações e ganhe inúmeras possibilidades de crescimento em termos de novas ofertas, novos posicionamentos, novas formas de atuar junto a seus clientes, fornecedores ou mesmo na sua própria operação em tempo real. Não é somente uma questão de substituir tarefas humanas por tarefas de máquina, mas tornar possível algo que o ser humano não é capaz de fazer, e irá transformar dramaticamente o modo e trabalhar das empresas e melhorar a experiência do cliente de forma imediata a níveis muito mais altos. Há, contudo, pré-requisitos que, deixados de lado, irão comprometer esse futuro. A atenção ao trinômio: pessoas, processos e tecnologia. A tecnologia é um deles.
Ao mesmo tempo que a IA começa a trazer uma nova dimensão no tratamento e utilização da informação, ainda temos que ter as pessoas capacitadas, conectadas a um novo ambiente de trabalho e a uma nova forma de exercer suas atividades. Estes fatores precisam estar associados a processos ágeis, flexíveis e fáceis de operar que permitam a estas pessoas a exercerem, na prática, toda a promessa de tempo real que a tecnologia traz. Infelizmente, ainda vejo muito pouco investimento por parte das organizações em construir ou mesmo reorganizar suas estruturas internas e seus processos.
Não adianta inteligência sem processos
Não adianta inteligência sem processos. São os processos que trazem os resultados práticos no dia a dia, e são eles juntamente com as pessoas, que tornam factíveis as propostas de crescimento. Muitas vezes, os resultados se perdem na última milha, no momento em que é papel do ser humano tomar decisões e executar. Aí as empresas pecam na capacitação ou, pior, ainda preferem acreditar na retórica do marketing de que os chatbots ou assistentes virtuais podem substituir as pessoas e os processos com mais inteligência e efetividade. Não podem. Podem, sim, ajudar aos humanos capacitados e amparados por processos estruturados a fazerem a diferença. Acreditem na tecnologia, acreditem na ciência de dados e na IA. Mas tenham em mente que somente com processos adequados, automatizados – e aqui também tem tecnologia – e pessoas capacitadas para executa-los na última milha, você verá os resultados da inteligência artificial ou de qualquer inteligência no seu balanço.
*CEO & General Partner da DOXA ADVISERS, professor nas disciplinas de Vendas e Marketing da Business School São Paulo e Coach pessoal e profissional pela International Association of Coaching – IAC/SLAC