Islamofobia abala a Londres multicultural

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Recente ataque perto da mesquita de Finsbury Park
revela auge das agressões contra muçulmanos

EL PAÍS –

A pequena Noha, de dois anos, sentada em sua cadeirinha, aproveita para espalhar iogurte por toda parte em sua roupa enquanto seu pai, Abdul Salam, desenha com uma hidrográfica um coração em volta da frase que acaba de escrever na parede: “Ver isto me faz ter mais esperança no mundo no qual minha filha vai crescer”. É um muro inteiro cheio de dedicatórias, cartões e montes de flores, na saída da mesquita Finsbury Park. Aqui ao lado, faz uma semana, Darren Osborne, um galês de 47 anos, lançou um furgão contra um grupo de pessoas que saíam das orações, gritando “quero matar muçulmanos”.

Cristãos, judeus, hindus, agnósticos, jogadores de futebol, estudantes, moradores, turistas, imigrantes. Seria possível ficar horas lendo as mensagens deixadas durante toda a semana. Na segunda-feira à noite, 24 horas depois do ataque, centenas de pessoas foram às portas da mesquita para oferecer aos fiéis rosas vermelhas, amarelas e brancas, como símbolo da Londres multicultural. O país se mobilizou pela comunidade muçulmana de Finsbury Park, bairro no Norte de Londres, paradigma da multiculturalidade.

Essa é uma das faces da moeda. A de Darren Osborne é a outra. Apenas neste mês uma mulher com véu foi atacada com um saco de vômito em Lancashire; os fiéis de uma mesquita de Cambridge encontraram fatias de carne de porco presas em seus carros, dezenas de muçulmanos receberam cusparadas ou insultos ou cartas nas quais é dito que eles não são bem-vindos no país. Por todo o Reino Unido, os muçulmanos denunciam que são alvo de violência unicamente pela maneira de se vestir e de rezar, porque praticam uma religião sequestrada pelos sanguinários extremistas do autodenominado Estado Islâmico (EI).

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Em números

  • 4,8% da população da Inglaterra e do País de Gales é muçulmana, segundo o censo mais recente, de 2011.
  • É uma comunidade maior que a soma do resto dos grupos não cristãos
  • 12,4% da população de Londres é muçulmana.
  • O perfil da população muçulmana no Reino Unido é mais jovem que a média (25 anos, contra a média de 40).73% dos muçulmanos no Reino Unido consideram que sua única identidade nacional é a britânica.

Os crimes de islamofobia vêm crescendo de forma constante nos últimos 10 anos. Em 2016, foram 1.219 em Londres, segundo informações da prefeitura, 17% a mais que no ano anterior. As estatísticas de alcance nacional são mais complicadas, porque nem todos os corpos policiais coletam dados sobre esses incidentes. Mas de acordo com a Tell Mama, organização que compila denúncias de crimes de ódio contra a comunidade muçulmana por todo o país, houve um aumento de 326% em 2015.

Cada vez que há um ataque terroristacrescem os incidentes de islamofobia. Em Londres, nas duas semanas anteriores aos ataques de Paris de novembro de 2015, foram registrados 24 incidentes. Nas duas semanas posteriores, 74. Em 6 de junho, depois do ataque na Ponte de Londres, houve o relato de 20 incidentes, contra a média diária na capital de 3,5.

“É o que acontece quando alimentamos a noção de responsabilidade coletiva, quando se responsabiliza uma comunidade pelas ações de um indivíduo”, explica Joe Mulhall, pesquisador da organização antirracista Hope Not Hate. “Para isso contribuem vários fatores. De um lado está o papel do movimento antimuçulmano organizado. Não há mais grupos fortes em escala nacional, mas o fenômeno se fraturou em pequenos grupos de escala regional. Por outro lado, há os jornais sensacionalistas de direita, The Daily Mail, The Sun e The Daily Express, que há muito tempo retratam os muçulmanos como inimigos. E por último há processos que fazem que um fenômeno que estava nas margens passe ao centro da discussão. Por exemplo, o Brexit. O debate era tão tóxico que acabou alimentando os preconceitos contra o diferente.”

Duas semanas depois do ataque em Manchester no mês passado, milhares de pessoas se manifestaram contra o Islã no centro da cidade, o que levou muitos a temer um ressurgimento dos múltiplos protestos de rua contra os muçulmanos vividos pelo país no começo desta década. Neste sábado, ativistas de diversos grupos da ultradireita europeia foram detidos na fronteira quando se dirigiam a uma manifestação contra os muçulmanos em Birmingham. Mas isso é só uma parte da história. Para entender a islamofobia, como outros extremismos, é preciso se conectar à Internet.

Uma criança escreve no muro junto à mesquita.
Uma criança escreve no muro junto à mesquita. MARKO DJURICA REUTERS

“A rede permite a indivíduos de extrema-direita alcançar volume de pessoas que nunca tinham concebido”, explica Mulhall. “Dessa forma conseguem manipular a narrativa depois dos atentados. Entre os 10 vídeos mais vistos no YouTube no Reino Unido no dia seguinte ao ataque de Westminster estava um no qual um líder da ultradireita investia contra os meios de comunicação que não culpavam o Islã.”

As flores e as mensagens de amor também se acumulam na parede do centro muçulmano de Finsbury Park, dobrando a esquina da mesquita. De lá saía Makram Ali, de 51 anos, antes de ser atropelado pelo furgão de Osborne. Ali morreu na hora. Os dez feridos, segundo Toufik Kacimi, presidente do centro, instalado no bairro desde 1973, evoluem favoravelmente, pelo menos no aspecto físico. “Estão muito afetados psicologicamente”, explica. “Foi uma semana muito dura. Percebe-se que é muito fácil matar. As pessoas se sentem vulneráveis. Minha própria filha, que veste hijab [véu islâmico], tem medo de sair na rua. Esse medo é horrível.”

Kacimi alerta que a islamofobia não é patrimônio da extrema-direita marginal. “Muitos meios de comunicação alimentam esse ódio. Prevent, a estratégia do Governo britânico para prevenir o extremismo, também demoniza os muçulmanos. Donald Trump tem um discurso antimuçulmano, e aqui, o UKIP desempenha papel central na islamofobia”, denuncia.

O UKIP conseguiu 1 em cada 8 votos nas eleições de 2015 com um discurso nacionalista e contra a imigração. Seu programa para as eleições de 8 de junho deste ano, as primeiras depois do triunfo do Brexit, incluía medidas de verniz islamofóbico, como a proibição do véu e a adoção de exames para verificar se as meninas nas escolas haviam sido submetidas à mutilação genital. Mas, apesar dos três atentados terroristas que ocorreram antes das eleições, o UKIP implodiu nas urnas até quase desaparecer como força política. Também as acusações beirando a islamofobia de Zac Goldsmith, o candidato conservador à prefeitura da capital, não conseguiram impedir que os londrinos elegessem no ano passado Sadiq Khan, um prefeito muçulmano.

Diante das flores e dos belos desenhos que preenchem o muro exterior da mesquita de Finsbury Park, Abdul Salam limpa o iogurte da roupa de sua filha Noha. “Enquanto eu crescia, não me preocupava com a islamofobia, estava preocupado com as coisas que preocupam as crianças”, afirma. “Quando soube do ataque, pensei no mundo em que minha filha vai crescer, e me deu muita tristeza. Mas ver isso me faz sentir feliz. Me faz ter confiança no mundo e nesta cidade.”

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