Jorge Rebelo, fundador e presidente da rede Vila Galé: “Os hotéis não devem ser cópias!”

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A conversa com José Rebelo, presidente e fundador do grupo hoteleiro Vila Galé, começou com ele citando os poetas brasileiros. E sobre esse enigma em que pessoas nascidas em outras terras amam mais nossa arte e nossa cultura do que nós mesmos.
“Temos em nossos hotéis, representados na decoração, nas pinturas, vários poetas e músicos brasileiros. O Vinícius de Morais, o Carlos Drummond de Andrade. E agora também fizemos homenagem à nossa língua, nas versões portuguesa e brasileira. Está lá a minha querida Clarice Lispector. Tem que visitar. Está no Vila Galé Alagoas”, disse Jorge Rebelo ao editor do DIÁRIO, Paulo Atzingen, na entrevista exclusiva concedida no Vila Galé Paulista, em São Paulo.
Depois concordamos que quando se fala e se investe em cultura e em arte, diretamente, realçamos a sensibilidade das pessoas, enaltecemos os valores humanos e, por que não, exercemos a sustentabilidade. Abaixo, transcrevemos, em tópicos, os principais assuntos.

A força da cultura

Jorge: Olha, eu acho que o turismo é importante para a economia e o desenvolvimento dos países. Mas há duas coisas que temos de respeitar. Em primeiro lugar, não devemos fazer hotéis que sejam cópias de tudo que se faz no mundo. O turismo, para ter sustentabilidade, ter que estar sempre muito ligado à cultura. E ao saber novo. Na nossa animação para crianças, nós fazemos muita coisa que é divertida, que as crianças adoram. Mas não custa nada passar para elas uma mensagem de que temos de respeitar o meio ambiente, evitar desperdício, não gastar energia demais. E nem jogar lixo no chão.

VILA GALÉ: ARTE E LITERATURA

Patrimônio Histórico

Jorge: Eu acho que o futuro do turismo passa pela manutenção da autenticidade dos países, como os centros históricos. O Brasil liga pouco para os centros históricos. São Paulo, por exemplo, tem um centro histórico extraordinário. Porém, completamente abandonado, não é? Aliás, nosso amigo Vinícius Lummertz, secretário de Turismo do Estado de São Paulo, bem que tentou. Mas o centro de São Paulo está tão descuidado… Nós estamos atravessando, no mundo, uma situação complicada. Não é só no Brasil, é na Europa também.  O fato é que dói a gente ver gente dormindo na rua. No Brasil, preocupa muito o abandono dessas pessoas.

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Perfil social da empresa

Jorge: Desde o começo desta empresa, sempre procurei incutir nas pessoas alguns valores. E um deles é a solidariedade. Não fazemos ‘caridadezinha’, de uma forma muito superficial, só para fingir que ajuda os pobrezinhos. Não é isso. Nós temos prazer em melhorar a vida das pessoas. Em caso mais recente, numa cidadezinha de Alagoas, nós criamos 300 empregos numa primeira etapa. Demos formação para os jovens. Gente que não tinha esperança de encontrar um emprego.

O que eles iriam fazer naquela cidade? Iriam para outro lugar qualquer – Maceió, São Paulo, Rio de Janeiro ou para o Chile? De repente, nós aparecemos. A sensação da gente fazer o bem dá muito prazer. Há muita gente que não tem essa sensação e acha que ajudar os outros é um sacrifício, um castigo. Eu acho que ajudar os outros dá muito prazer, quando o outro, como ali aconteceu, nos agarra assim na mão e diz “obrigado por ter criado este emprego”.

O que eles iriam fazer naquela cidade? Iriam para outro lugar qualquer – Maceió, São Paulo, Rio de Janeiro ou para o Chile? De repente, nós aparecemos. A sensação da gente fazer o bem dá muito prazer.

Acho que é uma forma de reconhecimento. Nós sentimos que fizemos bem em ter ajudado as pessoas. Eles trabalham muito felizes. E isso é uma coisa que passa para o cliente. Se você entra em um hotel e o pessoal briga, não está feliz na vida, o ambiente fica pesado. A gente procura dar boas condições de trabalho, boa comida. Nos 36 anos que essa empresa existe, sempre entendemos que não é custo dar uma comida boa ao pessoal. Pelo contrário, compensa muito. Não só pela qualidade de comida, mas pela educação das pessoas. Melhorar as condições de apresentação, como é que se come, como se comportar.

VILA GALÉ: PESSOAS

Hotel é escola

Jorge: Vou dar o exemplo do Vila Galé Marés, na Bahia, que é uma das peças mais bonitas que nós fizemos aqui no Brasil. Às pessoas que foram para lá, no começo, nós demos também formação. Mas elas eram muito limitadas, não sabiam sentar-se a uma mesa. Sobre a limpeza, muitas vezes, diziam assim: “as pessoas não ligam se o chão está com areia”. Por quê? Elas vivem em uma casa que o chão era com areia. Então nós temos que conversar com as pessoas, temos de entender a realidade delas. Explicar a elas que deviam ambicionar, no futuro, ter também um pavimento mais limpo e mais higiênico na casa delas.

É evidente que, no Brasil, o problema habitacional é grave. Acho que o programa Minha Casa, Minha Vida foi eficiente. Mas as dificuldades, em matéria de alojamento das pessoas, vão continuar, juntamente com o emprego. Há o problema da segurança e muita gente pensa que se resolve na porrada. Tem de resolver com rigor, com disciplina. Se nós queremos ter um país mais tranquilo, mais calmo, precisamos que as pessoas tenham melhores condições de vida.

Novas gerações

Jorge: Eu acredito, sinceramente, que daqui a 10 anos uma geração, que hoje tem 10, 12, 15 anos, vai rejeitar ir para um hotel que não tenha preocupações ambientais. Que não tenha alguns princípios e alguns valores. Porque a criança é que vai fazer a mudança. Eu gosto muito do Brasil e de falar à vontade do Brasil.

Sempre tem gente que pergunta se nós somos loucos, porque abrimos este hotel (Vila Galé Paulista) em plena pandemia, em agosto de 2020. Saímos daqui e fomos começar uma obra em Alagoas, feita ainda durante toda a pandemia. Abrimos este ano de 2022, também em agosto. Estávamos todos muito afinados, nós abrimos e tivemos clientes nessa data.

Sempre tem gente que pergunta se nós somos loucos, porque abrimos este hotel (Vila Galé Paulista) em plena pandemia, em agosto de 2020. Saímos daqui e fomos começar uma obra em Alagoas, feita ainda durante toda a pandemia.

O futuro é esta criançada, que vai aprender coisas diferentes. As crianças têm preocupação com o lixo. As ruas, por melhor que seja um serviço de limpeza em uma cidade, têm de passar a sensação de uma cidade limpa. Por que a Disney está limpa e tem um bom serviço de limpeza? O show criou uma cultura nas pessoas. Não jogar cigarro e papel no chão. E por que eu falo isso?

Essa história do lixo é muito, muito importante para o turismo. Há 20 anos, em Portugal, nós éramos muito mais atrasados do que somos hoje. Também se jogava muito lixo na rua, ninguém ligava, havia muita gente que cuspia no chão, jogava cigarro, papel. Então melhorou muito. E quando vim para o Brasil, percebi que é preciso ir devagarinho. Não é de um dia para o outro que se estala os dedos e diz: “agora toda a gente não joga lixo mais”. É um processo.

VILA GALÉ: PESSOAS

Pós-pandemia

Jorge: Estava toda a gente muito sequiosa de abraçar, beijar, olhar, cheirar e por aí fora. Porque estava todo mundo fechado em casa, durante muito tempo. Nunca ninguém pensou que o turismo se recuperasse tão rápido. Curiosamente, aqui no Brasil, nem se recuperou tão rápido neste ano. Na Europa, no ano passado, tinha sido bastante pior do que aqui.

Mas, no mundo, incluindo o Brasil, o turismo se recuperou rápido em relação às previsões mais pessimistas. Você sabe que há sempre os profetas da desgraça, que falam: “o turismo não vai voltar a ser o que era”. E o turismo, rapidamente, acelerou. Hoje, os problemas no mundo são muitos. Neste momento, na Europa, falta muita coisa. Temos uma guerra, estamos com problemas de energia.

E o turismo, rapidamente, acelerou. Hoje, os problemas no mundo são muitos. Neste momento, na Europa, falta muita coisa. Temos uma guerra, estamos com problemas de energia.

Em Portugal, tivemos uma seca grande este ano. Então, sempre surgem problemas. A pandemia ainda não tinha acabado e já se falava em uma outra crise – a do Monkeypox, a varíola dos macacos. Graças a Deus, não prosseguiu. Há muito alarmismo, porque os jornais e as televisões querem vender. O alarmismo desperta muito mais curiosidade. Uma notícia má é muito mais repercutida do que uma boa. Para notícia boa, ninguém liga muito.

Preocupação Mundial

Jorge: Em nossa atividade na Europa, vamos chegar ao final de 2022 acima do ano de 2019, antes da pandemia. Porém, há sinais que causam alguma preocupação. Este ano, houve um salto significativo do turismo interno, em Portugal. As pessoas foram gastar o que tinham poupado durante a pandemia. Mas do futuro, ninguém sabe, está tudo tão complicado. Nunca pensei, na minha vida, que em 2022 eu ia assistir a uma guerra na Ucrânia, desencadeada por um filho da mãe que lançou uma ofensiva contra aquele país. O mundo, hoje, está todo mudado. Gente morrendo na Ucrânia, passando por dificuldades. Destruição do patrimônio histórico – uma perfeita barbaridade.

Os sinais do mundo são muitos, não é só esse. Eu também acho que as pessoas, hoje, diante de uma crise, devem continuar a fazer sua vida normal. Nada de ficar deprimido. E o turismo pode ajudar as pessoas. Vão viajar, namorar, passear, ser felizes (risos). Agora, que há sinais preocupantes no horizonte, há. Porque não é só, infelizmente, o problema da Ucrânia. É o problema de Taiwan com a China, é o problema daquele doido da Coréia do Norte – nunca se sabe o que vai sair dali.

O mundo está preocupado. E o único remédio que eu conheço, para essas crises, é trabalhar mais, que melhora. Não conheço melhor remédio. Trabalhar e continuar fazendo a nossa vida, e tentar melhorar.

HOTÉIS VILA GALÉ DO BRASIL

Análise do Brasil

Jorge: Eu acho que é preciso acreditar mais no turismo, fazer aquilo de que o turismo precisa. E do que é que o turismo precisa? Nem é muita coisa. Mas é preciso que venham mais turistas estrangeiros. E para virem mais turistas estrangeiros, do que é preciso? É preciso que a gente transporte esse turista. E neste momento, no Nordeste todo dá para fazer um trabalho extraordinário para o Brasil, pois tem 84 voos semanais.

Mas o Brasil precisava de muito mais. A França, por exemplo, que é um país do tamanho da Bahia, recebe 90 milhões de turistas por ano. E a Bahia sequer é o maior estado brasileiro. Os estados do Norte, por exemplo, são gigantescos. Mas o Brasil recebe 6 milhões de turistas. É um absurdo. O Brasil tem muita, muita coisa interessante para ver. Aqui as pessoas são calorosas. É o país que, eu costumo dizer, nasceu para Turismo. É o país que ensina os turistas a serem felizes. E isso em meio a tanta dificuldade, pobreza e problemas.

Jeito Brasileiro

Jorge: As pessoas do Brasil sabem ser felizes com facilidade. Mesmo com todos esses problemas, sabem ser mais felizes, às vezes, que o europeu, que chora de barriga cheia e que se queixa de qualquer coisinha. Aqui no Brasil, a pessoa chega no final do dia e diz: “Amanhã é outro dia”. E naquela noite vai se divertir e não fica ali a resmungar. É uma das coisas positivas do Brasil. Claro, o Brasil precisa fazer mais coisas, melhorar a infraestrutura, melhorar a formação.

No nosso caso, nós damos formação. Mas para o Turismo em geral funcionar bem, é preciso que o próprio Estado dê apoios e incentivos para que as empresas, elas próprias, possam fazer a formação dos seus quadros.

No nosso caso, nós damos formação. Mas para o Turismo em geral funcionar bem, é preciso que o próprio Estado dê apoios e incentivos para que as empresas, elas próprias, possam fazer a formação dos seus quadros. E próprio o Estado também deve fornecer formação. Isso, na certeza de que o Turismo é uma indústria que dá muita condição para as pessoas evoluírem culturalmente. Não é só na escola que a pessoa aprende.

Por que é bom viajar? Por que o Turismo tem uma grande vantagem? Você, quando viaja, se for com os olhos bem abertos, aprende muito. Agora, o Brasil tem dificuldade em ampliar o turismo internacional. Mas, o turismo interno é fortíssimo. As pessoas têm uma vontade de viajar muito grande. E viajam, apesar dos preços do transporte aéreo no Brasil estarem, hoje, mais caros do que nunca.

Jorge Rebelo recebeu a reportagem do DIÁRIO, em sua unidade, na Paulista (Crédito: Geovana Fraga – DT)

*por Paulo Atzingen; colaboraram Gabriel Emídio, Caroline Figueiredo e Geovana Fraga, do DT. Agradecimentos à assessoria de imprensa do Vila Galé pela gentileza das fotos das unidades e das pessoas

 

 

 

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