Por Paulo Atzingen* (de Madri)
Só depois de passados alguns anos do assalto à Casa da Moeda da Espanha e me tornado refém por aquele bando de Robin Hoods modernos posso relatar agora, com mais calma e equilíbrio, minha experiência.
É inegável que ficaram traumas, tiques nervosos e alguns traços de síndrome de pânico. Não posso ouvir a sirene de uma ambulância ou fogos de artifício que tenho náuseas e o coração dispara.
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Mas isso tudo passa quando começo a lembrar da lição que aqueles desatinados deram à Espanha, ao Brasil e a mim, em especial.
Os dois meses que fiquei aqui na capital espanhola à disposição da justiça para testemunhar contra os saqueadores da Casa da Moeda fui entendendo a motivação que os levou a fazerem o que fizeram. E aos poucos desisti de ser testemunha de acusação. O primeiro julgamento acontece agora, no próximo mês de agosto de 2020.
Mas o que me fez mudar de lado? O sistema financeiro da Espanha é pervertido como a maioria dos sistemas financeiros do mundo. Passei a ler o El Pais todos os dias e soube que nos últimos quatro anos, os ganhos dos três maiores bancos públicos e privados daqui superaram EU$ 360 bilhões. No ano em que aconteceu o assalto, 2017, foram mais de EU$ 101 bilhões. Vejam a manchete do El País deste domingo: “Em receita dos serviços, os bancos da Espanha públicos e privados superaram os EU$ 440 bilhões nos últimos quatro anos. Esse dinheiro veio das tarifas bancárias, das anuidades de cartão de crédito, das taxas de operações de crédito, e dos pagamentos de transferências”, diz a reportagem do jornal diário. Esse é um retrato da sordidez financeira que temos também lá no Brasil, só que claro, em reais.
A polícia espanhola me exigiu o detalhamento do saque (sim uso este termo que é mais apropriado que roubo) na Casa da Moeda. Vou adiantar esse detalhamento aqui e deixar registrado, caso ocorra algum imprevisto aqui em Madri. Para que devolvessem meu passaporte e não me enquadrassem como suspeito pediram para que eu relatasse tudo o que presenciei nas 24 horas que fiquei lá dentro. É uma forma de montarem o quebra cabeça para ao menos tentar prender o restante desses justiceiros econômicos, que em menos de uma semana se tornaram amados pelo povo madrilenho – idolatrados pela população espanhola e por aqueles que pagam impostos exorbitantes. Essa turma, liderada pelo Professor, é admirada por aquela faixa de pessoas extorquida por juros altos, títulos podres e câmbios fraudulentos. Mas vamos ao relato:
Lembro-me que naquela viagem à Madri havia levado poucos euros e já no primeiro dia tive que cambiar. Como ficara hospedado em um hotel próximo a Gran Via, tinha acesso fácil à Casa da Moeda, onde a cotação estava melhor e havia uma agência de câmbio funcionando.
Para chegar ao câmbio percorri uma Madri alaranjada por aquele sol de início de verão. Calhes floridas exalavam aqueles ares mornos de uma metrópole radiante. Cosmopolita, sua juventude circulava de bicicleta, bebia nos bares, ou tomava capuchino em elegantes cafés.
Ainda recordo de ter entrado na Casa da Moeda, e que o setor de câmbio ficava na ala à direita do prédio. Passei por uma porta com detector de metais com dois seguranças encapsulados em guaritas de vidro à prova de balas. A última coisa que me lembro é uma imagem gigante do Brasão de Armas da Espanha na parede e a explosão. Tudo ficou silencioso e cheio de fumaça. Fiquei em knockdown não sei por quanto tempo.
Quando voltei a mim era levado por um mascarado, alto e forte, para o hall central do banco, onde outros reféns estavam, todos apavorados e em estado de choque.
*Paulo Atzingen é escritor e jornalista
**Esta história é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência – Leia os outros capítulos desta novela nas edições futuras do DIÁRIO DO TURISMO.