Leia o relato de Vanessa Granovski, brasileira que fugiu da guerra na Ucrânia

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A paulista Vanessa Granovski, de Sorocaba, foi uma das brasileiras resgatadas esta semana da Polônia por um dos aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), que pousou na Base Aérea de Brasília na última quinta-feira (10). Casada com Vladimir Granovski, brasileiro de origem eslava que ficou na Ucrânia, Vanessa está grávida e não retornou na aeronave de porte da FAB, mas sim, no avião Legacy, junto de outras duas famílias com crianças pequenas, também da FAB. Dois dias antes de embarcar da Polônia, Vanessa concedeu essa entrevista ao jornalista colaborador do DIÁRIO, Billy Viveiros*. O relato, emocionante, descreve com riqueza de detalhes os momentos de terror, angústia e medo que todos aqueles, brasileiros ou não, sentem no olho do furacão de uma guerra.

Vanessa foi para a Ucrânia há dois anos, quando o marido recebeu uma proposta de trabalho em um laboratório. “Era uma proposta muito boa e, na época, ele não estava empregado. Então nós decidimos que ele iria primeiro, pra ver se era realmente uma coisa segura, e eu continuaria trabalhando no Brasil, até decidirmos quando eu deveria ir também. Quando vimos que estava tudo certo eu me desliguei de meu emprego, peguei meu cachorro “Thor” e, também, me mudei para a Ucrânia”, conta Vanessa. Abaixo, transcrevemos a entrevista, na íntegra:

Como era a vida de vocês lá?
Vanessa Granovski – Nós morávamos em Kiev, num bairro afastado uns 40km do centro, porque optamos por morar o mais perto possível da empresa e facilitar a nossa locomoção.

O laboratório onde vocês trabalhavam era estatal ou privado?

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Vanessa Granovski – Era privado. Não era nada associado ao governo não.

Vocês dois são fluentes em russo e ucraniano?
Vanessa Granovski – Meu marido é fluente em russo. Ele lê, escreve… Eu estou aprendendo, mas falo pouco. Eu até entendo bem, consigo me virar, mas, falo pouco. Eu também não falo ucraniano. Meu marido entende um pouco, mas não é fluente como em russo. Eu optei por aprender russo primeiro porque como a gente é muito “móvel”. Eu fiquei pensando que, se a gente precisar mudar de país, outra vez, o russo é um idioma com o qual eu consigo me comunicar em vários países daquela região.

É muito grande a diferença entre os dois idiomas?
Vanessa Granovski – Sim, há uma grande diferença. Numa conversa, se você conhece uma, até consegue entender o contexto (do que está sendo dito) na outra, mas, o russo é bem diferente do ucraniano.

Vocês tinham planos de permanecer muitos anos por lá?
Vanessa Granovski – Nós tínhamos sim, porque, a empresa, estava fazendo planos de expandir para outros países. E havia boas perspectivas de futuro porque, com a história do Covid, eles tinham vendido kits para muitos países. A empresa estava super bem. Então a gente tinha segurança que ficaria lá por muito tempo. Só que ninguém contava com essa guerra.

Vocês conheciam e mantinham contato com outros brasileiros em Kiev?

Vanessa Granovski – Não, a gente não tinha (contato). Só recentemente eu comecei a me comunicar com uma brasileira, mas ela já tinha até saído quando começou a guerra. Era uma pessoa super boa que me ajudou a achar um médico. Mas essa foi a única brasileira com que eu tive contato em Kiev.

Vanessa, falemos um pouquinho da guerra e de como tudo isso afetou vocês. Vocês achavam que a Rússia acabaria não atacando, não invadindo o território Ucraniano? De certa forma isso foi uma surpresa para vocês?

Vanessa Granovski – A gente tinha certeza de que eles não iriam invadir! Estávamos tranquilos. Enquanto o mundo todo estava em pânico, na Ucrânia, não sei dizer se em todos os lugares, se perto das fronteiras a sensação era diferente, mas, pelo menos em Kiev, as pessoas não acreditavam, elas tinham certeza de que a invasão não iria acontecer. E quando eu perguntava me diziam: “Vanessa, fique calma! Isso não é possível! Não vai acontecer nada. Putin faz isso com a gente faz tempo. Ele está lá nas nossas fronteira desde 2014!”. Alguns usavam a expressão: Igrá… (não passa de brincadeira, um jogo”). Por isso eles tinham certeza de que nada iria acontecer. Na verdade, nnguém em Kiev esperava…

E aí, infelizmente, as coisas começaram a acontecer, não? Eu li numa outra entrevista sua que vocês moravam perto de um aeroporto militar. Que da janela do apartamento vocês viam helicópteros e caças russos já nos dois primeiros dias da invasão. Foi aí que a coisa começou a ficar mesmo feia?

Vanessa Granovski – Foi assim… Nós trabalhamos aquela semana normalmente. Estava tudo muito tranquilo, o comércio aberto, os restaurantes cheios, as pessoas se deslocando, a vida seguindo normal. E aí, no dia 24 de manhã, eu acordei e li uma notícia na internet que a Rússia tinha invadido a Ucrânia. Minha primeira reação foi de raiva: “Que absurdo! Mídia sensacionalista, imagine! Não está acontecendo nada aqui!”. Mas, então eu vi que tinham chegado várias mensagens do trabalho no meu celular. Aquilo era estranho porque nunca havia trocas de mensagens do trabalho às 7h da manhã porque nosso expediente começava às 10h. E aí comecei a ler as mensagens e todas diziam: “A gente precisa se deslocar pra Liviv!”. Ao mesmo tempo começaram a surgir informações de que o ataque tinha começado com drones e bombardeios a posições militares na fronteira Norte, perto de Chernobil, que, aliás, é bem distante de Kiev.

Bom, aí a ficha caiu…

Vanessa Granovski – Sim, foi nesse momento que Kiev ficou em choque e entrou em pânico. As pessoas se deram conta de que “Sim, estava acontecendo!”. E aí todo mundo saiu correndo, foram se formando filas gigantescas em caixas eletrônicos, em supermercados, postos de gasolina… Começou a faltar comida nos supermercados, os bancos ficaram sem dinheiro, não tinha combustível. Quem conseguiu abastecer pegou o carro e foi para as cidades de fronteira. Do nosso apartamento dava pra ver a estrada para Liviv e começamos a ver um congestionamento se formando.

E como vocês reagiram?

Vanessa Granovski – A gente não tinha muito o que fazer porque eles ainda estavam bem longe do centro de Kiev e sabíamos que iria demorar um pouco para a guerra chegar. Então fomos para um mercado comprar algumas coisas e aí voltamos para o apartamento e nos sentamos e esperamos. À noite começaram os bombardeios no aeroporto militar, onde, inclusive, estava o Antonov, aquele maior cargueiro do mundo que foi destruído pela força aérea russa. As bombas caiam, fazia um barulhão, o prédio todo tremia. Nessas horas eu dava um pulo porque o barulho é assustador. Tirando esse aeroporto, a gente estava numa área privilegiada da cidade, porque o nosso prédio é rodeado por lagos e floresta. Não tem edifícios do governo. Mas, a gente começou a sentir medo, pelos estrondos e os pontos de incêndio que a gente via pela janela. E, também, por toda aquela movimentação de helicópteros, de caças e rastros de bomba cruzando o céu de um lado para outro.

Bom, imagino que a essa altura vocês entraram em contato com o laboratório e disseram: “Olha, estamos saindo. Não dá prá ficar mais”

Vanessa Granovski – Em situação de guerra – e é bom contar essas coisas porque ninguém imagina como acontece -, a partir do momento que houve a invasão e os ataques, não houve uma liberação formal da empresa. Os nossos chefes só disseram pra gente: “Olha, ninguém venha trabalhar! Fiquem todos em casa e vamos ver o que acontece”. Então, assim como nós, a maioria das pessoas em Kiev passaram a não saber mais se continuavam empregados ou não. Mas, ainda assim, o meu marido continuou em contato com nossos chefes por celular.

E saída de vocês de Kiev? Inicialmente vocês tentaram deixar a cidade de trem?

Vanessa Granovski – Isso. O ataque foi no dia 24…e no dia 24 de madrugada a gente foi para um bunker porque estavam falando de bombardeios aéreos e a gente ficou com medo. No dia 25 a gente voltou para casa e ficou lá o dia inteiro, ouvindo bombardeios no aeroporto. E, no dia 26, a gente achou que era melhor sair porque a guerra estava se aproximando de onde a gente estava. Naquele dia a gente fez duas malas, aprontei o Thor e começamos a pedir táxis. Só que já estava muito difícil conseguirmos táxis não só por causa do perigo, mas, também, pela falta de combustível. Os taxistas tinham receio de gastar gasolina para ajudar alguém e de ficarem sem combustível para socorrer a própria família.

E o que vocês fizeram?

Vanessa Granovski – Bem, nós continuamos tentando. Ficamos umas 3h atrás de táxi e não conseguimos nada. Já estava decretado um toque de recolher, que deveria vigorar das 17h do dia 26 até às 8h da manhã do dia 28. Então, era arriscado pra gente ir para a estação ferroviária porque, caso não conseguíssemos pegar o trem, ficaríamos presos na estação sem poder voltar e, provavelmente, a gente teria de se abrigar no metrô , mas como saber se na estação haveria espaço pra gente? Então decidimos abortar a ideia e continuar os dias 26 e 27 em casa.

Vanessa e Vladimir, na Ucrânia (Crédito: arquivo pessoal)

Imagino que, em casa, vocês não saiam de frente da TV, acompanhando as notícias. Como faziam para saber o que estava acontecendo?

Vanessa Granovski –  Eu não sei nada do noticiário local porque a gente nunca teve costume de assistir TV. Mas, meu marido ficava o tempo todo na internet, vendo notícias dos principais jornais do mundo, para ter ideia do que estava acontecendo.

Vocês tiveram problemas com falta de água, energia elétrica?

Vanessa Granovski – Enquanto estávamos lá, nunca faltou energia, água, internet. Mas eu sei que a situação agora já está bem diferente. Muitos pontos não têm mais energia, está tudo mais complicado, mas, até o dia que nós saímos tinha tudo.

E foi no dia 28 que vocês arriscaram sair para a estação ferroviária?
Vanessa Granovski – No dia 28 nós começamos a postar nos grupos, a pedir ajuda, a perguntar se alguém poderia nos levar até a estação. Até que um vizinho se propôs a nos ajudar. Ele disse: “Eu levo vocês”. Uma outra vizinha, um verdadeiro anjo em nossas vidas, mandou mensagem para o meu marido e disse: “Não vão! Esperem”. Essa mesma pessoa já tinha nos convidado para irmos a um lugar seguro no primeiro dia. Nós não quisemos ir porque ficamos com medo de deixarmos nosso apartamento e causar problemas, caso a Embaixada quisesse nos achar, esse tipo de coisa. E quando você está num contexto de guerra, você tem que tomar decisões rápidas, porque não tem ideia do que uma hora depois pode acontecer. Decidimos então fazer as malas e fomos para a estação.

Como foi lá?

Vanessa Granovski – Nós chegamos na estação e aquilo estava um horror! Nós vimos cenas que nunca mais vou esquecer. Estava muito tenso. Meu marido ia carregando nossas duas malas e eu seguia atrás com o Thor no colo. A estação estava tomada por um mar de gente mas conseguimos achar a plataforma de onde o trem iria partir. Só que aquele trecho também estava abarrotado e, pra embarcar, a gente tinha de descer para o nível da plataforma, mas não dava para passar, não tinha como descermos! Tinha muitos policiais armados gritando: “Só mulher e criança! Só mulher e criança!”. Então os homens iam ficando para trás e se separando de suas mulheres e filhos. Olha, era uma choradeira, uma gritaria, um sofrimento, um caos! Eu e meu marido ficamos ali um pouco, petrificados, só olhando tudo aquilo. Então meu marido apontou pra mim e gritou para os policiais que eu estava grávida. E aí eles nos ajudaram a descer. Só que lá embaixo, no nível do piso de embarque a situação estava igual ou até pior: era outro mundo de gente desesperada para conseguir chegar nos vagões e entrar no trem. E de novo se ouvia muitos gritos, choro. Vimos crianças serem arrancadas das mãos de suas mães e empurradas para dentro dos vagões. Algumas mães não conseguiam embarcar junto, então imagine o desespero, o sofrimento! Eu nunca vivi e nem vi nada parecido com aquilo em toda a minha vida! E foi novamente por Deus que não conseguimos entrar naquele trem. Porque, mesmo que conseguíssemos, teríamos, mais 11 horas de viagem em pé, apertados como sardinha em lata, naqueles vagões, eu grávida. Seria muito difícil aquela viagem, muito mesmo!

Vocês voltaram pra casa?

Vanessa Granovski – Bom, quando a gente percebeu que não ia mesmo conseguir, saímos da estação e resolvemos pedir ajuda para aquela amável vizinha que já tinha nos orientado: “Se não conseguirem ir, voltem para cá”, ela disse. Meu marido ligou e explicou para ela que não tinha dado certo, que não tínhamos conseguido e perguntou se podíamos voltar. “Venham já!”, foi a resposta dela. Só que ela disse não poder informar onde era o local para onde deveríamos ir porque ela faz uma obra voluntária e tinha que preservar o lugar. Então ela combinou de se encontrar com a gente num determinado ponto da cidade. A gente conseguiu pegar um táxi, com muito medo de tudo: que o motorista desistisse de nos levar até o local e nos deixasse no meio do caminho; que a vizinha não estivesse nos esperando no ponto de encontro. E se ela não aparecesse ou a gente desencontrasse? Àquela altura, não teria mais como acharmos lugar para nos abrigarmos. Enfim, estávamos com muito medo…

E ela estava esperando por vocês?

Vanessa Granovski – Sim! Graças a Deus deu tudo certo. Ela pegou a gente, nos levou para um certo lugar e tratou de nós como se fôssemos seus próprios filhos. Ela nos deu comida, fez a gente tomar banho, descansar. Com toda certeza nem em um bom hotel seríamos tratados com tanto carinho. E então fomos descansar porque ela disse que, à noite, poria a gente numa Van para Liviv.

Incrível…

Vanessa Granovski – Sim e de noite chegou mesmo uma Van, com dois motoristas, para levar a gente e algumas outras pessoas, só que todas elas só iam até a metade do nosso destino. E aquela senhora de novo – só pode ser um anjo em nossas vidas mesmo!! – conseguiu outro motorista pra nos levar o resto do caminho, até o nosso destino. Num trecho da longa viagem meu marido foi na frente com o motorista, quando um outro senhorzinho bem idoso, carregando um carrinho, também embarcou e eu fui atrás, apertadinha, com o Thor e o senhorzinho. Ao longo da viagem nós passamos por vários bloqueios militares. Eles abriam as Vans, pediam os nossos passaportes, com as armas apontadas para baixo, conferiam tudo e deixavam a gente prosseguir. Interessante que, algumas vezes, nós chegamos em trechos com congestionamentos. Nas vezes que isso aconteceu, os nossos motoristas ligaram o pisca-alerta e seguiram na contramão! Os outros carros, que vinham na mão certa, é que iam desviando da gente. Eu e meu marido não entendemos mas deduzimos que deveriam ser pessoas influentes ou conhecidas.

Afinal, quem seria essa mulher misteriosa essa gente? Vocês descobriram para qual organização trabalham?

Vanessa Granovski – Não temos ideia de quem eram. Eu não sei o que essa moça que nos ajudou tanto faz, o cargo que ela tem, com o que trabalha. Eu não fiz perguntas. Eu apenas aceitei a ajuda e achei que não era hora para eu ficarmos fazendo perguntas e especulando. Mesmo porque percebemos que ela tinha a preocupação de manter todos seguros, à salvo, então, eu apenas aceitei ajuda da melhor forma que pude. E depois de mais um longo trecho chegamos finalmente, em Liviv, às 20h. Em Liviv uma outra equipe é que iria ajudar a gente e nós chegamos tensos por que, de novo, não sabíamos quem eram as pessoas que iriam nos receber e, como chegamos tarde, a gente temia que, ao chegarmos, as pessoas já tivessem ido embora por causa do toque de recolher. E aí nosso chefe entrou no circuito e se movimentou para nos ajudar “através de um amigo que conhecia outro amigo que conhecia outro amigo”, sabe aquelas coisas? Ele conseguiu um apartamento de uma senhora que tinha fugido para outro país e deixado para trás seu ótimo apartamento para ajudar outras pessoas.

Impressionante o desapego e a solidariedade das pessoas com o próximo num momento de tanta dor!

Vanessa Granovski – Sim! E quem nos conduziu àquele ótimo apartamento foi Dimitri, outro conhecido de nosso chefe, que já estava por lá à nossa espera. Graças a Deus conseguimos chegar e antes do toque de recolher. Um detalhe é que esse apartamento ficou sob os cuidados de uma senhora, provavelmente amiga da proprietária, que ficou coordenando a entrada e saída de pessoas naqueles dias. Provavelmente, por causa daquele entra e sai de pessoas a senhora estava nervosa, um tanto estressada, e nós, também, super cansados pela longa viagem então, num certo momento, pintou uma discussão entre ela e meu marido. Mas logo todo mundo se acalmou, todos mundo pediram desculpas uns para os outros e a gente acabou se entendendo. Durante o estresse eu fiquei tão nervosa que comecei a chorar e meu marido, bravo, disse para a mulher que eu estava grávida. Imagine que a mulher mudou completamente quando soube do meu estado. No dia seguinte, ela me ligou de manhã e disse que tinha marcado médico pra mim e pra meu bebê. Claro que eu fiquei super emocionada porque aquela pessoa completamente estranha, afinal de contas, passado o estranhamento da noite anterior, estava sendo super gentil naquele contexto todo. Ela ligou para o meu marido as 7h da manhã e disse “Desçam daqui 40 minutos porque já consegui marcar um médico pra sua esposa!”.

Essas ajudas todas por parte de pessoas totalmente desconhecidas e encarando uma guerra em seu próprio país é muito tocante não?

Vanessa Granovski – Olha, se não foi Deus cuidando da gente o tempo todo eu não sei o que foi! Nada estava fora de uma certa ordem! Acredita que no térreo daquele edifício tinha uma clínica especializada em gestantes? Então gente, é o que digo, se não foi Deus, não vejo outra explicação!

E está tudo bem com você e o bebê?

Vanessa Granovski – Sim, graças a Deus tudo bem comigo e com o bebê, apesar de todo o estresse. Daí ficamos uns dois dias na cidade. Estava tudo tranquilo por lá, tudo funcionando normalmente, sem ataques, comandos, nada.

Ao logo desse percurso todo vocês viram marcas de combate, veículos militares destruídos, corpos?

Vanessa Granovski – Não, não vimos nada, porque o perigo estava mais ao Norte. Por onde passamos, nunca cruzamos com nenhuma marca de guerra pesada. Lá em Liviv realmente a vida estava normal, supermercados abertos, tudo funcionando. E pelos stories descobrimos pelo pessoal do futsal que nossa embaixada brasileira estava programando a evacuação dos brasileiros. Então entramos em contato com eles e eu falei que eu voltaria (ao Brasil) com eles e que estava levando o meu cachorro Thor comigo.

Vocês foram bem orientados pelos funcionários de nossa embaixada?
Vanessa Granovski – Fomos sim. Nós acertamos tudo, eu arrumei as malas e me informaram que, no dia seguinte, bem cedo, eu tinha que estar no hotel que eles definiram como ponto de encontro, etc. Mas aí, nesse mesmo dia, à noite, eu recebi um telefonema da embaixada dizendo que havia um problema, que eles não podiam levar o meu cachorro porque ele é bronco encefálico, tem focinho curto e a FAB não transporta esse tipo de animal. Bem aí me bateu um desespero. Eu falei que não ia mais e aí meu marido ficou bastante nervoso. Eu entendo que existem regras pra isso e que há muitas companhias aéreas que nem transportam cachorros dessa raça porque, como eles tem dificuldade respiratória ele podem morrer durante o voo e aí é complicação para as empresas. Eu já sabia disso. Só não imaginava que isso valia também para a Força Aérea. E aí eu surtei. Eu falei: “Imagine! Eu não vou deixar meu cachorro pra trás de jeito nenhum! Eu tenho que levar ele…Poxa, é como se fosse um filho!”. Só que eu não tinha muito tempo para resolver isso, para alguma ação. Então comecei a mandar mensagens pra todo mundo que você pode imaginar no Instagram. Mandei pra FAB, para o Itamarati, para a Família Bolsonaro, mandei pra todo mundo. Mas, na verdade, com o coração apertado, sem muita esperança que alguém respondesse, as chances eram mínimas.

Mas, e aí?!

Vanessa Granovski – E quando bateu o desespero mesmo eu mandei mensagem para uma jornalista que tinha sido muito gentil comigo, dias atrás, e que pediu que eu não revelasse o seu nome. Eu liguei pra ela e perguntei se ela tinha o telefone da Luisa Mell. Ela tinha e me passou na mesma hora. Isso já deveria ser umas 23h, já era bem tarde. Eu arrisquei mandar uma mensagem pra Luísa, mas, temendo que ela demorasse a ver eu acabei ligando para ela. Eu comecei a comentar meu caso e a chorar daqui e ela também começou a chorar do outro lado. Eu sabia que ela é uma pessoa sensível, que gosta de ajudar. Então ela pediu que eu gravasse um vídeo o mais rapidamente possível e mandasse para ela. Eu fiz isso e parece que o vídeo viralizou e teve muita visibilidade no Brasil. Não sei se o Presidente, o Itamarati, que autoridade conseguiu ouvir minha súplica pelo Thor. No vídeo eu dizia que entendo as regras e sempre as aceitei. Que em viagens aéreas anteriores do Thor eu sempre paguei as taxas pedidas, sempre obedeci regras, cumpri tudo direitinho, mas, agora a situação era diferente: eu estava fugindo de uma guerra! E não tinha tempo, precisava que as coisas se resolvessem logo! E aí, de madrugada, um deputado de Brasília me ligou e disse que estava conversando com o ministro das Relações Exteriores, que eles iriam me ajudar e que iriam resolver o meu problema. De manhã, o Consul da Embaixada do Brasil na Polônia me ligou e disse: “Vanessa, traga o cachorro que nós vamos fazer todo o possível para embarcá-lo!”

Enfim, uma luz no fim do túnel?

Vanessa Granovski – Bom, aí a gente fez a travessia. Eram vários carros com a bandeira do Brasil colada, escoltados pela polícia ucraniana. Não paramos em nenhum momento. Fizemos a travessia da fronteira, passamos pelo controle de passaportes, paramos no hotel, onde logo chegou o pessoal da embaixada do Brasil na Polonia e passamos para um ônibus, onde conheci o pessoal do Itamarati que também foi até lá. Eles foram o tempo todo muito gentis comigo, muito solícitos, desde a primeira vez que conversaramos. E desde então estão me ajudando com tudo. Nós estamos superbem no hotel, não nos falta nada, só estamos esperando pelo avião da FAB que deve vir para cá esta semana para nos levar de volta ao Brasil.

Que saga, Vanessa! Mas agora, finalmente, você, Vladimir e Thor voltando ao Brasil…

Vanessa Granovski – Na verdade o Vladimir ficou. Meu marido, na esperança que se chegue logo a um cessar-fogo definitivo voltou para ajudar o dono do laboratório a retirar alguns equipamentos caros, de Kiev e transferi-los para uma unidade de outra cidade. Nós combinamos um prazo pra ver como tudo isso se resolve. A gente tem esperança de voltar, mesmo porque, nosso apartamento está lá, nossas coisas estão todas lá. Não é apartamento próprio, a gente estava falando em comprar, mas, agora, com tudo isso, resolvemos esperar, claro. Eu falo com o Vladimir diariamente. A gente se fala o tempo todo. Graças a Deus ele está em um lugar seguro. A gente sabe que essas coisas podem mudar a qualquer momento, mas, como a cidade fica na fronteira com a Polônia, é muito mais difícil os russos atacarem.


Billy Viveiros é jornalista colaborador do DT

 

 

 

 

 

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